Tuesday, April 12, 2016

Sinceridade e excessos verbais marcam o escândalo


Pedro J. Bondaczuk


A agitação dos últimos dias, acerca do caso da mútua espionagem nas respectivas embaixadas, dos Estados Unidos em Moscou e da União Soviética em Washington, por agentes da CIA e da KGB, felizmente, ficou somente no “bla bla bla” e nada mais. E nem poderia ter sido diferente, a despeito de pessoas que não possuem um senso de proporção, terem proposto coisas aberrativas, como o cancelamento da viagem do secretário de Estado norte-americano, George Shultz, à capital russa para acertar detalhes sobre um inédito acordo desarmamentista. O pacto, aliás, é vital neste instante para as duas partes.

O líder Mikhail Gorbachev, às voltas com a desarrumação econômica do seu país, não vê a hora de poder investir preciosos recursos, hoje gastos com a defesa, para prover sua população de um padrão de vida mais decente.

O presidente Ronald Reagan, por seu turno, precisa desesperadamente de algo que produza impacto na opinião pública e reduza as conseqüências desastrosas causadas à sua popularidade e, principalmente, credibilidade, pelo escândalo “Irangate”. Por esta razão, nenhum dos dois se manifestou muito a propósito do assunto “espionagem”, deixando a questão para auxiliares menos graduados fazerem a sua guerrinha particular e inglória em torno dela.

Nos excessos verbais cometidos em torno do caso, ambas as partes terminaram empatadas. Finda a tempestade, assentada a poeira, tanto um quanto o outro lado agora vão conversar seriamente, sem mais fogos de artifício para a imprensa e sem mais lenha para, especialmente, alimentar a fogueira do antagonismo de seus respectivos públicos internos, contra o eterno adversário ideológico.

Por falar em senso de proporção, desproporcional foi a proposta, feita pelo líder democrata norte-americano no Senado do seu país, Robert Byrd, a propósito de espionagem. Ele deseja que aquele que cometer essa infração seja punido com a pena de morte.

Se espionar é um crime tão hediondo, pior do que o cometido por traficantes, que corrompem jovens e até crianças, lançando suas infelizes vítimas no inferno do vício e da degradação; se é mais grave do que o próprio ato de matar um ser indefeso no próprio ventre, apenas por uma questão de comodismo ou até de estética; se sobrepuja o delito de seqüestro; se ultrapassa a infração do estupro a menores de idade, então, pobre CIA! Afinal, sua atividade principal é exatamente essa.

Claro que o senador se referiu ao ato de um norte-americano espionar em favor da União Soviética. De fato, trair a pátria não é uma atitude que mereça aplauso. Mas daí a condenar quem procede dessa maneira à morte é uma desproporção enorme.

Aliás, somos visceralmente contrários à pena capital em qualquer circunstância, por entendermos, como o jurista italiano Cesare Beccaria já entendia há cerca de quatro séculos, que a finalidade da sentença não deve ser, de forma alguma, a de “vingar” a parte ofendida.

Agir dessa forma seria somente disfarçar o velho princípio de Talião, do “olho por olho e dente por dente”, que bem algum trouxe às civilizações que o usaram. Ou então a “vindima de sangue”, exercida pelo Estado, que ainda existe, mas entre os assassinos da Máfia e de outras organizações do crime organizado. A prática, no entanto, é inconcebível ao homem esclarecido e civilizado.

Esta questão da espionagem serviu, somente, para que as duas partes lavassem em público a sua roupa suja. Hoje, funcionários da Casa Branca já admitem, implicitamente, que se excederam quando afirmaram que a missão diplomática de seu país na capital soviética estava com a segurança comprometida.

Até o presidente Reagan, que durante a semana chegou a falar em demolição do novo prédio erguido em Moscou, teve uma espécie de ato de contrição, de retratação, ao dizer que jamais discute assunto dessa natureza. Melhor fez o líder da Câmara de Representantes, Jim Wright, que pelo menos foi sincero, embora tenha dito apenas o óbvio, ao afirmar: “Não é como se de repente houvesse uma revelação de que os russos estão enchendo nossa sede diplomática de aparelhos. Nós temos feito a mesma coisa. E para ser perfeitamente verdadeiro, temos feito isso na embaixada deles aqui, nos Estados Unidos. Todos nós sabemos disso. Não é nada de novo”. Vá ser sincero assim na Cochinchina!!!


(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio popular, em 11 de abril de 1987)

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