Monday, April 25, 2016

Polêmica em torno da morte de Camus


Pedro J. Bondaczuk


A morte de Albert Camus, que na época de sua ocorrência, em 4 de janeiro de 1960, causou consternação, mas não despertou nenhuma suspeita de que a causa não tenha sido a que se noticiou então, tornou-se, 50 anos depois, foco de acesa polêmica, que ainda se sustenta. O escritor morreu, recorde-se, em um desastre de automóvel, em uma rodovia da França. Na época, cogitou-se de tudo – de distração ou imperícia do condutor do veículo, de falha mecânica, de obstáculo na estrada etc.etc.etc. – mas ninguém suspeitou, sequer remotamente, que o carro pudesse ter sido sabotado, digamos, propositalmente “preparado” para quebrar quando trafegava em alta velocidade, sem dar a menor chance ao motorista de evitar que colidisse violentamente com uma árvore.

Afinal, a morte de Camus foi acidental, como sempre constou, ou foi causada por uma diabólica trama assassina de quem, eventualmente, quisesse calá-lo? Foi acidente ou assassinato? Toda a polêmica começou recentemente, após revelações do escritor e tradutor checo Jan Zambrana, contidas em seu diário, publicado postumamente em forma de livro. Embora ele não afirme taxativamente, até por falta de provas, sugere (ou insinua?) a possibilidade do autor de “A peste” ter sido assassinado. E dá, até o nome, do possível “assassino”: o então ministro de Relações Exteriores da URSS, Dmitri Shepilov. Claro, não diz que essa personalidade política tenha “pessoalmente” sabotado o automóvel para que se acidentasse. Isso seria inverossímil. Teria, isso sim, sido o “mandante” do crime, supostamente cometido por algum agente da KGB, a agência secreta soviética, contrafação comunista da CIA.

A pergunta que se impõe é: O ministro teria motivo para planejar e ordenar a hipotética eliminação de Camus? Aparentemente, sim. O crime seria em retaliação à implacável e feroz oposição que o jornalista e escritor francês vinha fazendo aos comunistas soviéticos. Esta postura, inclusive, deu causa ao rompimento da sua longa amizade com o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, defensor apaixonado das políticas de Moscou. Entre outros ataques, Albert Camus publicou candente artigo na revista francesa “Franc Tireur”, na edição de março de 1957. No texto, responsabilizou, pessoalmente, Dmitri Shepilov pelo que chamou de “massacre” – a forma como classificou a repressão das tropas soviéticas ao levante de Budapeste, em 1956. Como seria de se esperar, o escritor francês despertou, com sua postura crítica, a inimizade dos stalinistas e de simpatizantes do comunismo mundo afora.

Não tenho opinião formada nem sobre as denúncias de Camus, nem sobre as veladas acusações do escritor checo e muito menos sobre a dura repressão à oposição húngara – embora tenha acompanhado todos esses fatos pela imprensa. Careço de versão do “outro lado”, do soviético. Recordo que o mundo vivia na época o auge da “Guerra Fria” e que nem tudo o que um lado dizia do outro era ponderado, isento, verdadeiro e meramente factual. Longe disso. Confundia-se, propositalmente, jornalismo com mera propaganda ideológica. Só os ingênuos e sumamente crédulos acreditavam no que um ou o outro lado diziam reciprocamente.  Camus foi vítima de um complô homicida, que redundou em sua morte? Pode ser que sim, pode ser que não. O que me intriga é o fato dessa hipótese não ter sido levantada por ocasião do mortal acidente. Por que?

Recorro ao livro “Albert Camus – uma vida”, de Olivier Todd (Editora Record, com tradução de Mônica Stahel), que relatou dessa forma o para mim (até prova em contrário) acidente automobilístico: “A vinte e quatro quilômetros de Sens, na Rodovia 5, entre Champigny-sur-Yonne e Villeneuve-la-Guyard, o Facel-Véga, depois de uma guinada, sai da estrada em linha reta, se arrebenta contra um plátano, ricocheteia para cima de uma outra árvore, se desmantela. Michel (Gallimard) sai gravemente ferido (morreu cinco dias depois), Janine ilesa, Anne também. O cachorro desaparece, Albert Camus morreu na hora. O relógio do painel é encontrado bloqueado às 13h55. A seus amigos, Camus dizia com frequência que nada era mais escandaloso do que a morte de uma criança e nada mais absurdo do que morrer num acidente de automóvel”. Mas foi como morreu.

E daí, paciente leitor, já decidiu? Qual dessas duas versões sua intuição sugere que tenha sido a mais plausível, ou a viável ou mesmo, em última análise, a verdadeira? A de Olivier Todd, de que tenha se tratado de um acidente automobilístico como tantos outros, causado ou por algum defeito mecânico (quebra da barra de direção, por exemplo), ou por estouro de pneu, ou por derrapagem provocada por óleo na pista ou em virtude de um mal súbito do motorista, ou por outra causa qualquer? Ou a de Jan Zambrana, de que o desastre tenha sido, na verdade, um assassinato, ordenado pelo ministro soviético de Relações Exteriores, Dmitri Shepilov? O fato é que ali, em meio às ferragens retorcidas e fumegantes, estava o corpo sem vida de um dos mais criativos escritores e dos mais combativos e corajosos jornalistas do século XX.  Albert Camus encontra-se sepultado no cemitério de Lourmarin, na Provença, na bucólica Côte D’Azzur francesa. Mas seu nome, e sua obra, teimam em permanecer em evidência, pelas inúmeras e inegáveis virtudes de ambos.


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