Wednesday, April 20, 2016

A Constituição cidadã



Pedro J. Bondaczuk


O saudoso presidente da Assembléia Constituinte de 1986, deputado Ulysses Guimarães (cujo primeiro aniversário de morte transcorre na próxima terça-feira), ficaria muito decepcionado com a sessão solene de terça-feira passada, para comemorar o quinto ano de promulgação do ordenamento jurídico máximo do País, que ele batizou de “Constituição-cidadã”.

As lideranças dos maiores partidos, empenhadas na revisão constitucional, sequer compareceram às solenidades, que transcorreram com um plenário vazio e com as galerias fechadas. Maior ainda seria a sua decepção diante da batalha travada em torno do cumprimento ou não do artigo 3º, das Disposições Transitórias, que manda revisar a Carta Magna.

O confronto extrapolou o campo político e estendeu-se ao terreno jurídico e até ao da violência física. Um assunto que deveria ser meramente técnico, portanto, ganha conotação de crise. Transforma-se numa batalha ideológica.

Não se pode negar que no aspecto dos direitos individuais, a atual Constituição representou um grande avanço. Tais dispositivos devem permanecer intocados. E, certamente, permanecerão. Todavia, nem os mais ferrenhos adversários da revisão têm a coragem de admitir, publicamente, que o atual texto constitucional é perfeito. Apresenta uma série de imperfeições, que o bom-senso manda que se corrija.

Um exemplo? A própria liminar, concedida pelo juiz do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Farias Mello, determinando a suspensão da sessão inaugural prevista para quarta-feira. O fato ilustra uma das contradições contidas na Constituição, muito bem-lembrada pelo ex-ministro da Justiça, Saulo Ramos.

Pelo artigo 97, o STF somente pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei por maioria absoluta. Contudo, por paradoxal que seja, tem o poder de aprovar uma liminar por maioria simples. Pode, por conseguinte, suspender os efeitos de uma lei até que se julgue o seu mérito, o que pode demorar até três anos.

Não é necessário ser um jurista, um doutrinador ou sequer advogado para perceber a falta de lógica aqui contida. Equívocos, como esse, e que são muitos, é que devem ser corrigidos. A revisão constitucional, é preciso que se tenha em mente, não se destina a redigir uma nova Constituição. Há pontos absolutamente intocáveis, como os do sistema federativo e da independência entre os três poderes, apenas para citar dois exemplos. Até porque, a Assembléia Constituinte que vai se encarregar dos trabalhos é derivada. Isto é, não foi eleita para esse fim.

O presidente do Senado, Humberto Lucena, que vai presidir a empreitada, sabe disso. Ele mesmo ressaltou que “o poder dos revisores é limitado e restrito por parâmetros fixados na própria Constituição”. Por essa razão, o alarido que se formou em torno da revisão, em grande parte, não é mais do que um jogo de cena, com vistas às eleições do próximo ano.

O País, convenhamos, não pode pagar pelos arroubos demagógicos de alguns políticos, que ao longo dos seus mandatos pouco ou nada fizeram e que agora precisam, desesperadamente, aparecer perante a opinião pública, sob o risco de não conseguir a reeleição.

Ulysses Guimarães, um mestre na arte da política, certamente ficaria decepcionado com tudo o que está acontecendo. Como estão aqueles que ainda acreditam no Brasil e se recusam a se entregar ao derrotismo.     

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 9 de outubro de 1993)


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