Seriedade para evitar grande frustração
Pedro J.
Bondaczuk
A população brasileira, de modo geral, está diante de uma
crise econômica aguda, com taxas altíssimas de inflação, com o salário sendo
corroído a cada instante pela voracidade incontida não somente desse “monstro”,
mas de outras feras, como o “leão” do fisco, por exemplo; afetada por uma série
de surtos, como os de dengue, sarampo, malária, hanseníase e até tuberculose; temerosa pelo que pode lhe
acontecer após a decisão de suspensão do pagamento de juros da nossa monumental
dívida externa, está em vias de ter outra frustração.
Esta, de proporções gigantescas,
não por ela em si, mas pelas circunstâncias em que vivemos. Trata-se da nova
Constituição, que está para ser elaborada desde 1º de fevereiro e cujos
trabalhos ainda não se efetivaram, só os parlamentares sabem porque.
No nosso entender, a opinião
pública foi, mais uma vez, manipulada pelos que detêm o poder, nesta questão.
Quando do anúncio da convocação da Assembléia Nacional Constituinte, já ocorreu
um erro basilar, que se não tira a legitimidade dos encarregados da elaboração
da nossa Carta Magna, a reduz sobremaneira. Trata-se da decisão de se atribuir
dupla função aos parlamentares eleitos em 15 de novembro passado. Uma, será a
ordinária, característica do Poder Legislativo, de confecção da legislação
rotineira, que eles, a rigor, nem estão exercendo direito. E outra, de redação
da futura Constituição.
A segunda falha foi o enfoque
dado à campanha eleitoral que precedeu a escolha dos constituintes. A atenção
principal foi dada àquilo que deveria ter sido secundário, às eleições dos
governadores. Toda a propaganda, pelo rádio e pela televisão, concentrou-se
nessa disputa, quase irrelevante nas circunstâncias de então.
Criou-se uma espécie de sutil
“cortina de fumaça” sobre o papel e principalmente sobre as propostas dos
postulantes à elaboração da nossa Carta Magna. Em conseqüência disso, cerca de
20% dos 60 milhões de eleitores, ou seja, 12 milhões de brasileiros, não estão
representados na Assembléia, por terem votado em branco ou anulado o seu voto
para esse cargo. Isso sim tira a legitimidade, e muito, da atual Constituinte.
E que não se culpe a ocorrência dessa avalanche de manifestações de omissão os
analfabetos (de fato ou funcionais).
A campanha é que foi dirigida
para que esse fenômeno viesse a acontecer. A maneira como a propaganda foi
feita é responsável por isso. Quem possuía condições financeiras ou apoio de
grupos econômicos representativos, em geral se deu bem e foi eleito. Quem não
dispunha dessa facilidade e tinha a seu favor apenas idéias, sugestões e
projetos, foi deixado à margem. Francisco Weffort afirmou, logo após o pleito,
com toda a razão do mundo: “os votos brancos e nulos serão um rato morto na
garganta dos constituintes”.
Como foi destacado no preâmbulo,
o País está passando por um agudo momento de descontentamento, de descrença e,
principalmente, de incerteza. A economia anda pessimamente das pernas. Mas o
que os nossos representantes, aqueles que deveriam, através do voto de
confiança que lhes outorgamos, nos colocar, teoricamente, no poder, através da
sua atuação, estão discutindo? As causas e conseqüências das absurdas taxas de
juros praticadas? As razões e a maneira de contornar o descontentamento trabalhista?
Regras, nem que sejam falhas, para nossas relações econômicas?
Não! Os políticos não se atrevem
a descer do seu Olimpo, da sua torre de marfim, para debater questões tão
mesquinhas. Sua atenção está em coisas mais “transcendentais”, como o
regulamento da Constituinte, a composição da sua mesa ou de suas comissões, e
coisas desse gênero, temas com os quais se ocupam durante semanas a fio, em
estéreis briguinhas e discussões, que poderiam ser solucionadas com apenas um
pouquinho de bom senso. É por isso que não se pode deixar de dar razão ao
ex-chanceler Santiago Dantas, quando afirmou: “No Brasil, o povo como povo é
muito melhor do que as elites como elites”.
É por essa razão, também, que se
percebe tanto desencanto nas ruas. Não aquele cósmico, universal, que afeta o
homem quando ele se dá conta da sua insignificância diante do infinito.
Teilhard de Chardin escreveu, numa carta datada de 4 de maio de 1935:
“Pergunto-me hoje se a humanidade não se está realmente dividindo entre os que
crêem e os que não crêem no futuro do Universo”.
Isso poderia ser transcrito de
outra forma, para se adaptar à atual situação brasileira, dividida entre os 20%
que ainda acreditam que o atual governo vá solucionar nossas aflições e os 80%
que nunca tiveram ou que perderam essa crença, questionando a sua legitimidade.
A esse propósito, Henry David
Thoreau escreveu, com sua peculiar argúcia, em seu livro “Escritos Selecionados
sobre a Natureza e a Liberdade”: “A autoridade do governo, para ser
estritamente justa, precisa ter a sanção e o consentimento dos governados”:.
É hora da classe política
despertar para a realidade. É o momento dos políticos analisarem as
expectativas que foram despertadas na população dez meses antes da eleição da
Constituinte. Foi passada uma mensagem ao povo de que a nova Constituição seria
uma panacéia para todos os males nacionais, o que foi uma enorme
irresponsabilidade. O cidadão já vai ficar frustrado ao perceber, quando a nova
Carta Magna for promulgada, que a sua vida não mudou virtualmente em nada e que
suas aflições estão longe de acabar. Imaginem se, além disso, ela acabar sendo
pior da que está em vigor!
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de
março de 1987).
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