Friday, April 29, 2016

Seriedade para evitar grande frustração


Pedro J. Bondaczuk


A população brasileira, de modo geral, está diante de uma crise econômica aguda, com taxas altíssimas de inflação, com o salário sendo corroído a cada instante pela voracidade incontida não somente desse “monstro”, mas de outras feras, como o “leão” do fisco, por exemplo; afetada por uma série de surtos, como os de dengue, sarampo, malária, hanseníase e  até tuberculose; temerosa pelo que pode lhe acontecer após a decisão de suspensão do pagamento de juros da nossa monumental dívida externa, está em vias de ter outra frustração.

Esta, de proporções gigantescas, não por ela em si, mas pelas circunstâncias em que vivemos. Trata-se da nova Constituição, que está para ser elaborada desde 1º de fevereiro e cujos trabalhos ainda não se efetivaram, só os parlamentares sabem porque.

No nosso entender, a opinião pública foi, mais uma vez, manipulada pelos que detêm o poder, nesta questão. Quando do anúncio da convocação da Assembléia Nacional Constituinte, já ocorreu um erro basilar, que se não tira a legitimidade dos encarregados da elaboração da nossa Carta Magna, a reduz sobremaneira. Trata-se da decisão de se atribuir dupla função aos parlamentares eleitos em 15 de novembro passado. Uma, será a ordinária, característica do Poder Legislativo, de confecção da legislação rotineira, que eles, a rigor, nem estão exercendo direito. E outra, de redação da futura Constituição.

A segunda falha foi o enfoque dado à campanha eleitoral que precedeu a escolha dos constituintes. A atenção principal foi dada àquilo que deveria ter sido secundário, às eleições dos governadores. Toda a propaganda, pelo rádio e pela televisão, concentrou-se nessa disputa, quase irrelevante nas circunstâncias de então.

Criou-se uma espécie de sutil “cortina de fumaça” sobre o papel e principalmente sobre as propostas dos postulantes à elaboração da nossa Carta Magna. Em conseqüência disso, cerca de 20% dos 60 milhões de eleitores, ou seja, 12 milhões de brasileiros, não estão representados na Assembléia, por terem votado em branco ou anulado o seu voto para esse cargo. Isso sim tira a legitimidade, e muito, da atual Constituinte. E que não se culpe a ocorrência dessa avalanche de manifestações de omissão os analfabetos (de fato ou funcionais).

A campanha é que foi dirigida para que esse fenômeno viesse a acontecer. A maneira como a propaganda foi feita é responsável por isso. Quem possuía condições financeiras ou apoio de grupos econômicos representativos, em geral se deu bem e foi eleito. Quem não dispunha dessa facilidade e tinha a seu favor apenas idéias, sugestões e projetos, foi deixado à margem. Francisco Weffort afirmou, logo após o pleito, com toda a razão do mundo: “os votos brancos e nulos serão um rato morto na garganta dos constituintes”.

Como foi destacado no preâmbulo, o País está passando por um agudo momento de descontentamento, de descrença e, principalmente, de incerteza. A economia anda pessimamente das pernas. Mas o que os nossos representantes, aqueles que deveriam, através do voto de confiança que lhes outorgamos, nos colocar, teoricamente, no poder, através da sua atuação, estão discutindo? As causas e conseqüências das absurdas taxas de juros praticadas? As razões e a maneira de contornar o descontentamento trabalhista? Regras, nem que sejam falhas, para nossas relações econômicas?

Não! Os políticos não se atrevem a descer do seu Olimpo, da sua torre de marfim, para debater questões tão mesquinhas. Sua atenção está em coisas mais “transcendentais”, como o regulamento da Constituinte, a composição da sua mesa ou de suas comissões, e coisas desse gênero, temas com os quais se ocupam durante semanas a fio, em estéreis briguinhas e discussões, que poderiam ser solucionadas com apenas um pouquinho de bom senso. É por isso que não se pode deixar de dar razão ao ex-chanceler Santiago Dantas, quando afirmou: “No Brasil, o povo como povo é muito melhor do que as elites como elites”.

É por essa razão, também, que se percebe tanto desencanto nas ruas. Não aquele cósmico, universal, que afeta o homem quando ele se dá conta da sua insignificância diante do infinito. Teilhard de Chardin escreveu, numa carta datada de 4 de maio de 1935: “Pergunto-me hoje se a humanidade não se está realmente dividindo entre os que crêem e os que não crêem no futuro do Universo”.

Isso poderia ser transcrito de outra forma, para se adaptar à atual situação brasileira, dividida entre os 20% que ainda acreditam que o atual governo vá solucionar nossas aflições e os 80% que nunca tiveram ou que perderam essa crença, questionando a sua legitimidade.

A esse propósito, Henry David Thoreau escreveu, com sua peculiar argúcia, em seu livro “Escritos Selecionados sobre a Natureza e a Liberdade”: “A autoridade do governo, para ser estritamente justa, precisa ter a sanção e o consentimento dos governados”:.

É hora da classe política despertar para a realidade. É o momento dos políticos analisarem as expectativas que foram despertadas na população dez meses antes da eleição da Constituinte. Foi passada uma mensagem ao povo de que a nova Constituição seria uma panacéia para todos os males nacionais, o que foi uma enorme irresponsabilidade. O cidadão já vai ficar frustrado ao perceber, quando a nova Carta Magna for promulgada, que a sua vida não mudou virtualmente em nada e que suas aflições estão longe de acabar. Imaginem se, além disso, ela acabar sendo pior da que está em vigor!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de março de 1987).


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