Secretário erra duplamente
Pedro J.
Bondaczuk
O chamado “Irangate”, o escândalo da venda secreta de
armas para o Irã e transferência dos lucros obtidos nessa operação para os
rebeldes anti-sandinistas da Nicarágua, cujas investigações mal estão se iniciando,
fez, ontem, a sua terceira vítima. E o atingido foi um dos funcionários da Casa
Branca que mais estão implicados na questão, o secretário da presidência,
Donald T. Regan.
Aliás, essa foi a demissão mais
esperada dos últimos tempos. Aguardava-se que ela acontecesse ainda no mês de
novembro do ano passado, simultaneamente à do assessor do Conselho de Segurança
Nacional, vice-almirante John Poindexter e de seu auxiliar direto, o
tenente-coronel Oliver North.
O presidente, no entanto, até por
um fator subjetivo, alheio aos assuntos da administração, recusou-se a fazer
isso naquela oportunidade. Afinal, ele é amigo de longa data de Reagan, que o
acompanhou desde a sua posse no governo, embora em outro cargo.
No primeiro mandato, foi o
secretário do Tesouro, um dos responsáveis por aquilo que muitos
norte-americanos denominam de ”Reaganomic”, ou seja, o “milagre econômico” do
atual mandatário e que os democratas classificam de mero engodo, de monumental
bomba de tempo, que um dia irá explodir, causando muitos estragos à economia
dos Estados Unidos.
Em sua segunda gestão, Ronald
Reagan quis ter esse seu auxiliar, de extrema confiança, a quem sempre esteve
ligado por laços fraternos, mais perto ainda de si. Nomeou-o para a Secretaria
da Presidência, uma espécie de chefia da Casa Civil.
Pois foi justamente neste posto
que este seu braço direito o complicou. Muita gente entende, e não sem uma
certa dose de razão, que Reagan foi desleal para com o seu chefe e amigo no
escândalo “Irangate”. Afinal, conforme se deduz, dos seus depoimentos nas
comissões investigadoras e pelo relatório do Comitê Tower, ele sabia de toda
essa transação imoral e ilegal e no entanto não a impediu.
Ele tinha a obrigação de fazer
isso, de impedir a manobra. E dupla, por sinal. Em primeiro lugar, como o homem
de confiança do presidente. Em segundo, e principalmente por este motivo, pelos
laços de amizade que o ligavam ao seu superior hierárquico.
Se Ronald Reagan sabia das duas
operações, ou seja, acerca da venda de armas para o Irã e da transferência “por
baixo do pano” dos fundos para os rebeldes nicaragüenses, cabia ao seu
secretário ponderar com ele o quanto este procedimento era perigoso e sobre as
conseqüências que ele poderia trazer caso fosse descoberto (como de fato foi).
Se o seu chefe não tinha
conhecimento delas, cabia a ele informar sobre o que estava acontecendo. Não
fez nem uma coisa e nem outra. E pior de tudo, induziu outras pessoas, que
acreditavam, de boa fé, que as transações era o melhor que se podia fazer no
momento pelo bem do país, a embarcarem nessa aventura. Uma delas foi o
ex-assessor de Segurança Nacional, Robert McFarlane, hoje caído em desgraça e
que chegou até a tentar o suicídio.
Aliás, em muitos círculos, nos
Estados Unidos, comentou-se que Regan teria sido o principal responsável pela
saída desse funcionário do CSN, em dezembro de 1985. Que ele seria um
prepotente, causando grande mal estar em toda a equipe presidencial. Se as
versões têm ou não procedência, é muito difícil de se saber.
Mas uma coisa é certa. Jamais um
secretário presidencial gozou de tantos poderes quanto ele. Além de privar da
confiança irrestrita do chefe, contava ainda com algo mais profundo, ou seja, a
sua amizade. Com a dele, ficou claro (principalmente pelo que o presidente
afirmou anteontem, ao receber o relatório do Comitê Tower), outras “cabeças
deverão rolar” na Casa Branca. Dependendo da evolução dos fatos, essa degola
poderá incluir até mesmo o outrora popularíssimo Ronald Reagan. Esse escândalo,
ao que tudo indica, ainda vai produzir muitos estragos.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio popular, em 28
de fevereiro de 1987).
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