Nada como o sol
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “Nada como o
sol”, do escritor inglês Anthony Burgess (que também foi compositor e crítico
literário) propõe-se a resgatar, de forma romanceada, a supostamente turbulenta
vida amorosa de William Shakespeare. O título foi extraído de um pedaço de
verso do conhecidíssimo soneto em que o poeta declara que sua amada “não é
branca como a neve” e que seus olhos não são “nada como o sol”. A composição
foi dedicada à misteriosa e polêmica “Dark Lady”, cuja existência real muitos
põem em dúvida e outros tantos juram que existiu e que foi famosa prostituta
londrina. Saber, saber mesmo, no entanto, nunca ninguém soube. Tudo, a esse
propósito, assim como sobre praticamente metade ou mais da vida de Shakespeare,
não passa de um big conjunto de hipóteses, conjecturas e suposições.
O livro de Burgess é
chato. Não é daqueles que a gente quer ler de um único sopro, da primeira à
última página, ávido por chegar ao fim para conferir a conclusão do autor.
Longe disso. Burgess usa e abusa de citações, supostamente eruditas, que em vez
de esclarecerem qualquer coisa sobre o enredo que trata, apenas nos dá vontade
de abandonar a leitura e buscar algo melhor a se fazer. Não estranho, pois, que
esse escritor não seja lá muito popular no Brasil. E não é por falta de opções
para o leitor. Há catorze livros dele, em português, no mercado (mais
propriamente. em sebos) e apenas um único deles pode ser considerado sucesso. E
este não é “Nada como o sol”. É “Laranja mecânica”, best-seller em várias
partes do mundo, especialmente depois que foi adaptado para o cinema.
Temos, porém, que
reconhecer que Burgess teve como virtude a persistência (ou seria teimosia?).
Poucos escritores conseguem continuar tentando conquistar o coração e a mente
dos leitores como ele fez. Afinal, apenas conseguiu ser reconhecido após a
publicação do décimo oitavo livro! E foi, justamente, o “Laranja mecânica”. Não
afirmo que suas publicações anteriores se constituíram em fiasco. Contudo...
não caíram propriamente no gosto nem da crítica, e nem do público. Outros
tantos, no seu lugar, teriam desistido. Burgess, porém, persistiu e emplacou
seu perseguido best-seller, digamos, mundial.
Os principais críticos
ingleses identificam, no estilo desse persistente escritor, certa influência do
irlandês James Joyce. De fato, muita coisa que escreveu lembra, posto que
remotamente, o celebrado autor de “Ulysses”. Só não sei se isso conta pontos a
seu favor ou se pode ser apontado como defeito. Prefiro não julgar. John
Anthony Burgess Wilson nasceu em Manchester, em 25 de fevereiro de 1917. Morreu
em Londres em 22 de novembro de 1993. É lembrado pelo livro “Laranja mecânica”
e não pelo que me propus a comentar neste espaço (sobre a suposta vida amorosa
de Shakespeare): o polêmico e, para mim, inconsistente “Nada como o sol”.
Pudera! Ele não acrescenta absolutamente nada na biografia do bardo inglês. Não
esclarece coisa alguma. Apenas confunde.
A narrativa de Burgess
é dividida em duas partes bem demarcadas. Na primeira, trata da vida de
Shakespeare, desde a adolescência, em Stratford-Upon-Avon, até que o dramaturgo
completou 23 anos de idade. Ou seja, de 1582 a 1591. Na segunda, de 1592 a
1599, aborda sua trajetória em Londres, quando atuou como ator e escreveu suas
célebres peças. E por que contesto a veracidade da maior parte das suas
“informações” (na verdade, conjeturas)? Por ausência de documentação a
propósito. A grande frustração dos pesquisadores de Shakespeare é a completa
falta de referências confiáveis, documentais, de dois períodos de sua vida.
Somados, eles perfazem onze anos. É muita coisa, se levarmos em conta que ele viveu
52 anos. Essa época é conhecida como “os anos perdidos”. Abrange os períodos
entre 1578 e 1582 e 1585 e 1592.
Muita coisa, portanto,
se não a totalidade, das supostas aventuras amorosas de Shakespeare, relatadas
por Burgess é produto, exclusivamente, de pura imaginação. O autor admitiu que
muitas de suas conclusões (quanto?) tiveram como base a obra poética do bardo
inglês. Ora, ora, ora. Li, há algum tempo, que ele teria confidenciado que
escreveu seu livro por “gostar demais” do seu personagem. Teria acrescentado
que fez isso para “humanizar” Shakespeare e pôr fim à sua praticamente
“beatificação”. Ora, ora, ora. Para isso, retratou-o como tarado, dissoluto,
bissexual, amante traído e outros quetais?! E tudo isso sem provas?! Que o
bardo inglês não foi nenhum “santo” é óbvio. Ninguém é. Mas daí a lançar as
suspeitas que Burgess lançou sobre a reputação do dramaturgo é demais.
Shakespeare, se
estivesse vivo, e se lesse o livro, escrito por quem alegava “gostar dele”,
provavelmente diria o seguinte (que colocou na boca de um de seus tantos
personagens de uma de suas peças):
“Você diz que ama a
chuva, mas você abre seu guarda-chuva quando chove. Você diz que ama o sol, mas
você procura um ponto de sombra quando o sol brilha. Você diz que ama o vento,
mas você fecha as janelas quando o vento sopra. É por isso que eu tenho medo.
Você também diz que me ama”. Este trecho cabe ou não cabe a caráter neste caso?
Claro que sim!
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