Giovanni Villani relata
a peste em Florença
Pedro
J. Bondaczuk
A cidade italiana de
Florença foi assolada, a partir de 1347, pela peste bubônica que, a exemplo de
todos os lugares em que este flagelo se manifestou, teve sua população
drasticamente reduzida, com uma quantidade de mortos estimada em até 80%. Por
pouco, portanto, escapou de desaparecer do mapa. A localidade foi vítima da
mesma pandemia que eliminou, conforme estimativas (que considero irreais e
exageradas) cerca de 75% da população europeia. Bem, a quantidade exata de
vítimas pouco importa, até pela impossibilidade de ser determinada. O fato é
que a peste negra exterminou, em questão de pouco tempo, alguns milhões de
pessoas.
Vários escritores
registraram a pandemia – iniciada, ao que se sabe, em novembro de 1347, no
porto francês de Marselha, proveniente do mundo árabe – cada qual relatando o
que ocorreu nas respectivas cidades em que residiam. Florença, que já então
gozava de grande prestígio artístico e cultural, pela quantidade de artistas e
de escritores que lá viviam, foi foco de diversos desses relatos, dando conta
dos estragos causados por esse mortal flagelo. Um dos principais relatores,
Giovanni Villani, autor da famosa obra “Nova Crônica”, foi uma das vítimas da
doença. Morreu um ano (1348) após haver contraído a enfermidade, da qual, a
princípio, se curou. Havia ficado doente em 1347, antes da epidemia se agravar
em Florença. E sofreu recaída no ano seguinte, quando os casos na cidade já se
multiplicavam descontroladamente. Dessa vez... não teve como escapar. Nem
chegou a completar sua obra-prima, uma das fontes de informação mais completas
e detalhadas da vida política, econômica e cultural florentina da primeira
metade do século XIV.
O livro “Nova Crônica”,
que havia sido interrompido por Giovanni Villani em 1347, quando adoeceu, foi
concluído, somente, 16 anos depois, pelo seu irmão, Matteo, e por seu sobrinho,
Filippo. Hoje é uma espécie de clássico dos tipos, costumes e personalidades da
Florença medieval. Giovanni, antes de adoecer, teve tempo ainda de relatar o
avanço da epidemia e a evolução do número de mortes que ela já havia causado.
Matteo, por sua vez, fez um balanço, em 1363, dessa tragédia. Calculou que 50
mil florentinos morreram por causa dela. E arriscou-se a apontar o que, no seu
entender, era a causa dessa desgraça: “um castigo de Deus, claro!”. Expressou,
assim, a opinião geral em toda a Florença. Essa “certeza”, inclusive, explica o
“tratamento” – não físico, mas espiritual – dado pela população para a doença:
rezas, procissões, promessas, autoflagelações e todo o tipo de sacrifícios e
privações físicas que o leitor possa imaginar. Destaque-se que a cidade era
estritamente católica, constituindo-se na terra natal de seis papas: Leão X,
Clemente VII, Clemente VIII, Leão XI, Urbano VIII e Clemente XII.
Ademais, nem na culta e
evoluída (para a época) Florença, deixou-se de relacionar a peste com
cometas.Todos estavam absolutamente convictos dessa vinculação. E em 1347,
havia sido detectado um deles, que se supõe tenha passado relativamente perto
da Terra. Coincidentemente, nesse mesmo ano, como vimos, ocorreu a mais mortal
pandemia de que se tem notícia na História (há quem estime que matou 200
milhões de pessoas). O cometa em questão foi batizado de “Negro”, que seria o
mesmo que foi visto recentemente, a partir de setembro de 2012, desta vez,
chamado de “Ison”, também conhecido pelo código astronômico de “C/2012 S1”. A
pandemia, que durou cinco anos, e que causou a dantesca mortandade em Florença,
espalhou-se com estonteante velocidade pelo continente. Nos cerca de cinco anos
que durou, expandiu-se para o Norte da Europa, sendo freada, apenas, pelo
Oceano Atlântico, depois de percorrer a Escócia, a Irlanda e as então
semidesérticas planícies da estepe russa.
Giovanni Villani
escreveu o seguinte sobre o que interpretou como “prenúncio de desgraças”:
“(...) Ao final de março deste ano (1347) apareceu na parte oriental do céu um
cometa, entre Virgem e Libra. São avisos anunciadores para o corpo humano de
grande destruição e de morte, como veremos mais adiante. O cometa durou muito
pouco. Não foi, todavia, o caso dos sofrimentos infligidos à nossa cidade por
conta da peste negra, que ainda continuam (...)”. A amplitude e a virulência
dessa pandemia justificam a razão de tantos cronistas e escritores da época, de
diversos dos países da Europa atingidos, terem registrado, com tamanha riqueza
de detalhes (como pretendo demonstrar oportunamente), e sempre em tom
apocalíptico, as terríveis conseqüências da catastrófica peste negra.
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