Thursday, April 21, 2016

Escândalo com aspecto de farsa


Pedro J. Bondaczuk


O atual caso de espionagem envolvendo Estados Unidos e União Soviética, está muito longe de ser um fato novo. Deve ter pelo menos dois anos. Na realidade, veio a público em dezembro passado e o Correio Popular noticiou, na oportunidade, as suspeitas que pesavam contra o sargento Clayton Lonetree, do corpo de fuzileiros navais, responsável pela guarda da missão diplomática norte-americana em Moscou e contra o cabo Arnold Tracy.

O que não se entende é a razão de ter sido outra vez trazido à baila agora, justamente às vésperas da viagem do secretário de Estado, George Shultz, à URSS, para discutir detalhes de um acordo desarmamentista que, se for de fato fechado, será o primeiro do gênero na Era Atômica.

Que as superpotências se espionam entre si, isto sempre foi público e notório. Essa atividade subterrânea, aliás, inspirou deliciosas novelas e trepidantes roteiros cinematográficos, cheios de truques e de malabarismos, da década de 40 para cá.

Em 1985, os Estados Unidos chegaram a lançar o mais sofisticado satélite-espião jamais construído, o “Sagint”, única e exclusivamente com essa finalidade, a de espionar o antagonista. O que irrita o crítico, não somente na sua condição de profissional, mas, sobretudo de cidadão, é o descaramento dos líderes mundiais em desejarem manipular, como se faz com marionetes, a opinião pública.

Antes da reunião de cúpula informal, que o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o líder soviético, Mikhail Gorbachev, realizaram em 11 e 12 de outubro passado, em Reykjavik, na Islândia, outro confronto semelhante a este ganhou, de chofre, as manchetes da imprensa internacional, passando para segundo plano aquele tão aguardado diálogo.

Sem esta ou mais aquela, um técnico soviético em energia nuclear, que assessorava a missão diplomática do seu país junto às Nações Unidas, teria sido “flagrado” em Nova York quando estaria tentando comprar, numa estação do metrô, documentos considerados confidenciais nos Estados Unidos.

Não tardou para que viesse o troco na mesma moeda. Mal Gennady Zakharov havia esquentado sua cela de prisão nos Estados Unidos, o correspondente da revista norte-americana “U. S. News and the World Report” na URSS, Nicholas Daniloff, era detido, com um enorme estardalhaço.

Ele teria tentado adquirir (por coincidência) igualmente papéis considerados secretos de um conhecido seu em Moscou. As duas armadilhas foram farsas das mais grosseiras que se possa imaginar e todo o mundo engoliu a pantomima. Tanto é que depois de muita conversa, lero-lero e agitação, os dois lados anu[iram, sem grandes dificuldades, na mútua libertação dos acusados.

O que espanta o observador é a “coincidência” desses escândalos de espionagem. Nessa questão atual das embaixadas a coisa chega a descambar para o ridículo, tanto de um quanto de outro lado. E o mais engraçAdo é que a farsa está sendo impingida direitinho à opinião pública.

Os russos, por exemplo, fizeram uma “mise-en-scéne” incrível, ontem, quando exibiram supostos aparelhos de escuta introduzidos pelos norte-americanos em sua embaixada de Washington, em sua missão de Nova York, em seu consulado de San Francisco e na residência de seus diplomatas.

Pode até ser verdade que prostitutas, a mando da KGB, tenham seduzido Lonetree, Tracy e outros fuzileiros mais, para que estes franqueassem a entrada de agentes russos na sede diplomática dos Estados Unidos em Moscou.

Não é inverossímil, por outro lado, que a CIA mantenha sob vigilância todos os funcionários russos em território norte-americano. Mas este “joguinho” os dois serviços secretos fazem o tempo todo. Por que agora, e justamente agora, por exemplo, Reagan tenta atiçar a opinião pública do seu país contra os soviéticos?

E qual a razão dos russos deixarem seus cidadãos “irados com tamanha perfídia capitalista”, neste momento de tamanha importância? Não seria mais simples suspender as negociações para a retirada dos mísseis de alcance médio da Europa, que é o principal objetivo dessa pantomima?

É nesse armamento de espíritos que reside o drama do mundo moderno. As superpotências podem, eventualmente, num raro momento de sensatez, até acabar com seus arsenais nucleares. Mas jamais um lado irá aceitar o outro exatamente como ele é.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 10 de abril de 1987).

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