Personagem de uma “brasileira
de coração”
Pedro
J. Bondaczuk
A escritora Clarice
Lispector é uma das grandes expoentes da Literatura brasileira contemporânea.
Conseguiu conquistar, com seu talento e criatividade, o coração e a mente de um
número imenso de leitores. Li inúmeras e espontâneas manifestações de seus admiradores
nas redes sociais, muitas das quais expressando até veneração por ela. Mulher
tenaz, de inteligência muito acima da média (falava sete idiomas e traduziu
mais de 40 livros), Clarice destacou-se não somente nas letras, mas na vida:
por sua garra, tenacidade e espírito de luta, que a levaram a enfrentar, e a
superar, os vários percalços que encontrou em seu caminho. Foi uma vencedora.
Soube encarar as circunstâncias desfavoráveis e modificá-las a seu favor.
Admiro pessoas assim.
A esta altura, estou
convicto que algum espírito de porco, desses que ficam à espreita dos redatores
para detectarem o mínimo errinho que ele possa cometer, para ridicularizá-lo
deve estar comentando, com alguma pessoa ao lado, a meu respeito: “Esse cara só
escreve bobagem. Dessa vez, peguei-o. Será que não sabe que Clarice Lispector
não era brasileira?!” Pegou coisa
nenhuma! Deu-se mal ao julgar meu texto apenas pelas primeiras linhas. Ademais,
apesar da escritora haver nascido na cidade ucraniana de Chechelnik (em 10 de
dezembro de 1920), era brasileira, sim. Brasileiríssima! Afinal, veio para o
Brasil, com os pais, quando tinha somente dois anos de idade. Cresceu aqui.
Absorveu nossa cultura e retratou-a como poucos. Isso sem falar que se
naturalizou brasileira.
A esse propósito,
aliás, lembro-me de um poema de Mário de Andrade, “O poeta come amendoim”, em
que ele diz, em determinado trecho:
“(...)Brasil amado não
porque seja minha
Pátria,
Pátria é a casa de
migrações e do
Pão nosso onde Deus
der...
Brasil que eu amo porque
é ritmo do
Meu braço aventuroso
O gosto dos meus
descansos
O balanço das minhas
cantigas
Amores e danças.
Brasil que eu sou
porque é minha
Expressão muito
engraçada,
Porque é meu sentimento
Pachorrento,
Porque é meu jeito de
ganhar
Dinheiro...”.
E não é?! Mas meu tema
de hoje não é propriamente a biografia de Clarice Lispector, sobre a qual
pretendo tratar oportunamente. É sobre uma das personagens que ela criou: a
nordestina (alagoana) Macabea, protagonista feminina do romance “A hora da
estrela”, publicado em 26 de outubro 1977, o último livro que escreveu e
publicou. Ele foi escrito todo à mão, em diversas tiras de papel, a partir das
quais a escritora, com a providencial ajuda da sua secretária Olga Borelli,
compôs a versão final. Foi posto à venda pouco antes de Clarice ingressar no
hospital do INPS da Lagoa, no Rio de Janeiro, onde viria a falecer, em 9 de
dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos de idade;
Pois Macabea é a décima
primeira mulher citada na série “Catorze personagens femininas inesquecíveis”,
organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com).
É a escolha de Stephanie (Sté) Spengler, professora, escritora e graduada em
letras. Felicíssima indicação!! Nunca é demais lembrar, já que a leitura é
rotativa, que a pesquisa do site reúne catorze especialistas em Literatura que
têm que escolher apenas uma única personagem feminina que considere
inesquecível com a respectiva justificação. E Sté Spengler justificou assim sua
oportuna opção:
“Através de Macabéa,
podemos, assim como o narrador de A hora da estrela (Clarice Lispector, 1977),
liberar o grito de horror a essa vida que tanto amamos. Datilógrafa virgem,
vestia-se todos os dias de si mesma e representava, obediente, seu papel de
ser. Não era idiota, mas carregava em seu peito a felicidade dos idiotas. A
história dessa nordestina é uma pergunta. Com toda a sua ‘indiferença’ a si
mesma (apenas vivia, inspirando e expirando), Macabéa desperta o leitor para o
seu próprio eu. Afinal, a vida se resume a simplesmente existir (com uma pitada
de não saber que, de fato, se existe) ou a questionar o mundo, buscando uma
verdade explosiva e plena?”.
Para que o leitor, que
não teve ainda o privilégio de ler “A hora da estrela”, não fique na mão,
reproduzo a sinopse feita pela professora Cláudia Silveira, que encontrei em um
site voltado para vestibulandos:
“O romance narra as
desventuras de Macabéa, uma moça sonhadora e ingênua, recém-chegada do Nordeste
ao Rio de Janeiro, às voltas com valores e cultura diferentes. Macabéa leva uma
vida simples e sem grandes emoções. Começa a namorar Olímpico de Jesus, que não
vê nela chances de ascensão social de qualquer tipo. Assim sendo, abandona-a
para ficar com Glória (colega de trabalho de Macabéa), cujo pai era açougueiro,
o que sugeria ao ambicioso nordestino a possibilidade de melhora financeira”.
E conclui: “Sentindo
dores constantes, Macabéa vai ao médico e descobre que tem tuberculose, mas não
conta a ninguém. Glória percebe a tristeza da colega e a aconselha a buscar
consolo numa cartomante. Madame Carlota prevê um futuro feliz, que viria de um
estrangeiro que ela conheceria assim que ela saísse daquela casa, homem louro
com quem casaria. De certa forma, é o que acontece: ao sair da casa da
cartomante, Macabéa é atropelada por uma Mercedes amarela guiada por um homem
loiro e cai no asfalto onde morre”.
Poderia escrever,
ainda, muita, muitíssima coisa sobre o romance, sobre a autora e sobre este e
outros personagens, mas não farei. Pelo menos não hoje. Apenas destaco, para
não passar batida, a história de Rodrigo S. M., o narrador do enredo, e a
descrição do processo criativo (discurso metalinguístico) feito por este protagonista.
Ele e Macabéa, “não fazem parte do mesmo espaço periférico”, como enfatiza a
professora Cláudia Silveira. Ela, “por sua condição de retirante e aquele por
ser visto com maus olhos pela classe média e não conseguir alcançar pessoas
como Macabéa”. O livro foi adaptado para o cinema por Suzana Amaral, mas
prefiro a versão original dessa que foi, sem favor algum, uma das principais
escritoras (e brasileira sim, brasileiríssima!) da nossa Literatura de ficção.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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