Máfia
na mira
Pedro J. Bondaczuk
O juiz italiano, Giovanni Falcone, é possivelmente
um dos homens que corre o maior perigo hoje em dia no mundo. Até mais,
inclusive, do que muitos chefes de Estado de países que têm que conviver com o
terror. Ele é o magistrado que ousou desafiar o poder de uma das mais antigas e
bem estruturadas organizações criminosas mundiais, com ramificações em todos os
continentes e que explora toda a sorte de atividades ilegais, indo desde o jogo
à prostituição, passando pelo tráfico de entorpecentes, assassinatos sob
encomenda e fraudes no mercado financeiro. Trata-se da Máfia, que curiosamente
surgiu no século XIV, com uma finalidade nobre, na Sicília. Então ela lutava
por ideais de liberdade, pela independência daquela ilha italiana.
O juiz Falcone, nos últimos dois meses, causou mais
estragos à Máfia como jamais autoridade alguma fez, possivelmente desde a
década de 30, nos EUA, quando as autoridades de Chicago resolveram conter o
atrevimento da organização criminosa, após ela envolver-se em guerra com outros
grupos congêneres rivais norte-americanos. Ou até superou os resultados de
então. Com a deportação do mafioso Tommaso Buschetta para a Itália (a segunda
expulsão do nosso País que as autoridades brasileiras promovem do mesmo
contraventor desde 1973) e com a decisão de quebrar a "omertá", a
rígida lei do silêncio que sempre protegeu esses bandidos, o magistrado
conseguiu chegar aos "capi", aos que comandam, e não aos
testas-de-ferro, prendendo mais de uma centena de "cidadãos respeitáveis,
a salvo de qualquer suspeita".
Entretanto, Giovanni Falcone resolveu não se limitar
apenas ao território da Itália para golpear essa terrível organização
criminosa, que tanta desgraça e corrupção tem espalhado pelo mundo afora, por
quase seis séculos. Como um Dom Quixote dos tempos modernos, decidiu ferir
ainda mais a fundo a Máfia e passou a fornecer as preciosas e indispensáveis
informações que obteve providencialmente de Buschetta às polícias de todas as
partes do mundo onde os criminosos pudessem ser atingidos. Foi com esse
objetivo que iniciou pelo Brasil as investigações da atuação dos mafiosos na
América Latina, onde eles detêm um poderoso império. E agora passa a fechar o
seu cerco.
Apenas na Venezuela, país onde, sabidamente, o grupo
não é tão forte como no resto do continente, a Máfia possui investimentos
estimados em US$ 1 bilhão. Essa importância, só para dar uma idéia aproximada
ao leitor, equivale a um terço do Produto Nacional Bruto da Bolívia, ou quase a
metade do PNB uruguaio. E como é feito este "investimento"? Podem
estar certos que ele não é revertido em escolas, estradas e nem hospitais. E
muito menos em qualquer atividade que eleve e promova as pessoas. Antes, essa
considerável cifra tem sido, na realidade, usada para perverter, corromper,
assassinar, viciar e infelicitar milhões de indivíduos, através de prostíbulos
e pontos de venda de drogas e outras atividades, atingindo especialmente os
jovens.
Quixotesca ou não, portanto, a atividade do juiz
Giovanni Falcone merece o apoio e o respeito de todas as pessoas de bem. E o
seu sucesso, por menor que seja, servirá para evitar que um número elevado de
pessoas venha a cair nas garras desse flagelo da humanidade, chamado Máfia,
Cosa Nostra, Mão Negra, N'Draghetta ou seja lá qual denominação que se queira
dar a tais aves de rapina, que apenas prosperam se alimentando de sangue e de
podridão.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do
Correio Popular, em 5 de dezembro de 1984)
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