Thursday, April 28, 2016

Cresce a tensão no Golfo



Pedro J. Bondaczuk


O drama que se desenvolve há quase sete anos no Golfo Pérsico evolui, a cada dia que passa, para o seu momento culminante, que não parece ser o da paz. Já não bastassem as tensões causadas pelo conflito em si e pelo aumento da presença militar das grandes potências mundiais na área, criando um clima de suspense quase insuportável, raramente visto no pós-guerra, o incidente ocorrido anteontem, na cidade de Meca, na Arábia Saudita, veio colocar muito mais lenha nessa imensa fogueira. Ou melhor diríamos, pôr “petróleo” nela, já que esse é o produto mais farto em toda essa tormentosa zona.

Há tempos, um analista político europeu previu que algo dessa espécie iria ser provocado, mais cedo ou mais tarde, pelo regime do aiatolá Ruhollah Khomeini, chefe espiritual de cerca de 100 milhões de xiitas espalhados por todo o mundo.

Para entender o caráter de sua liderança, é preciso ter em mente que o clérigo é considerado um “imã” islâmico. Ou seja, é um mestre e juiz, uma espécie de santa em vida, com poder de absolver pecados, abaixo, apenas, do profeta Maomé.

Sua ascendência sobre os fiéis (embora o número deles seja 7,5 vezes menor do que o de católicos) é superior à que o Papa tem sobre a sua comunidade. As cinco seitas muçulmanas (como acontece na grande divisão existente no cristianismo), diferenciam-se apenas por detalhes, atinentes à forma de se praticar a religião, e não ao conteúdo.

Enquanto os sunitas apegam-se às tradições muçulmanas, incorporando-as aos ensinamentos do Corão, os xiitas respeitam o livro sagrado e afirmam que ele é o único código (civil, penal e religioso) que deve ser acatado e seguido. Ele é a lei máxima para todas as situações.

Entre seus fiéis não há distinções referentes à vida religiosa e à civil. Os assuntos de política e de fé estão interligados, já que entendem que o homem é uma unidade indivisível. Meca, portanto, é uma cidade sagrada não somente para essas duas seitas maometanas, mas para todas elas.

O incidente de sexta-feira, por esse motivo, corre o risco de, além de ter uma conotação profana, ser levado para o terreno religioso. O massacre de xiitas, por parte da polícia saudita, equivaleria, para os iranianos, a um eventual e hipotético tiroteio que viesse a ocorrer na Praça de São Pedro, em Roma, por exemplo, no qual centenas de peregrinos fossem mortos.

Tal ato poderia ser considerado, antes de tudo, um sacrilégio, por ter profanado um sítio sagrado. Dessa forma, se entraria por um terreno muito mais perigoso do que o por si só inseguro e volúvel campo político.

O analista mencionado acima previu que os iranianos, dispostos a desestabilizar a monarquia saudita e a antagonizar esse regime com a comunidade islâmica, poderiam provocar um tumulto desse tipo e posar de vítimas.

Oxalá tudo não passe de um novo susto, e nada mais. Caso contrário, a guerra do Golfo Pérsico poderá ter conseqüências muito mais graves do que as que teve até aqui, que já não são nada desprezíveis.       

(Artigo publicado na página 22, Internacional, do Correio Popular, em 2 de agosto de 1987)


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