Realidade que parece
sonho
Pedro
J. Bondaczuk
A vida, muitas vezes,
parece-me tão irreal, tão maluca, tão repleta de surpresas (boas e más) e
apresenta tantos mistérios insondáveis, que fico, volta e meia, com a estranha
impressão de que tudo isso se trate de mero sonho. Claro que não é. Caso fosse,
uma dessas duas coisas diferentes (na verdade antagônicas) com certeza iria
ocorrer. Se o que estivesse me acontecendo fosse muito bom, eu ficaria
frustradíssimo se “acordasse” e se descobrisse que nada daquilo, que tanto
prazer me dava, era real. Ou seja, de que eu apenas estivesse sonhando. Em caso
contrário, claro, a sensação seria oposta. Seria a de alívio, caso se tratasse
de mero pesadelo. Feliz ou infelizmente, trata-se, somente, de uma sensação
passageira. Embora poeta, até por temperamento, procuro manter os pés bem
firmes no solo da realidade;
Tanto as coisas boas
que me acontecem (admito, a maioria e sinto-me privilegiado por isso) são
reais, quanto as ruins, das quais busco me livrar com o menor prejuízo possível
(e o mais rápido que puder), tentando extrair lições delas, no mínimo, para me
prevenir (se possível) para que não se repitam. Às vezes, é verdade, se
repetem, e se repetem, e se repetem à minha revelia. E, infelizmente, não são
pesadelos (o são, apenas, em sentido metafórico, mas não literal). Nos sonhos,
coisas malucas acontecem. Já sonhei, muitas vezes, por exemplo, que estava
voando. Mas como? Meu subconsciente, em algum momento, deve ter cogitado disso,
mas reprimido, para evitar que eu caísse em ridículo caso revelasse a alguém
essa pretensão.
E o que isso tem a ver
com literatura? Depende! Pode ter muito, como pode não ter absolutamente nada.
No sentido positivo, confesso que pelo menos dois dos melhores contos que
escrevi nasceram de sonhos. Claro que “podei” alguns excessos, adaptei-os, fiz
alguns providenciais acréscimos e... assim nasceram histórias, surreais, como seria de se
esperar. Mas que nunca seriam escritas caso eu não sonhasse com tais enredos.
Infelizmente, essa fonte não é tão farta como gostaria que fosse. Mas já rendeu
frutos, o que não deixa de ser lucro. Há pessoas que dão importância excessiva
aos sonhos, entendendo que sejam premonitórios. Recorrem a algum dos tantos
“dicionários” de interpretação que há por ai e se angustiam se o que lêem neles
indicar problemas, ou mesmo tragédias. Raramente, porém, esses
“interpretadores” acertam. Nem poderiam.
Fosse Sigmund Freud que
os interpretasse, com rigorosos métodos psicanalíticos que desenvolveu, seria
caso de levar esses sonhos a sério. Afinal, segundo o “pai da psicanálise”,
eles são frutos de coisas que ocorrem ao nosso redor, mas que passam
despercebidas do nosso consciente. Nossos olhos não vêem, nossos ouvidos não
ouvem, apenas o subconsciente as capta, processa e nos transmite, durante o
repouso, numa espécie de “descarga”. Todavia não de forma literal, mas de
maneira cifrada, mediante “símbolos”. Podem ser premonitórios? Podem! Mas têm
que ser interpretados, insisto, por algum hábil psicanalista e não por meros
palpiteiros de plantão, quando não rematados charlatães.
Sonhei, por exemplo, em
determinada ocasião, que era mestre de cerimônia de um evento em que as figuras
centrais homenageadas eram o falecido presidente norte-americano Ronald Reagan
(na época ele ainda estava vivo) e a rainha da Inglaterra, Elizabeth II.
Censurei meu subconsciente por esse arroubo de megalomania!!! Como ele se
atreveu a cogitar isso?!! Óbvio que nenhuma dessas personalidades públicas
sequer desconfiava que eu existia. Bem que gostaria que algum psicanalista
interpretasse esse sonho específico que, provavelmente, estava anos-luz de
distância da tacanha interpretação que lhe dei na ocasião. Pensei inúmeras
vezes nessas personalidades, já que na ocasião eu era editor do noticiário
internacional do jornal Correio Popular. Meu subconsciente aproveitou para
fantasiar uma situação nitidamente impossível. Como será que Freud
interpretaria essa “viagem” do substrato mais íntimo da minha psiquê? Nunca
saberei!
A poetisa portuguesa
Florbela Espanca não dava a mínima para essas estripulias do subconsciente.
Tanto que escreveu, em uma das tantas cartas que enviou aos seus
correspondentes (transformadas em dois interessantes livros): “Não costumo
acreditar muito nos sonhos... porque de todos se acorda”. Há, porém, quem
acredite piamente neles e que se apavore com seu teor, tentando o impossível:
adivinhar o que não aconteceu e provavelmente jamais acontecerá. Eu, depois de
haver sonhado com Reagan e com Elizabeth II, não consigo levá-los as sério. Mas
fico atento para detectar outro possível enredo para um novo conto. Nunca se
sabe. Se ocorreu mais de uma vez, não se pode descartar a possibilidade de que
volte a ocorrer novamente.
Estou tratando aqui de
sonho, sonho, ou seja, daquele que temos enquanto dormimos e não o do sentido
metafórico que se dá a essa palavra: o de desejos intensos, que pareçam (ou de
fato sejam) improváveis, quando não impossíveis. O ex-Beatle John Lennon fez a
seguinte distinção entre ambos: “Um sonho que sonhes sozinho é apenas um sonho.
Um sonho que sonhes em conjunto com outros é realidade”. Se não for, pode se tornar, desde que ajamos
para que se torne, caso valha a pena. Nem sempre vale. Todavia, encerro estas
reflexões como as iniciei: A vida, muitas vezes, parece-me tão irreal, tão
maluca, tão repleta de surpresas (boas e más) e apresenta tantos mistérios
insondáveis, que fico, volta e meia, com a estranha impressão de que tudo isso
se trate de mero sonho. E se for?
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