Fracasso do golpe é êxito da
democracia
Pedro J. Bondaczuk
O
povo soviético, em especial o russo, e mais especificamente o moscovita, marcou
a maior vitória da democracia de que se tem notícia, pelo menos em nosso
século, ao impedir o êxito do golpe contra o presidente Mikhail Gorbachev.
O
movimento de resistência, embora de curta duração, liderado com pulso firme por
Bóris Yeltsin, teve também seus mártires. Sete pessoas tombaram, ontem, na
única batalha travada durante a crise, quando soldados e tanques tentaram
avançar rumo ao Parlamento para desalojar dali os que defendiam a legalidade e
arriscavam suas vidas para impedir que o país voltasse a cair nas trevas do
totalitarismo.
A
população de Moscou, portanto, tem motivos de sobra hoje para comemorar a
restauração do estado de direito, apesar de suas dificuldades econômicas.
Embora
seja um tanto prematuro fazer projeções sobre as conseqüências da inconseqüente
e felizmente frustrada tentativa de golpista, pode-se traçar um paralelo entre
os "Dez Dias que Abalaram o Mundo", título do célebre livro de John
Reed, o norte-americano que testemunhou a Revolução de 1917, e os três últimos
dias na URSS.
Naquela
oportunidade, o comunismo fincava raízes no então Império Russo, despertando as
esperanças e ansiedades dos milhões de desvalidos e explorados pelo mundo afora
como opção para o capitalismo que então era praticado --- não muito diferente,
é mister frisar, do de hoje.
Ontem,
a impressão que se tem, é que esse sistema, especialmente na URSS, onde nasceu,
começou a morrer, a desmoronar pelo menos na sua forma mais distorcida,
perversa e intolerável: a do totalitarismo.
Além
de Yeltsin, que marcou seu nome definitivamente na história contemporânea, não
somente do seu país, mas mundial, pela sua coragem, determinação e capacidade
de liderança, outros líderes da resistência merecem menção. Um deles é o
ex-ministro de Relações Exteriores, Eduard Shevardnadze, que ainda em 20 de
dezembro de 1990, quando renunciou ao cargo, denunciou o aglutinamento das forças
retrógradas para defender intoleráveis e ilegítimos privilégios, enquanto parte
considerável da população passava por privações. As filas continuam
quilométricas nos armazéns do Estado em Moscou, com prateleiras literalmente
vazias. Mas a esperança renasceu.
O
grande herói dessa virada definitiva de uma página dolorosa na história da URSS
foi, sem dúvida, o povo. Foi, por exemplo, o estudante de línguas estrangeiras
entrevistado, anteontem, pelo correspondente da Rede Globo, Pedro Bial, que num
português castiço, com sotaque lusitano, disse que estava disposto a morrer
para impedir o sucesso do golpe. E o garoto tem apenas 21 anos!
Heroísmo
beirando à loucura foi o da jovem soviética, que tentou deter o avanço dos
tanques com seu frágil corpo. Heróis foram os cerca de 20 mil cidadãos
desarmados que, ao invés de se recolherem, como coelhos assustados, em seus
lares, formaram a barreira humana intransponível para a proteção dos líderes da
resistência.
As
autoridades soviéticas passam a ter agora uma responsabilidade multiplicada
perante seu povo, depois da inequívoca manifestação de confiança, mais que
isso, de exacerbada esperança, que este demonstrou durante o dramático
episódio. Os líderes, entre os quais Mikhail Gorbachev, não têm mais o direito
de cometer erros. Precisam governar com e para a população, deixando de lado
vaidades pessoais e picuinhas políticas. Têm o maiúsculo dever, a suprema
obrigação de trabalhar e pensar no bem estar dos 282 milhões de soviéticos, e
não somente no de seus partidários, agregados ou protegidos.
O
célebre slogan dos movimentos esquerdistas de que "o povo unido jamais
será vencido" nunca foi mais verdadeiro do que nos últimos acontecimentos
ocorridos na União Soviética. A humanidade está cansada de ditadores e
ditaduras, embora cerca de seis dezenas delas ainda estejam no poder em várias
partes do mundo.
Depois
da reunificação da Alemanha, da abertura da isolacionista Albânia e da
resistência ao golpe na URSS, mais do que nunca as multidões sem rosto passaram
a ditar sua vontade.
(Artigo publicado na página 2 do
suplemento "A Vitória da Democracia", do Correio Popular, que
coordenei e editei, sobre a derrota dos golpistas que haviam deposto Mikhail
Gorbachev na URSS, que circulou em 22 de agosto de 1991).
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