A
Constituição cidadã
Pedro J. Bondaczuk
O saudoso presidente da Assembléia Constituinte de
1986, deputado Ulysses Guimarães (cujo primeiro aniversário de morte transcorre
na próxima terça-feira), ficaria muito decepcionado com a sessão solene de
terça-feira passada, para comemorar o quinto ano de promulgação do ordenamento
jurídico máximo do País, que ele batizou de “Constituição-cidadã”.
As lideranças dos maiores partidos, empenhadas na
revisão constitucional, sequer compareceram às solenidades, que transcorreram
com um plenário vazio e com as galerias fechadas. Maior ainda seria a sua
decepção diante da batalha travada em torno do cumprimento ou não do artigo 3º,
das Disposições Transitórias, que manda revisar a Carta Magna.
O confronto extrapolou o campo político e
estendeu-se ao terreno jurídico e até ao da violência física. Um assunto que
deveria ser meramente técnico, portanto, ganha conotação de crise.
Transforma-se numa batalha ideológica.
Não se pode negar que no aspecto dos direitos
individuais, a atual Constituição representou um grande avanço. Tais
dispositivos devem permanecer intocados. E, certamente, permanecerão. Todavia,
nem os mais ferrenhos adversários da revisão têm a coragem de admitir,
publicamente, que o atual texto constitucional é perfeito. Apresenta uma série
de imperfeições, que o bom-senso manda que se corrija.
Um exemplo? A própria liminar, concedida pelo juiz
do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Farias Mello,
determinando a suspensão da sessão inaugural prevista para quarta-feira. O fato
ilustra uma das contradições contidas na Constituição, muito bem-lembrada pelo
ex-ministro da Justiça, Saulo Ramos.
Pelo artigo 97, o STF somente pode declarar a inconstitucionalidade
de uma lei por maioria absoluta. Contudo, por paradoxal que seja, tem o poder
de aprovar uma liminar por maioria simples. Pode, por conseguinte, suspender os
efeitos de uma lei até que se julgue o seu mérito, o que pode demorar até três
anos.
Não é necessário ser um jurista, um doutrinador ou
sequer advogado para perceber a falta de lógica aqui contida. Equívocos, como
esse, e que são muitos, é que devem ser corrigidos. A revisão constitucional, é
preciso que se tenha em mente, não se destina a redigir uma nova Constituição.
Há pontos absolutamente intocáveis, como os do sistema federativo e da
independência entre os três poderes, apenas para citar dois exemplos. Até
porque, a Assembléia Constituinte que vai se encarregar dos trabalhos é
derivada. Isto é, não foi eleita para esse fim.
O presidente do Senado, Humberto Lucena, que vai
presidir a empreitada, sabe disso. Ele mesmo ressaltou que “o poder dos
revisores é limitado e restrito por parâmetros fixados na própria
Constituição”. Por essa razão, o alarido que se formou em torno da revisão, em
grande parte, não é mais do que um jogo de cena, com vistas às eleições do
próximo ano.
O País, convenhamos, não pode pagar pelos arroubos
demagógicos de alguns políticos, que ao longo dos seus mandatos pouco ou nada
fizeram e que agora precisam, desesperadamente, aparecer perante a opinião
pública, sob o risco de não conseguir a reeleição.
Ulysses Guimarães, um mestre na arte da política,
certamente ficaria decepcionado com tudo o que está acontecendo. Como estão
aqueles que ainda acreditam no Brasil e se recusam a se entregar ao
derrotismo.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 9 de outubro de 1993)
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