Omissão
e morosidade
Pedro J. Bondaczuk
A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988,
embora comece a ser revisada (caso não haja nenhuma medida protelatória) na
próxima quarta-feira, tem apenas cerca de 50% dos seus dispositivos devidamente
regulamentados. Conclui-se, pois, que metade dela não passa de “letra morta”,
não produz qualquer efeito prático.
O cidadão comum, certamente, diante dessa inércia
dos parlamentares, deve ficar perguntando aos seus botões: “Eles não foram
eleitos para isso?” Foram, mas...Nosso Congresso, por razões que escapam de
quem não está acostumado às lides políticas, tem como característica distintiva
a morosidade. A própria mecânica de debate dos projetos, estabelecida nos
respectivos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado, torna as
decisões morosas.
Isto, ressalte-se, quando há quorum. Ou seja, quando
a maioria comparece ao “trabalho”, o que não é tão freqüente. Em geral, sempre
há ausências. Alguns parlamentares chegam a marcar presença em somente 10% das
sessões durante todo um mandato de quatro anos.
O leitor já imaginou o que ocorreria com um operário
que mantivesse essa freqüência ao trabalho? Lá pela terceira falta, com
certeza, seria posto no olho da rua. Com nossos representantes, no entanto, não
ocorre nada disso. Muitos sequer chegam a ser advertidos e recebem salário
integral, custeado por nós, é claro.
Os parlamentares faltosos ausentam-se do plenário em
qualquer tipo de sessão, seja ordinária ou extraordinária. Até mesmo quando da
votação de matérias de grande relevância (todas deveriam ter esse caráter),
como a das Diretas-já, do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, ou da
emenda que instituiu o malfadado e atualmente suspenso Imposto Provisório sobre
Movimentação Financeira, tais ausências ocorrem. Trata-se de um comportamento,
no mínimo, aético, para não usar expressão mais contundente.
Alguns argumentam que mesmo quando faltam às sessões
estão trabalhando. Dizem que precisam viajar freqüentemente para manter contato
mais estreito com suas “bases”. E o recesso parlamentar, para o que serve?
Enquanto um trabalhador comum, que precisa trabalhar 35 anos para conseguir uma
aposentadoria, tem férias de somente um mês a cada 12 trabalhados, nossos
legisladores têm três no mesmo período. E ainda assim têm o desplante de
faltar. É imperdoável!
Ressalte-se que esse comportamento não é novo e nem
restrito ao atual Congresso. Machado de Assis, numa crônica publicada na
imprensa carioca, em 23 de julho de 1893, imortalizada no livro “A Semana”, narra
o seguinte episódio: “Se me fosse lícito propor alguma coisa aos legisladores,
eu lhes lembraria duas resoluções da Câmara dos Comuns, uma de 1620 e outra de
1628. A idéia de liberdade esteve sempre ligada a essa célebre casa. Eis dois
exemplos. Um investigador, um tal de Gibson Bowles, descobriu que no primeiro
daqueles anos, 1620, mês de fevereiro, a Câmara resolveu mandar buscar debaixo
de vara a todos e quaisquer membros que não se achassem presentes às sessões,
estando na cidade. Oito anos depois, a Câmara, não contente com haver ferido no
braço, enterrou a faca na barriga, foi às algibeiras, determinando, em 9 de
abril de 1628, que cada membro que não comparecesse à sessão, pagaria multa de
10 libras esterlinas”. Que tal se seguíssemos este exemplo?
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 3 de outubro de 1993)
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