Quando o Estado patrocina o
terror
Pedro J. Bondaczuk
O
ano de 1986, considerado pela Organização das Nações Unidas como o
"Internacional da Paz", começa com o Oriente Médio em estado de
efervescência. Tudo por causa dos ataques, quase que simultâneos, feitos por
terroristas palestinos, a instalações dos aeroportos de Roma e Viena, onde o
alvo evidente era a empresa israelense El Al. Israel promete retaliações e os
Estados Unidos deram, tacitamente, "sinal verde" para um ataque
preventivo à Líbia, tida e havida como um Estado que patrocina e incentiva o
terror.
Pouco
atentado é cometido neste vasto mundo, em especial na sempre tensa e confusa
região do Sul do Mediterrâneo, que não seja atribuído ao líder líbio, coronel
Muammar Khadafy. Assim foi, por exemplo, com a minagem do Golfo de Suez e Mar
Vermelho, em 1984. O mesmo aconteceu com a deposição do presidente sudanês,
Jafar Numeiry, em abril do ano passado. O seqüestro do avião da Egyptair,
desviado em fins de novembro (dia 24), para a Ilha de Malta, com a conseqüente
e desastrosa operação de resgate, de um comando egípcio, foi também atribuído
aos líbios. Finalmente, veio o caso da operação simultânea nos dois aeroportos
europeus.
Para
variar, as suspeitas gerais, especialmente de Israel, recaem novamente sobre o
irrequieto coronel, apresentado perante a opinião pública como um muçulmano
fanático, que crê que os meios sempre justificam os fins. E sua finalidade,
pelo que ficou implícito em todos estes anos em que ele freqüenta as manchetes
internacionais, seria a restauração da grandeza perdida dos povos islamitas,
através da "jihad", ou seja, de uma guerra santa.
Há
gente que jura que a Líbia está em vias de testar um artefato nuclear, que
estaria sendo desenvolvido num reator localizado nos arredores de Tripoli, onde
cientistas franceses estariam trabalhando há alguns anos neste projeto. O que
causa espécie é que um país, com população de apenas 3.356.000 de habitantes,
assuste a tanta gente poderosa.
Jamais
se disse, e nem se poderia dizer, que Khadafy seja um santo, ou que atue dentro
do melhor dos figurinos do direito internacional. Mas a autêntica psicose que
ele desperta em potências como os Estados Unidos, Grã-Bretanha e França chega a
criar, no observador, a suspeita de mera tentativa de vingança. Há evidente
exagero em torno das suas ações espetaculosas.
Afinal,
esse truculento coronel, que em 1979 abandonou a gestão dos negócios de Estado
para se dedicar à tarefa que ele chama de doutrinação, teve a ousadia de
nacionalizar um dia empresas estrangeiras que exploravam o petróleo líbio, sem
que houvesse grandes vantagens para o povo desse país nos tempos do Rei Idriss.
Khadafy nacionalizou diversas empresas, limitou as ações de norte-americanos,
britânicos, franceses e italianos na Líbia e transformou esse país desértico,
que possui apenas 6% de suas terras aráveis e que não tem sequer um único rio
permanente, num dos mais ricos, em termos proporcionais, do mundo. Hoje o
cidadão líbio dispõe de renda per capita anual superior a US$ 12 mil. Em compensação,
essa República islâmica é das mais bem armadas de tantas comunidades que se
conhece.
Apenas
em 1980, os seus gastos com armamentos ascenderam a US$ 800 milhões. Em 1975,
US$ 1 bilhão foram empregados na compra de mísseis, e modernos caças, somente
da União Soviética. Isso sem contar as esquadrilhas de Mirages adquiridas pouco
antes. Pode-se afirmar que a Líbia possui, proporcionalmente, uma das Forças
Armadas (de 73 mil homens nas três Armas) mais bem equipadas do Planeta.
Uma
eventual operação de represália contra esse país, portanto, como está sendo
cogitada, facilmente resultará em outra infeliz aventura militar, dispendiosa e
inconseqüente, como várias parecidas levadas a efeito, sem maiores resultados,
nos últimos anos. A simples possibilidade disso acontecer representa um risco
enorme de conflagrar, por muitos anos, todo o Oriente Médio, tido e havido como
um dos lugares mais violentos do mundo. Se isso ocorrer, o Ano Internacional da
Paz poderá se transformar, na verdade, no início de um longo e perigoso período
de guerra, capaz de varar o resto da década.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 3 de janeiro de
1986)
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