Paixão de Albert Camus
pelo futebol
Pedro
J. Bondaczuk
“O que finalmente eu
mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol”. Sabem quem
fez essa incisiva afirmação? Adianto-lhes que não foi Pelé (bem que poderia ter
sido). Também não foram Romário, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho e nem
Kaká. Nem Neymar, Messi, Maradona, Cristiano Ronaldo ou Lewandowski. Aliás, não
foi nenhum superastro do esporte das multidões. Foi uma ilustre personalidade,
sim, mas de área muito mais nobre do que um mero jogo de bola. Quem fez essa
confissão, citada “ad náusea” nos mais diversos contextos e meios de
comunicação, foi o Prêmio Nobel de Literatura de 1957 (mas apaixonado pelo
futebol), Albert Camus.
O leitor mais crítico
pode estar perguntando agora aos seus botões: “Uai, a proposta desse cara não
era a de tratar de epidemias na visão dos mais importantes autores de ficção?”.
Era! Aliás, não só era, como continua sendo. Mas esse ligeiro desvio de rota é
conseqüência de se tratar de figura tão fascinante, como o escritor e
jornalista argelino, mas que tinha cidadania francesa. Em casos como esse, é
inevitável: um assunto puxa outro, e mais outro, e outro ainda e, quando nos
damos conta, já estamos divagando e tratando de coisas muito diferentes da proposta
original. Claro que voltarei a tratar do romance “A peste” e da peça teatral
“Estado de sítio”, ambas obras literárias de inegável relevância desse ilustre
autor e no contexto desta série de comentários.
Antes, todavia, peço
licença para abrir dois relativamente longos parênteses para tratar de dois
aspectos da biografia de Albert Camus. Penso que o leitor não irá se
arrepender. Um deles é o que se refere à paixão desse consagrado escritor pelo
futebol. O outro, até certo ponto relacionado com o primeiro assunto, diz
respeito à viagem que ele fez, em 1949, ao Brasil, para um ciclo de palestras
que o levou, ainda, à Argentina, Uruguai e Chile. Bem que Albert Camus poderia
ter se tornado um craque dos gramados. Vontade, com certeza, não lhe faltou. E
muito menos habilidade. Dizem que era excelente goleiro. Chegou a integrar, com
destaque, a seleção de sua universidade na Argélia (que produziria, anos mais
tarde, entre outros, craques, gênios da bola, como Zinedine Zidane, que sequer
havia nascido quando o escritor morreu).
Por que Camus não
seguiu carreira? Pelo mesmo motivo que o impediu de lecionar: a tuberculose.
Contudo, ele nunca abriu mão desse sonho que não conseguiu concretizar e jamais
escondeu de quem quer que fosse sua paixão pelo futebol. Fico imaginando como Camus ficaria orgulhoso
se vivesse para testemunhar o título da Copa do Mundo conquistado pela França
em 1998. Claro que não pôde partilhar desse momento de glória esportiva. Essa
conquista ocorreu 38 anos após sua morte.
Em 17 ou 18 de junho de
1949 (não tenho certeza da data, pois na época eu só tinha seis anos de idade)
Albert Camus desembarcou no porto do Rio de Janeiro, como parte de um
intercâmbio cultural entre os governos da França e do Brasil. Ele viajou por
mar, a bordo do navio Campana, que havia partido de Marselha uma semana antes.
Apesar de contar com uma agenda de compromissos exagerada, capaz de levar à
exaustão até o Super-Homem, se tivesse que enfrentar maratona como a que
enfrentou, uma das primeiras coisas que pediu aos anfitriões foi para assistir
a uma partida de futebol.
Não consegui apurar
quando, qual e onde foi esse jogo, ou seja, em qual estádio. Deve ter sido em
São Januário, já que o Maracanã ainda estava em construção para sediar a Copa
do Mundo do ano seguinte, a de 1950. O Brasil ainda não tinha o prestígio
futebolístico que viria a adquirir alguns anos mais tarde. Afinal, suas
performances nos mundiais até então disputados (os do Uruguai, da França e da
Itália), haviam sido entre pífias e discretas. O que impressionou Camus não
foi, propriamente, a técnica dos jogadores brasileiros. Não foi nenhum clube ou
atleta. Foi a torcida. Ficou encantado com o amor dos nossos torcedores pelo
futebol.
Se viesse hoje ao País,
sua impressão, convenhamos, com toda a certeza, seria bem outra. Veria, por
exemplo, estádios vazios na maior parte dos jogos. Testemunharia a nefasta
atuação dessas verdadeiras pragas, dessas quadrilhas, que são as torcidas
organizadas, que levam terror onde quer que compareçam. E quanto à parte técnica...
Bocejaria nas arquibancadas. Veria jogos chatérrimos, com times lotados de
volantões brucutus e disputas que mais lembram combates de luta livre do que
aquele futebol que hoje é classificado de “romântico”, sem a magia e o talento
de outrora, inclusive da ocasião em que marcou presença em um estádio
brasileiro. E entenderia facilmente a razão da Seleção cinco vezes campeã do
mundo haver sido humilhada pela Alemanha, naquele vexatório 7 a 1 do Mineirão,
em uma semi-final de Copa do Mundo promovida e realizada no Brasil. Ou alguém
tem dúvida a respeito? Eu não!!!!
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