Sunday, April 03, 2016

Entendimento é possível


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, parece mesmo fascinado com as possibilidades de entendimento com o povo soviético. Desde que retornou da reunião de cúpula de Genebra, ainda não fez nenhum depoimento contra a União Soviética e nem contra a sua política nuclear (ao contrário de Gorbachev, que atacou duramente as posições assumidas pela Casa Branca, na semana passada, quando fez um relato dos resultados da conferência de alto nível, realizada no mês passado, perante o Soviete Supremo).

Aceitou plenamente o entendimento pessoal com o líder russo como um importante avanço no relacionamento entre as superpotências. Aliás, disse isso de alto e bom som, tanto no encontro que manteve com os seus pares da Organização do Tratado do Atlântico Norte, em Bruxelas, quanto numa sessão especial do Congresso norte-americano, assim que retornou de Genebra.

Agora Ronald Reagan quer ampliar essa base de acordo, que ele admite ser frágil, mediante amplos intercâmbios com os soviéticos. Não apenas aqueles acertados durante a reunião de cúpula, mas mais extensos, se possível, ilimitados.

Deseja que os povos dos Estados Unidos e da União Soviética se conheçam melhor, através de viagens turísticas ou de estudos, sem que nenhum dos governos interfira nessa tarefa. Ingenuidade do presidente? Nem tanto. Afinal, ele pode ser acusado de muita coisa, menos de não ser realista ou um arguto observador do comportamento humano.

Conforme ele frisou, ontem, num discurso feito a escolares, em Maryland, “não basta que os líderes das superpotências se entendam”. É necessário, antes de tudo, que os respectivos povos mudem, por sua própria conta, a visão distorcida que um tem do outro, em virtude de determinado tipo de informação que lhes foi passado nestes últimos 40 anos, o qual, na verdade, os desinformou.

“É, mas os russos não irão permitir esse intercâmbio amplo”, dirá o leitor, como sempre, grande observador. Se isso realmente ocorrer, Mikhail Gorbachev certamente perderá todo o prestígio que conquistou junto à opinião pública mundial, nos derradeiros dois meses.

Provavelmente nisso é que reside a proposta de Reagan. Como sempre, tem uma armadilha embutida. Se o Cremlin aceitar realizar esse intercâmbio, o presidente norte-americano terá obtido uma importantíssima vitória diplomática. Se recusar, terá conseguido um triunfo propagandístico. De qualquer maneira sairá ganhando.

Nada melhor, portanto, nas vésperas do Ano Internacional da Paz, que será 1986, escolhido pela Organização das Nações Unidas para que nele ocorra um esforço concentrado mundial pelo desarmamento dos espíritos, do que uma proposta dessa natureza.

O leitor já imaginou que bom seria um soviético poder passear livremente por Nova York, sem ser acompanhado por um batalhão de agentes secretos, russos e norte-americanos, uns propondo que ele peça asilo político e outros trabalhando para evitar isso? Ou um turista de “Tio Sam” circular com sua máquina fotográfica a tiracolo, por Moscou, Leningrado, Volgagrado, Kiev, Alma Ata ou qualquer outra cidade da URSS que sua imaginação sugerir, sem que truculentos oficiais da KGB lhe demonstrem qualquer espécie de desconfiança ou hostilidade?

Se isso viesse a acontecer um dia, as armas nucleares ficariam obsoletas por si sós. O mundo seria um lugar muito mais seguro para se viver. Poderíamos, até mesmo, pensar em algum futuro a longo prazo, sem nenhum temor de que nossos projetos acabassem sendo inviabilizados por algum eventual (e hoje mais do que nunca possível) ataque atômico.

Esse amplo intercâmbio pode nunca vir a acontecer de fato (a probabilidade maior, pelo menos, é essa), mas não custa arriscar uma proposta nesse sentido. E seja qual for a intenção, Ronald Reagan ousou fazê-la em público. A palavra, daqui para a frente, fica apenas com Gorbachev nessa questão.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 5 de dezembro de 1985).


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