Thursday, April 14, 2016

Frágil mecanismo das relações internacionais


Pedro J. Bondaczuk


O relacionamento internacional é algo extremamente frágil, especialmente em períodos em que existem grandes tensões políticas no ar. Incidentes aparentemente pequenos têm dado causa, através dos anos, a enormes conflitos, onde milhares de pessoas acabaram sendo sacrificadas, estupidamente.

Certa feita, nós já tivemos a oportunidade de relatar para o leitor alguns desses casos, hoje vistos como pitorescos, mas que na ocasião em que se registraram, provocaram um extravasamento exagerado de paixões.

Em 1925, por exemplo, a fuga de um cachorro, para local onde não deveria ir, fez com que Grécia e Bulgária entrassem em guerra. É que o cão, pertencente a um soldado grego, atravessou, correndo, a fronteira entre os dois países e, sem respeitar as normas internacionais, acabou “invadindo” território búlgaro.

Seu proprietário, sem querer saber de qualquer entrave burocrático, resolveu dar uma escapadinha até o país vizinho, para buscar o desgarrado animal. Não contava, todavia, com o excesso de zelo da sentinela búlgara. Por causa disso, acabou morto, e o incidente provocou a invasão da Bulgária, pelo exército da Grécia, para lavar a honra nacional ultrajada.

Outros casos podem ser mencionados, como o da esposa fugida, o da barba raspada do rei francês Luís VII e o das orelhas de um certo capitão Jenkins. Todos eles foram responsáveis por longas e sangrentas guerras. Afinal, já virou quase uma regra: a maioria dos grandes conflitos é provocada por questiúnculas de somenos importância.

É apenas por isso que a movimentação toda, gerada por um incidente até corriqueiro nos dias que correm, qual seja, o do seqüestro do Boeing da empresa norte-americana TWA, na sexta-feira passada, está sendo levado muito a sério pelos analistas.

Se o leitor perceber bem, até aqui, sete países já foram envolvidos nesse caso, com possibilidades de novos interessados entrarem na dança. O Líbano envolveu-se porque os seqüestradores são libaneses e exigem, em troca dos reféns, a libertação de compatriotas detidos em outras comunidades nacionais.

Os Estados Unidos, obviamente, entraram na história porque, tanto o aparelho seqüestrado,quanto as pessoas a bordo, em mãos dos piratas aéreos, são norte-americanos. A Grécia está envolvida porque, além do seqüestro ter ocorrido em seu espaço aéreo, vários dos cativos eram de nacionalidade grega (que foram libertados).

Mas não são apenas esses três países os envolvidos. Querem ver? Os seqüestradores conduziram, duas vezes, o Boeing para a Argélia, implicando, automaticamente, esse país na questão. Exigem a libertação de 800 xiitas, presos em Israel, colocando o Estado judeu num difícil dilema diante dos EUA, seus mais leais, poderosos, e por isso mais preciosos aliados.

Querem, ainda, que dois outros comparsas, presos na Espanha, ganhem a liberdade, envolvendo, portanto, também, os espanhóis na questão. E, finalmente, exigem que 17 terroristas xiitas sejam soltos pelo governo do Kuwait.

Outros governos podem, ainda, entrar em toda essa confusão. Como o Irã, a quem os norte-americanos podem atacar, em represália ao seqüestro. Afinal, os xiitas libaneses são seguidores do aiatolá Khomeini. A Suíça pode se envolver, caso Israel aceite a oferta da Cruz Vermelha para negociar a troca dos prisioneiros pelos reféns.

A Síria também pode entrar na dança, caso o Líbano venha a ser bombardeado por navios da Sexta Frota norte-americana. Não se descarta, ainda, o envolvimento da União Soviética, caso algum membro das forças de segurança sírias seja afetado por algum eventual ataque dos EUA.

Notaram a enorme cadeia de conseqüências que um pequeno incidente pode gerar, e em questão de horas? É exatamente por sua capacidade de desarranjar esse delicado mecanismo de relacionamentos internacionais que o terrorismo é considerado uma das maiores ameaças dos tempos atuais.

O clima de violência mundial é tão grande, as desavenças entre nações são tamanhas e as salvaguardas são tão pequenas, que qualquer celerado, por essa ou mais aquela, pode, mais dia, menos dia, deflagrar um conflito de proporções incontroláveis. Por isso, nunca foi tão válida a regrinha que diz: “prevenir é melhor do que remediar”.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 19 de junho de 1985).


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