EUA exigem fidelidade
Pedro J. Bondaczuk
O empenho norte-americano
pela preservação da América Central em sua esfera de influência tem uma
explicação lógica e razoável, do ponto de vista de estratégia mundial, embora o
que se conteste seja a maneira como os EUA agem para esse fim.
Observe-se
o seguinte detalhe: a maior parte do comércio marítimo mundial passa,
necessariamente, por 14 pontos principais de estrangulamento, sendo cinco mares
interiores, dois canais interoceânicos e sete passagens marítimas críticas.
Os
primeiros são, respectivamente: o mar do Sul da China, o Mediterrâneo, o do
Norte, o da Noruega e o do Caribe. Os canais são o Suez e o do Panamá. E,
finalmente, as passagens marítimas críticas são: o Estreito de Málaca, na Ásia;
o Sri Lanka; o chamado Chifre da África, na Somália; o Canal de Moçambique; o
Estreito de Gibraltar; o Estreito de Magalhães e a passagem pelo Cabo da Boa
Esperança.
Desses
pontos geográficos estratégicos no mundo, o que mais preocupação desperta, em
Washington, em virtude, principalmente, da contigüidade, é o Canal do Panamá. É
por ele que em tempos de paz os produtos norte-americanos da Costa Leste podem
ser embarcados, mais economicamente, para os mercados da Ásia. E é através do
canal que em período de guerra, a Armada dos EUA tem condições de promover a
junção das frotas do Atlântico com as do Pacífico.
Sem
o uso dessa importantíssima via de navegação, a passagem de um oceano para
outro, por parte de navios norte-americanos, apenas poderia se realizar
contornando-se o Cabo Horn, no extremo da América do Sul, acrescentando ao
trajeto incômodos e custosos 12,8 mil quilômetros de percurso. Ou seja, o
equivalente a quase dois meses de viagem. Pelo canal, o tempo gasto não passa
de 10 horas.
Uma
América Central hostil, portanto, aos EUA, torna esse país extremamente
vulnerável diante da URSS, cuja Marinha foi notavelmente reforçada nos últimos
anos. Não faz muito, o major soviético Sergei Yuvorov, escrevendo no jornal
“Estrela Vermelha”, das Forças Armadas, destacou essa importância com
cristalina clareza. Afirmou, textualmente: “A Zona do Canal (do Panamá) deve
ser considerada prioritária pelos soviéticos”.
Isso
explica o cuidado demonstrado pela Casa Branca em relação ao avanço das
esquerdas na América Central. Mas revela um trágico erro de estratégia. Ao
imporem caudilhos títeres, despreparados para o exercício do poder e que apenas
governam em proveito próprio, em vez de resolverem um delicado problema de
estratégia, criam, na verdade, dificuldades de diversas espécies para o futuro.
A
extrema miséria existente na região é campo fértil para aventureirismos
ideológicos e para incursões de quem combate o sistema de vida do Ocidente. Não
seria mais profícuo, e até mesmo mais sensato e justo, se em vez de se
transformar países centro-americanos em imensas fortalezas militares, se desse
ajuda econômica a essa gente, para que pudesse promover o próprio
desenvolvimento?
Não
seria mais inteligente se, em vez de assessores militares, fossem para a
América Central médicos, educadores e sanitaristas norte-americanos? Os EUA, se
agissem assim, obteriam duplo sucesso: manteriam o continente fidelíssimo à sua
ideologia (ninguém destrói um benfeitor) e reduziriam, senão extinguiriam, as
constrangedoras manchas de pobreza que se localizam ao próprio redor.
(Artigo
publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 17 de novembro de
1984).
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