Sunday, September 20, 2015

Secretário erra duplamente



Pedro J. Bondaczuk


O chamado “Irangate”, o escândalo da venda secreta de armas para o Irã e transferência dos lucros obtidos nessa operação para os rebeldes anti-sandinistas da Nicarágua, cujas investigações mal estão se iniciando, fez, ontem, a sua terceira vítima. E o atingido foi um dos funcionários da Casa Branca que mais estão implicados na questão, o secretário da presidência, Donald T. Regan.

Aliás, essa foi a demissão mais esperada dos últimos tempos. Aguardava-se que ela acontecesse ainda no mês de novembro do ano passado, simultaneamente à do assessor do Conselho de Segurança Nacional, vice-almirante John Poindexter e de seu auxiliar direto, o tenente-coronel Oliver North.

O presidente, no entanto, até por um fator subjetivo, alheio aos assuntos da administração, recusou-se a fazer isso naquela oportunidade. Afinal, ele é amigo de longa data de Reagan, que o acompanhou desde a sua posse no governo, embora em outro cargo.

No primeiro mandato, foi o secretário do Tesouro, um dos responsáveis por aquilo que muitos norte-americanos denominam de ”Reaganomic”, ou seja, o “milagre econômico” do atual mandatário e que os democratas classificam de mero engodo, de monumental bomba de tempo, que um dia irá explodir, causando muitos estragos à economia dos Estados Unidos.

Em sua segunda gestão, Ronald Reagan quis ter esse seu auxiliar, de extrema confiança, a quem sempre esteve ligado por laços fraternos, mais perto ainda de si. Nomeou-o para a Secretaria da Presidência, uma espécie de chefia da Casa Civil.

Pois foi justamente neste posto que este seu braço direito o complicou. Muita gente entende, e não sem uma certa dose de razão, que Reagan foi desleal para com o seu chefe e amigo no escândalo “Irangate”. Afinal, conforme se deduz, dos seus depoimentos nas comissões investigadoras e pelo relatório do Comitê Tower, ele sabia de toda essa transação imoral e ilegal e no entanto não a impediu.

Ele tinha a obrigação de fazer isso, de impedir a manobra. E dupla, por sinal. Em primeiro lugar, como o homem de confiança do presidente. Em segundo, e principalmente por este motivo, pelos laços de amizade que o ligavam ao seu superior hierárquico.

Se Ronald Reagan sabia das duas operações, ou seja, acerca da venda de armas para o Irã e da transferência “por baixo do pano” dos fundos para os rebeldes nicaragüenses, cabia ao seu secretário ponderar com ele o quanto este procedimento era perigoso e sobre as conseqüências que ele poderia trazer caso fosse descoberto (como de fato foi).

Se o seu chefe não tinha conhecimento delas, cabia a ele informar sobre o que estava acontecendo. Não fez nem uma coisa e nem outra. E pior de tudo, induziu outras pessoas, que acreditavam, de boa fé, que as transações era o melhor que se podia fazer no momento pelo bem do país, a embarcarem nessa aventura. Uma delas foi o ex-assessor de Segurança Nacional, Robert McFarlane, hoje caído em desgraça e que chegou até a tentar o suicídio.

Aliás, em muitos círculos, nos Estados Unidos, comentou-se que Regan teria sido o principal responsável pela saída desse funcionário do CSN, em dezembro de 1985. Que ele seria um prepotente, causando grande mal estar em toda a equipe presidencial. Se as versões têm ou não procedência, é muito difícil de se saber.

Mas uma coisa é certa. Jamais um secretário presidencial gozou de tantos poderes quanto ele. Além de privar da confiança irrestrita do chefe, contava ainda com algo mais profundo, ou seja, a sua amizade. Com a dele, ficou claro (principalmente pelo que o presidente afirmou anteontem, ao receber o relatório do Comitê Tower), outras “cabeças deverão rolar” na Casa Branca. Dependendo da evolução dos fatos, essa degola poderá incluir até mesmo o outrora popularíssimo Ronald Reagan. Esse escândalo, ao que tudo indica, ainda vai produzir muitos estragos.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio popular, em 28 de fevereiro de 1987).


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