Cresce
a tensão no Golfo
Pedro J. Bondaczuk
O drama que se desenvolve há quase sete anos no
Golfo Pérsico evolui, a cada dia que passa, para o seu momento culminante, que
não parece ser o da paz. Já não bastassem as tensões causadas pelo conflito em
si e pelo aumento da presença militar das grandes potências mundiais na área,
criando um clima de suspense quase insuportável, raramente visto no pós-guerra,
o incidente ocorrido anteontem, na cidade de Meca, na Arábia Saudita, veio
colocar muito mais lenha nessa imensa fogueira. Ou melhor diríamos, pôr
“petróleo” nela, já que esse é o produto mais farto em toda essa tormentosa
zona.
Há tempos, um analista político europeu previu que
algo dessa espécie iria ser provocado, mais cedo ou mais tarde, pelo regime do
aiatolá Ruhollah Khomeini, chefe espiritual de cerca de 100 milhões de xiitas
espalhados por todo o mundo.
Para entender o caráter de sua liderança, é preciso
ter em mente que o clérigo é considerado um “imã” islâmico. Ou seja, é um
mestre e juiz, uma espécie de santa em vida, com poder de absolver pecados,
abaixo, apenas, do profeta Maomé.
Sua ascendência sobre os fiéis (embora o número
deles seja 7,5 vezes menor do que o de católicos) é superior à que o Papa tem
sobre a sua comunidade. As cinco seitas muçulmanas (como acontece na grande
divisão existente no cristianismo), diferenciam-se apenas por detalhes,
atinentes à forma de se praticar a religião, e não ao conteúdo.
Enquanto os sunitas apegam-se às tradições
muçulmanas, incorporando-as aos ensinamentos do Corão, os xiitas respeitam o
livro sagrado e afirmam que ele é o único código (civil, penal e religioso) que
deve ser acatado e seguido. Ele é a lei máxima para todas as situações.
Entre seus fiéis não há distinções referentes à vida
religiosa e à civil. Os assuntos de política e de fé estão interligados, já que
entendem que o homem é uma unidade indivisível. Meca, portanto, é uma cidade
sagrada não somente para essas duas seitas maometanas, mas para todas elas.
O incidente de sexta-feira, por esse motivo, corre o
risco de, além de ter uma conotação profana, ser levado para o terreno
religioso. O massacre de xiitas, por parte da polícia saudita, equivaleria,
para os iranianos, a um eventual e hipotético tiroteio que viesse a ocorrer na
Praça de São Pedro, em Roma, por exemplo, no qual centenas de peregrinos fossem
mortos.
Tal ato poderia ser considerado, antes de tudo, um
sacrilégio, por ter profanado um sítio sagrado. Dessa forma, se entraria por um
terreno muito mais perigoso do que o por si só inseguro e volúvel campo
político.
O analista mencionado acima previu que os iranianos,
dispostos a desestabilizar a monarquia saudita e a antagonizar esse regime com
a comunidade islâmica, poderiam provocar um tumulto desse tipo e posar de
vítimas.
Oxalá tudo não passe de um novo susto, e nada mais.
Caso contrário, a guerra do Golfo Pérsico poderá ter conseqüências muito mais
graves do que as que teve até aqui, que já não são nada desprezíveis.
(Artigo publicado na página 22, Internacional, do
Correio Popular, em 2 de agosto de 1987)
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