Monday, April 18, 2016

O que é a peste negra, foco do romance de Albert Camus?

Pedro J. Bondaczuk

A epidemia de que Albert Camus trata em seu romance “A peste” está definida no próprio título do livro. Tratei, em texto anterior, de alguns aspectos da vida deste autor, embora haja muito, ainda, a destacar, o que me proponho a fazer na sequência desta série de comentários. Hoje, antes de comentar, especificamente, essa obra, convém trazer à baila algumas informações (mesmo que elementares)  a propósito dessa doença, que já dizimou uma quantidade imensa de pessoas mundo afora, através dos tempos. Lembro aos que não me conhecem que não sou biólogo, patologista e nem médico. Nem por isso, no entanto, me é facultado abrir mão do espírito crítico ao tratar desse (como, aliás, de qualquer outro assunto) e deixar de contestar o que é nítido absurdo, mas que muita gente “embarca”, limitando-se a reproduzir o que leram a propósito, sem nem ao menos tentar rebater coisas de que não se precisa ser especialista para detectar equívocos. É preciso, sempre, sempre e sempre, valer-se, um tantinho que seja, de pura lógica ao absorver qualquer informação.

A epidemia de que Albert Camus trata em sua obra-prima é a de peste bubônica, também conhecida como peste negra, Trata-se de uma patologia que afeta diretamente os pulmões, ou seja, septicêmica (como diria um biólogo), infectocontagiosa, causada por uma bactéria: a Yersinia pestis. Ela é transmitida prioritariamente ao homem por uma pulga, que parasita o rato preto, um roedor selvagem, oriundo, originalmente, da Ásia, mas que chegou à Europa e a outras partes do mundo em porões de navios. Até aí, tudo bem. São informações elementaríssimas sobre as quais não há o que discutir. Discutível é o que se diz da principal pandemia de peste bubônica, que consta em praticamente todas as enciclopédias existentes. Diz-se que no final da Idade Média “a doença dizimou um quarto, ou seja, 25% de toda a população européia”!!! O que dá essa certeza ao primeiro indivíduo que passou essa informação, replicada, insisto, por milhares, milhões ou sabe-se lá quantas vezes através dos tempos?

Que a tal peste negra é sumamente letal, se não for devidamente tratada, mesmo neste século XXI, com tantos e miraculosos avanços da Medicina, é ponto pacífico. Imaginem, então, como era naqueles tempos em que não se tinha sequer noção de sua origem e forma de transmissão!!! As pessoas eram tão supersticiosas (e atrasadas) que atribuíam a moléstia a castigos divinos. Não lhes passava, nem remotamente, pela cabeça, que era causada por uma bactéria, que utilizava a pulga, que parasitava ratos pretos, como veículo primário de transmissão. E era contagiosa, passando de pessoa para pessoa. Mas o aspecto que contesto, por carecer de um mínimo de lógica, é o, digamos, numérico. É a informação de que a peste bubônica teria dizimado 25% da população européia! Como dar crédito a esse tipo de afirmação se não se conhece até hoje (e é impossível de se conhecer), mesmo que por aproximação, quantos eram os habitantes da Europa?

Raciocinemos. Se ainda hoje, com todos os recursos tecnológicos de informação – celular, internet, jornais, rádio, televisão etc. etc. etc. – ao nosso dispor, é complicado realizar censos populacionais, o que dizer, então. do ano de 1347, tido e havido como o do auge da tal pandemia? Não que eu considere tal percentual exagerado para mais. Pode ser, até mesmo, exagerado para menos, por que não? Quem pode garantir que um quarto dos europeus de então morreram? Com base no quê, se as comunicações, dentro de uma mesma cidade, eram precaríssimas, dada a inexistência, por exemplo, de meios de transporte que não fossem os de tração animal (privilégio de poucos)? Se não havia estradas, jornais (que seriam inúteis, pois a quase totalidade das pessoas era analfabeta), e nenhuma forma de transmissão de notícias, a não ser o limitadíssimo boca a boca? O número de mortos, portanto, pode ter sido muito menor, como, também, muitíssimo maior.

Em outro contexto, já “embarquei” nesse “chute”, a título de informação, sem ter sequer desconfiado do absurdo. Imaginem o cenário da pandemia em alguma grande cidade européia de então. Imaginem pessoas morrendo por todas as partes, tantas que nem havia tempo hábil de sepultar ninguém, até por falta de quem o fizesse. Será que haveria alguém tão meticuloso e frio que se dispusesse a contabilizar as vítimas? Duvido!! Quem não fugisse da cidade, tentando se livrar da mortal peste, provavelmente lotaria as igrejas, rogando pela piedade divina. Outro ponto interessante a considerar – e este não envolve nenhuma polêmica – é o que se refere à nomenclatura da doença. Por exemplo, por que ela é conhecida como “peste bubônica”? Pois saiba, paciente leitor, que é por causa dos “bubões”. E o que vem a ser isso?

Bubões são aquelas manchas negras, aquelas espécies de inchaços que aparecem nas axilas, virilhas e pescoço dos infectados. Ou seja, que surgem nas áreas mais sensíveis do organismo. Pelo mesmo motivo, a doença é conhecida como peste negra. Por causa da cor dos bubões. Ao contrário do que muita gente pensa (provavelmente a maioria), a peste bubônica não é uma doença do passado medieval. Existem países, mas não na Europa, em que ela surge frequentemente. A Organização Mundial de Saúde informa, por exemplo, que ocorrem, em média, de 1.000 a 3.000 casos anuais. A grande diferença é que, atualmente, a doença, mesmo continuando a ser grave (letal, se não devidamente tratada), é controlável. E isso se deve não apenas ao fato de se conhecer o mecanismo de sua disseminação, possibilitando sua prevenção, mas porque existem medidas eficazes para controlá-la. Além disso, a peste bubônica é curável, mediante a administração de antibióticos, como a gentamicina e a estreptomicina, entre outros. É essa, pois, a epidemia tratada (posto que metaforicamente) por Albert Camus, em seu genial romance, que no livro grassa na cidade argelina de Oran.


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