O que é a peste negra,
foco do romance de Albert Camus?
Pedro
J. Bondaczuk
A epidemia de que
Albert Camus trata em seu romance “A peste” está definida no próprio título do
livro. Tratei, em texto anterior, de alguns aspectos da vida deste autor,
embora haja muito, ainda, a destacar, o que me proponho a fazer na sequência
desta série de comentários. Hoje, antes de comentar, especificamente, essa
obra, convém trazer à baila algumas informações (mesmo que elementares) a propósito dessa doença, que já dizimou uma
quantidade imensa de pessoas mundo afora, através dos tempos. Lembro aos que
não me conhecem que não sou biólogo, patologista e nem médico. Nem por isso, no
entanto, me é facultado abrir mão do espírito crítico ao tratar desse (como,
aliás, de qualquer outro assunto) e deixar de contestar o que é nítido absurdo,
mas que muita gente “embarca”, limitando-se a reproduzir o que leram a
propósito, sem nem ao menos tentar rebater coisas de que não se precisa ser
especialista para detectar equívocos. É preciso, sempre, sempre e sempre,
valer-se, um tantinho que seja, de pura lógica ao absorver qualquer informação.
A epidemia de que
Albert Camus trata em sua obra-prima é a de peste bubônica, também conhecida
como peste negra, Trata-se de uma patologia que afeta diretamente os pulmões,
ou seja, septicêmica (como diria um biólogo), infectocontagiosa, causada por
uma bactéria: a Yersinia pestis. Ela é transmitida prioritariamente ao homem
por uma pulga, que parasita o rato preto, um roedor selvagem, oriundo,
originalmente, da Ásia, mas que chegou à Europa e a outras partes do mundo em porões
de navios. Até aí, tudo bem. São informações elementaríssimas sobre as quais
não há o que discutir. Discutível é o que se diz da principal pandemia de peste
bubônica, que consta em praticamente todas as enciclopédias existentes. Diz-se
que no final da Idade Média “a doença dizimou um quarto, ou seja, 25% de toda a
população européia”!!! O que dá essa certeza ao primeiro indivíduo que passou
essa informação, replicada, insisto, por milhares, milhões ou sabe-se lá
quantas vezes através dos tempos?
Que a tal peste negra é
sumamente letal, se não for devidamente tratada, mesmo neste século XXI, com
tantos e miraculosos avanços da Medicina, é ponto pacífico. Imaginem, então,
como era naqueles tempos em que não se tinha sequer noção de sua origem e forma
de transmissão!!! As pessoas eram tão supersticiosas (e atrasadas) que
atribuíam a moléstia a castigos divinos. Não lhes passava, nem remotamente,
pela cabeça, que era causada por uma bactéria, que utilizava a pulga, que
parasitava ratos pretos, como veículo primário de transmissão. E era
contagiosa, passando de pessoa para pessoa. Mas o aspecto que contesto, por
carecer de um mínimo de lógica, é o, digamos, numérico. É a informação de que a
peste bubônica teria dizimado 25% da população européia! Como dar crédito a
esse tipo de afirmação se não se conhece até hoje (e é impossível de se
conhecer), mesmo que por aproximação, quantos eram os habitantes da Europa?
Raciocinemos. Se ainda
hoje, com todos os recursos tecnológicos de informação – celular, internet, jornais,
rádio, televisão etc. etc. etc. – ao nosso dispor, é complicado realizar censos
populacionais, o que dizer, então. do ano de 1347, tido e havido como o do auge
da tal pandemia? Não que eu considere tal percentual exagerado para mais. Pode
ser, até mesmo, exagerado para menos, por que não? Quem pode garantir que um
quarto dos europeus de então morreram? Com base no quê, se as comunicações,
dentro de uma mesma cidade, eram precaríssimas, dada a inexistência, por
exemplo, de meios de transporte que não fossem os de tração animal (privilégio
de poucos)? Se não havia estradas, jornais (que seriam inúteis, pois a quase
totalidade das pessoas era analfabeta), e nenhuma forma de transmissão de
notícias, a não ser o limitadíssimo boca a boca? O número de mortos, portanto,
pode ter sido muito menor, como, também, muitíssimo maior.
Em outro contexto, já
“embarquei” nesse “chute”, a título de informação, sem ter sequer desconfiado
do absurdo. Imaginem o cenário da pandemia em alguma grande cidade européia de
então. Imaginem pessoas morrendo por todas as partes, tantas que nem havia
tempo hábil de sepultar ninguém, até por falta de quem o fizesse. Será que
haveria alguém tão meticuloso e frio que se dispusesse a contabilizar as
vítimas? Duvido!! Quem não fugisse da cidade, tentando se livrar da mortal
peste, provavelmente lotaria as igrejas, rogando pela piedade divina. Outro
ponto interessante a considerar – e este não envolve nenhuma polêmica – é o que
se refere à nomenclatura da doença. Por exemplo, por que ela é conhecida como
“peste bubônica”? Pois saiba, paciente leitor, que é por causa dos “bubões”. E
o que vem a ser isso?
Bubões são aquelas
manchas negras, aquelas espécies de inchaços que aparecem nas axilas, virilhas
e pescoço dos infectados. Ou seja, que surgem nas áreas mais sensíveis do
organismo. Pelo mesmo motivo, a doença é conhecida como peste negra. Por causa
da cor dos bubões. Ao contrário do que muita gente pensa (provavelmente a
maioria), a peste bubônica não é uma doença do passado medieval. Existem
países, mas não na Europa, em que ela surge frequentemente. A Organização
Mundial de Saúde informa, por exemplo, que ocorrem, em média, de 1.000 a 3.000
casos anuais. A grande diferença é que, atualmente, a doença, mesmo continuando
a ser grave (letal, se não devidamente tratada), é controlável. E isso se deve
não apenas ao fato de se conhecer o mecanismo de sua disseminação,
possibilitando sua prevenção, mas porque existem medidas eficazes para
controlá-la. Além disso, a peste bubônica é curável, mediante a administração
de antibióticos, como a gentamicina e a estreptomicina, entre outros. É essa,
pois, a epidemia tratada (posto que metaforicamente) por Albert Camus, em seu
genial romance, que no livro grassa na cidade argelina de Oran.
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