Entendimento é possível
Pedro J. Bondaczuk
O presidente
norte-americano, Ronald Reagan, parece mesmo fascinado com as possibilidades de
entendimento com o povo soviético. Desde que retornou da reunião de cúpula de
Genebra, ainda não fez nenhum depoimento contra a União Soviética e nem contra
a sua política nuclear (ao contrário de Gorbachev, que atacou duramente as
posições assumidas pela Casa Branca, na semana passada, quando fez um relato
dos resultados da conferência de alto nível, realizada no mês passado, perante
o Soviete Supremo).
Aceitou
plenamente o entendimento pessoal com o líder russo como um importante avanço
no relacionamento entre as superpotências. Aliás, disse isso de alto e bom som,
tanto no encontro que manteve com os seus pares da Organização do Tratado do
Atlântico Norte, em Bruxelas, quanto numa sessão especial do Congresso
norte-americano, assim que retornou de Genebra.
Agora
Ronald Reagan quer ampliar essa base de acordo, que ele admite ser frágil,
mediante amplos intercâmbios com os soviéticos. Não apenas aqueles acertados
durante a reunião de cúpula, mas mais extensos, se possível, ilimitados.
Deseja
que os povos dos Estados Unidos e da União Soviética se conheçam melhor,
através de viagens turísticas ou de estudos, sem que nenhum dos governos
interfira nessa tarefa. Ingenuidade do presidente? Nem tanto. Afinal, ele pode
ser acusado de muita coisa, menos de não ser realista ou um arguto observador
do comportamento humano.
Conforme
ele frisou, ontem, num discurso feito a escolares, em Maryland, “não basta que
os líderes das superpotências se entendam”. É necessário, antes de tudo, que os
respectivos povos mudem, por sua própria conta, a visão distorcida que um tem
do outro, em virtude de determinado tipo de informação que lhes foi passado
nestes últimos 40 anos, o qual, na verdade, os desinformou.
“É,
mas os russos não irão permitir esse intercâmbio amplo”, dirá o leitor, como
sempre, grande observador. Se isso realmente ocorrer, Mikhail Gorbachev
certamente perderá todo o prestígio que conquistou junto à opinião pública
mundial, nos derradeiros dois meses.
Provavelmente
nisso é que reside a proposta de Reagan. Como sempre, tem uma armadilha
embutida. Se o Cremlin aceitar realizar esse intercâmbio, o presidente
norte-americano terá obtido uma importantíssima vitória diplomática. Se
recusar, terá conseguido um triunfo propagandístico. De qualquer maneira sairá
ganhando.
Nada
melhor, portanto, nas vésperas do Ano Internacional da Paz, que será 1986,
escolhido pela Organização das Nações Unidas para que nele ocorra um esforço
concentrado mundial pelo desarmamento dos espíritos, do que uma proposta dessa
natureza.
O
leitor já imaginou que bom seria um soviético poder passear livremente por Nova
York, sem ser acompanhado por um batalhão de agentes secretos, russos e
norte-americanos, uns propondo que ele peça asilo político e outros trabalhando
para evitar isso? Ou um turista de “Tio Sam” circular com sua máquina
fotográfica a tiracolo, por Moscou, Leningrado, Volgagrado, Kiev, Alma Ata ou
qualquer outra cidade da URSS que sua imaginação sugerir, sem que truculentos
oficiais da KGB lhe demonstrem qualquer espécie de desconfiança ou hostilidade?
Se
isso viesse a acontecer um dia, as armas nucleares ficariam obsoletas por si
sós. O mundo seria um lugar muito mais seguro para se viver. Poderíamos, até
mesmo, pensar em algum futuro a longo prazo, sem nenhum temor de que nossos
projetos acabassem sendo inviabilizados por algum eventual (e hoje mais do que
nunca possível) ataque atômico.
Esse
amplo intercâmbio pode nunca vir a acontecer de fato (a probabilidade maior,
pelo menos, é essa), mas não custa arriscar uma proposta nesse sentido. E seja
qual for a intenção, Ronald Reagan ousou fazê-la em público. A palavra, daqui
para a frente, fica apenas com Gorbachev nessa questão.
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 5 de dezembro de
1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment