Sinceridade e excessos verbais marcam o escândalo
Pedro J.
Bondaczuk
A agitação dos últimos dias, acerca do caso da mútua
espionagem nas respectivas embaixadas, dos Estados Unidos em Moscou e da União
Soviética em Washington, por agentes da CIA e da KGB, felizmente, ficou somente
no “bla bla bla” e nada mais. E nem poderia ter sido diferente, a despeito de
pessoas que não possuem um senso de proporção, terem proposto coisas
aberrativas, como o cancelamento da viagem do secretário de Estado norte-americano,
George Shultz, à capital russa para acertar detalhes sobre um inédito acordo
desarmamentista. O pacto, aliás, é vital neste instante para as duas partes.
O líder Mikhail Gorbachev, às
voltas com a desarrumação econômica do seu país, não vê a hora de poder
investir preciosos recursos, hoje gastos com a defesa, para prover sua
população de um padrão de vida mais decente.
O presidente Ronald Reagan, por
seu turno, precisa desesperadamente de algo que produza impacto na opinião
pública e reduza as conseqüências desastrosas causadas à sua popularidade e,
principalmente, credibilidade, pelo escândalo “Irangate”. Por esta razão,
nenhum dos dois se manifestou muito a propósito do assunto “espionagem”,
deixando a questão para auxiliares menos graduados fazerem a sua guerrinha
particular e inglória em torno dela.
Nos excessos verbais cometidos em
torno do caso, ambas as partes terminaram empatadas. Finda a tempestade,
assentada a poeira, tanto um quanto o outro lado agora vão conversar
seriamente, sem mais fogos de artifício para a imprensa e sem mais lenha para,
especialmente, alimentar a fogueira do antagonismo de seus respectivos públicos
internos, contra o eterno adversário ideológico.
Por falar em senso de proporção,
desproporcional foi a proposta, feita pelo líder democrata norte-americano no
Senado do seu país, Robert Byrd, a propósito de espionagem. Ele deseja que
aquele que cometer essa infração seja punido com a pena de morte.
Se espionar é um crime tão
hediondo, pior do que o cometido por traficantes, que corrompem jovens e até
crianças, lançando suas infelizes vítimas no inferno do vício e da degradação;
se é mais grave do que o próprio ato de matar um ser indefeso no próprio
ventre, apenas por uma questão de comodismo ou até de estética; se sobrepuja o
delito de seqüestro; se ultrapassa a infração do estupro a menores de idade,
então, pobre CIA! Afinal, sua atividade principal é exatamente essa.
Claro que o senador se referiu ao
ato de um norte-americano espionar em favor da União Soviética. De fato, trair
a pátria não é uma atitude que mereça aplauso. Mas daí a condenar quem procede
dessa maneira à morte é uma desproporção enorme.
Aliás, somos visceralmente
contrários à pena capital em qualquer circunstância, por entendermos, como o
jurista italiano Cesare Beccaria já entendia há cerca de quatro séculos, que a
finalidade da sentença não deve ser, de forma alguma, a de “vingar” a parte
ofendida.
Agir dessa forma seria somente
disfarçar o velho princípio de Talião, do “olho por olho e dente por dente”,
que bem algum trouxe às civilizações que o usaram. Ou então a “vindima de
sangue”, exercida pelo Estado, que ainda existe, mas entre os assassinos da
Máfia e de outras organizações do crime organizado. A prática, no entanto, é
inconcebível ao homem esclarecido e civilizado.
Esta questão da espionagem
serviu, somente, para que as duas partes lavassem em público a sua roupa suja.
Hoje, funcionários da Casa Branca já admitem, implicitamente, que se excederam
quando afirmaram que a missão diplomática de seu país na capital soviética
estava com a segurança comprometida.
Até o presidente Reagan, que
durante a semana chegou a falar em demolição do novo prédio erguido em Moscou,
teve uma espécie de ato de contrição, de retratação, ao dizer que jamais
discute assunto dessa natureza. Melhor fez o líder da Câmara de Representantes,
Jim Wright, que pelo menos foi sincero, embora tenha dito apenas o óbvio, ao
afirmar: “Não é como se de repente houvesse uma revelação de que os russos
estão enchendo nossa sede diplomática de aparelhos. Nós temos feito a mesma
coisa. E para ser perfeitamente verdadeiro, temos feito isso na embaixada deles
aqui, nos Estados Unidos. Todos nós sabemos disso. Não é nada de novo”. Vá ser
sincero assim na Cochinchina!!!
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio popular, em 11
de abril de 1987)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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