Populista enfrenta a hora da
verdade
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente da Rússia, Bóris Yeltsin, eleito de forma consagradora para presidir
sua República em 12 de junho passado e cujo prestígio atingiu o ponto máximo há
um mês, quando corajosamente liderou a resistência ao golpe de Estado que
estava em andamento para derrubar Mikhail Gorbachev, parece ter entrado numa
curva descendente de popularidade.
Não
se sabe se o seu prestígio também desceu junto aos milhões de eleitores russos
que o tornaram o recordista de votos em seu país em três eleições sucessivas.
Todavia, entre os políticos de sua corrente, os chamados liberais, algumas de
suas atitudes, classificadas como autoritárias, vêm merecendo sucessivas
críticas.
Houve
até um deputado que colocou em dúvida sua súbita "doença" nesta
semana, dizendo que se tratou de um "mal estar diplomático" para
fugir ao questionamento do Parlamento da Rússia, em seu atual período de
sessões.
Recente
pesquisa de opinião revelou que o presidente Mikhail Gorbachev, pelo contrário,
está na curva ascendente em termos de prestígio. Saltou de 4% de aprovação, nos
primeiros dias do corrente mês, para 38% e em apenas uma semana. Estranhamente,
porém, desapareceu do noticiário. Mas também parou de receber críticas e de ser
o bode expiatório da crise que afeta seu país. Abriu mão de parte considerável
de seus poderes em favor dos líderes das Repúblicas, detendo, por conseqüência,
a escalada do desgaste de sua imagem internamente.
Em
contrapartida, algumas atitudes de Yeltsin, tomadas logo após sua participação
decisiva para frustrar a tentativa de golpe, causaram má impressão não apenas
na União Soviética, mas também no Exterior. O presidente russo não perdeu a
oportunidade para fazer uma infantil exibição de seus novos poderes, agindo, em
algumas questões, até mesmo com prepotência, chegando a humilhar publicamente o
seu rival, perante as câmeras de televisão.
Gorbachev,
no entanto, reagiu com diplomacia e admitiu sua parcela de culpa na
conspiração, por não ter escolhido colaboradores confiáveis. Yeltsin foi mais
longe. Passou a legislar por decreto. Não apenas no âmbito de sua República,
mas em termos nacionais.
São
exatamente estas medidas que o Parlamento russo agora está questionando. Os
deputados querem saber baseado no que o político populista se tornou o ditador
de normas na URSS. Afinal, os poderes presidenciais da Rússia ainda estão por
ser definidos. E a Constituição soviética ainda vigora.
Outra
acusação que está sendo levantada é a de "má administração", embora o
líder esteja efetivamente no cargo, recém criado inclusive, há 60 dias, já que
tomou posse em julho, alguns dias antes da reunião de cúpula de Moscou entre
Gorbachev e George Bush.
Em
dois meses, convenhamos, nem o maior dos gênios administrativos teria feito
alguma coisa, ainda mais no país caótico em que a União Soviética se tornou.
Verifica-se um visível vazio de poder. Ninguém sabe quem está mandando de fato.
Por
isso é que tantos líderes ocidentais têm viajado, nos últimos dias, para a
capital soviética, com o objetivo básico de descobrir quem será seu
interlocutor. Nem mesmo se sabe se a confederação irá continuar e com qual
estrutura federativa, depois que nove, das dez atuais Repúblicas remanescentes,
proclamaram sua independência.
Todavia,
esse rápido desgaste sofrido por Yeltsin, num espaço de tempo tão curto,
ilustra bem as dificuldades que ele irá enfrentar mais adiante e explica a
razão de Gorbachev haver sido cercado de tanta hostilidade por parte do seu
povo, até antes do golpe, mesmo tendo sido o homem que lhe concedeu a liberdade
que ele jamais gozou em sua milenar história.
O
presidente soviético, astutamente, ciente de que já cumpriu a missão reformista
a que se propôs, se colocou na sombra, nos bastidores dos acontecimentos, como
uma espécie de árbitro. Entregou o poder de fato aos líderes das Repúblicas,
que construíram suas imagens às custas de seus desgastes, e que agora
precisarão mostrar à população que de fato são competentes e não somente
dotados de fácil retórica.
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de setembro de
1991).
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