Friday, April 15, 2016

Realidade que parece sonho

Pedro J. Bondaczuk

A vida, muitas vezes, parece-me tão irreal, tão maluca, tão repleta de surpresas (boas e más) e apresenta tantos mistérios insondáveis, que fico, volta e meia, com a estranha impressão de que tudo isso se trate de mero sonho. Claro que não é. Caso fosse, uma dessas duas coisas diferentes (na verdade antagônicas) com certeza iria ocorrer. Se o que estivesse me acontecendo fosse muito bom, eu ficaria frustradíssimo se “acordasse” e se descobrisse que nada daquilo, que tanto prazer me dava, era real. Ou seja, de que eu apenas estivesse sonhando. Em caso contrário, claro, a sensação seria oposta. Seria a de alívio, caso se tratasse de mero pesadelo. Feliz ou infelizmente, trata-se, somente, de uma sensação passageira. Embora poeta, até por temperamento, procuro manter os pés bem firmes no solo da realidade;

Tanto as coisas boas que me acontecem (admito, a maioria e sinto-me privilegiado por isso) são reais, quanto as ruins, das quais busco me livrar com o menor prejuízo possível (e o mais rápido que puder), tentando extrair lições delas, no mínimo, para me prevenir (se possível) para que não se repitam. Às vezes, é verdade, se repetem, e se repetem, e se repetem à minha revelia. E, infelizmente, não são pesadelos (o são, apenas, em sentido metafórico, mas não literal). Nos sonhos, coisas malucas acontecem. Já sonhei, muitas vezes, por exemplo, que estava voando. Mas como? Meu subconsciente, em algum momento, deve ter cogitado disso, mas reprimido, para evitar que eu caísse em ridículo caso revelasse a alguém essa pretensão.

E o que isso tem a ver com literatura? Depende! Pode ter muito, como pode não ter absolutamente nada. No sentido positivo, confesso que pelo menos dois dos melhores contos que escrevi nasceram de sonhos. Claro que “podei” alguns excessos, adaptei-os, fiz alguns providenciais acréscimos e... assim nasceram  histórias, surreais, como seria de se esperar. Mas que nunca seriam escritas caso eu não sonhasse com tais enredos. Infelizmente, essa fonte não é tão farta como gostaria que fosse. Mas já rendeu frutos, o que não deixa de ser lucro. Há pessoas que dão importância excessiva aos sonhos, entendendo que sejam premonitórios. Recorrem a algum dos tantos “dicionários” de interpretação que há por ai e se angustiam se o que lêem neles indicar problemas, ou mesmo tragédias. Raramente, porém, esses “interpretadores” acertam. Nem poderiam.

Fosse Sigmund Freud que os interpretasse, com rigorosos métodos psicanalíticos que desenvolveu, seria caso de levar esses sonhos a sério. Afinal, segundo o “pai da psicanálise”, eles são frutos de coisas que ocorrem ao nosso redor, mas que passam despercebidas do nosso consciente. Nossos olhos não vêem, nossos ouvidos não ouvem, apenas o subconsciente as capta, processa e nos transmite, durante o repouso, numa espécie de “descarga”. Todavia não de forma literal, mas de maneira cifrada, mediante “símbolos”. Podem ser premonitórios? Podem! Mas têm que ser interpretados, insisto, por algum hábil psicanalista e não por meros palpiteiros de plantão, quando não rematados charlatães.

Sonhei, por exemplo, em determinada ocasião, que era mestre de cerimônia de um evento em que as figuras centrais homenageadas eram o falecido presidente norte-americano Ronald Reagan (na época ele ainda estava vivo) e a rainha da Inglaterra, Elizabeth II. Censurei meu subconsciente por esse arroubo de megalomania!!! Como ele se atreveu a cogitar isso?!! Óbvio que nenhuma dessas personalidades públicas sequer desconfiava que eu existia. Bem que gostaria que algum psicanalista interpretasse esse sonho específico que, provavelmente, estava anos-luz de distância da tacanha interpretação que lhe dei na ocasião. Pensei inúmeras vezes nessas personalidades, já que na ocasião eu era editor do noticiário internacional do jornal Correio Popular. Meu subconsciente aproveitou para fantasiar uma situação nitidamente impossível. Como será que Freud interpretaria essa “viagem” do substrato mais íntimo da minha psiquê? Nunca saberei!

A poetisa portuguesa Florbela Espanca não dava a mínima para essas estripulias do subconsciente. Tanto que escreveu, em uma das tantas cartas que enviou aos seus correspondentes (transformadas em dois interessantes livros): “Não costumo acreditar muito nos sonhos... porque de todos se acorda”. Há, porém, quem acredite piamente neles e que se apavore com seu teor, tentando o impossível: adivinhar o que não aconteceu e provavelmente jamais acontecerá. Eu, depois de haver sonhado com Reagan e com Elizabeth II, não consigo levá-los as sério. Mas fico atento para detectar outro possível enredo para um novo conto. Nunca se sabe. Se ocorreu mais de uma vez, não se pode descartar a possibilidade de que volte a ocorrer novamente.

Estou tratando aqui de sonho, sonho, ou seja, daquele que temos enquanto dormimos e não o do sentido metafórico que se dá a essa palavra: o de desejos intensos, que pareçam (ou de fato sejam) improváveis, quando não impossíveis. O ex-Beatle John Lennon fez a seguinte distinção entre ambos: “Um sonho que sonhes sozinho é apenas um sonho. Um sonho que sonhes em conjunto com outros é realidade”.  Se não for, pode se tornar, desde que ajamos para que se torne, caso valha a pena. Nem sempre vale. Todavia, encerro estas reflexões como as iniciei: A vida, muitas vezes, parece-me tão irreal, tão maluca, tão repleta de surpresas (boas e más) e apresenta tantos mistérios insondáveis, que fico, volta e meia, com a estranha impressão de que tudo isso se trate de mero sonho. E se for?


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