O que mudar e como?
Pedro
J. Bondaczuk
O papel do escritor,
tanto em uma sociedade específica, quanto em um plano mais amplo, no da
humanidade – e isso desde que o homem inventou a escrita para perpetuar fatos,
experiências, conceitos, idéias, ensinamentos e emoções, entre outras coisas –
equivale ao dos mestres, que nos abrem os olhos e a mente para o conhecimento.
Entendo, até, que sua tarefa sobrepuje a dos professores, sobretudo pela
abrangência. Enquanto os docentes ensinam a um número restrito de pessoas por
vez – a classes com 40 alunos, se tanto – o escritor não tem limites. Não tem
como quantificar o número dos que terão acesso aos seus livros (“ferramentas”,
aliás, dos professores) e nem onde ou quando eles serão lidos e muito menos por
quem. Há casos em que suas obras lhes sobrevivem até por milênios após sua
morte e seguem gerando efeitos, positivos ou negativos de acordo com seu teor.
Raciocinemos. Nenhum
ser humano é igual a outro. Pode haver “parecidos” ou até semelhantes, a igualdade,
todavia, é absolutamente impossível. E não somente no aspecto físico, mas no
mental, psicológico, emocional, intelectual e vai por aí afora. E,
principalmente, em decorrência das circunstâncias de cada um, além de suas
respectivas realidades, que nunca são iguais. É como se diz popularmente: “cada
um é cada um”. Daí, a necessidade de comunicação, para troca de informações,
idéias e experiências que enriqueçam mutuamente os que se comunicam. E o
escritor é um comunicador por excelência. E utilizando meio dos mais complexos
para tal: a palavra escrita. O fato das pessoas serem diferentes, com
capacidades físicas e intelectuais heterogêneas, não pressupõe nenhum domínio
de um homem que a natureza fez mais capaz sobre outro de capacidade menor.
Ser diferente não
significa, necessariamente, ser superior ou inferior. Não é assim, todavia, que
a humanidade sempre pensou, agiu e continua agindo. Em vez do mais forte
proteger e amparar o mais fraco, o que ocorre tempo e mundo afora? É exatamente
o contrário do que seria desejável e bom. É submissão do mais fraco ao mais
forte, que o explora, de alguma forma, sempre que tem oportunidade. Essa é uma
das tantas causas (talvez a principal) de tantas desgraças e tanta violência.
Uma das tarefas do escritor (e é assim que entendo essa atividade) é esclarecer
que esse comportamento é aético, imoral, mesquinho, errado e nocivo. E,
principalmente, que a morte iguala a todos indistintamente, tanto o forte
quanto o fraco, tanto o hábil quanto o inábil, tanto o gênio quanto o néscio e
vai por aí afora. Nossa passagem pelo mundo é tão rápida que pode ser comparada
a um velocíssimo lampejo de luz num ambiente de trevas.
Alguns escritores vão
ao extremo de pregar absoluta igualdade entre desiguais (e aqui não me refiro
aos direitos, que devem, necessariamente, ser iguais). São os idealistas, posto
que nada práticos. Outros, embora por vias transversas, mesmo que não
explicitem, “sugerem” exatamente o oposto. Os primeiros defendem radical
mudança do comportamento humano já. Para os segundos, todavia, as coisas devem
continuar como estão, argumentando (ou dando a entender em seus textos) que
esta é “a lei da vida”. Será?! Ambos estão, pois, em extremos opostos que não
raro se tocam.
No meio desses dois
grandes grupos, fazendo realista contraponto, estão os moderados, Ou seja, os
que não são utópicos, mas também não são omissos, por serem práticos. São os
que não costumam tirar os pés do chão, mas que nem por isso se entregam a um
frio e covarde desencanto. São os que acreditam na potencialidade humana, mas
que sabem que o processo renovador tem que começar com alguém e em algum lugar
e estão dispostos a serem os pioneiros.
São os que nunca perdem a “esperança”, mas definem esse conceito de forma
correta, como o faz Erich Fromm, em seu livro “Ter ou Ser?”, quando diz que ela
“não é nem uma espera passiva nem um forçar irreal de circunstâncias que não
podem ocorrer. É como o tigre agachado que só saltará quando chegar o momento
de saltar”.
O que está aí todos
concordam (embora muitos não admitam), precisa ser mudado e o mais rápido
possível. A questão que se impõe, todavia, é: “o que construir no seu lugar?
Como? Quando?” Que tal começar a mudança que se faz necessária a partir de
agora, mas em bases sólidas e sempre para melhor? O filósofo Jiddu
Krishnamurti, num de seus livros, destaca que “existe apenas uma revolução
fundamental. Não é uma revolução de idéias nem é baseada num determinado padrão
de ação. Ela começa a manifestar-se quando a necessidade de usar os outros
termina. É algo que surge espontaneamente quando começamos a entender a
natureza profunda dos nossos relacionamentos. Essa revolução pode ser chamada
de Amor”. Essa conscientização (segundo entendo) é também tarefa do escritor,
posto que não a única, embora, talvez, a principal. Trata-se de um processo de
longo prazo que, quanto mais puder ser encurtado, melhor e mais eficaz será.
A ignorância, a
prepotência, a cobiça e a exploração do homem pelo homem são, mais do que
nunca, onipresentes, a atestar que, a despeito do progresso tecnológico, a
racionalidade humana não evoluiu um único milímetro nos últimos dois ou três
milênios e, ao contrário, pode até ter sofrido regressão. A verdadeira
revolução, a da “humanização” do homem, ainda está longe sequer do começo. Por que?
Porque tememo-la. Porque não estamos plenamente conscientes dela. Porque nos
atemos a questões menores e irrelevantes e não nos concentramos nessa premência
de mudar o que aí está e substituir os atuais e há muito falidos paradigmas por
outros mais inteligentes e justos. Impõe-se, pois, a questão formulada por Max
Frish: “Quando se tem mais medo da mudança do que da desgraça, o que é que se
faz para evitar a desgraça?”. Boa pergunta, não é mesmo? Por enquanto,
convenhamos, não vem se fazendo nada.
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