Rosário de crises
Pedro J.
Bondaczuk
A renúncia do primeiro-ministro libanês, Rashid Karami,
provavelmente o político muçulmano mais sensato, com maior experiência e maior
moderação do país, veio agravar ainda mais o estado caótico do Líbano, ao cabo
de 12 anos de uma renitente guerra civil, cujo fim é impossível de se
vislumbrar.
À catastrófica situação política,
social, militar e econômica decorrente do conflito, veio acrescentar-se, agora,
um terrível impasse institucional. É impossível, pelo menos no momento, de se
prever quem possa aceitar formar um novo gabinete, com as mesmas
características do que agora acaba de ser desfeito. Ou seja, teoricamente, de
unidade nacional.
É verdade que o ministério chegou
a passar até sete meses sem realizar uma única reunião. Que o Parlamento,
quando consegue se reunir, o tem feito sob intensos bombardeios, com os
parlamentares mais preocupados (legitimamente) com a sua integridade pessoal,
do que com projetos e moções.
Ainda assim, bem ou mal, havia um
governo no país. Havia um sentido, embora mínimo, de autoridade. Existia um
arremedo de organização. Sem Karami, contudo, é muito questionável que alguém
consiga pelo menos isto.
Pela Constituição do Líbano, a
chefia do gabinete deve, necessariamente, ser entregue aos sunitas. No entanto,
políticos dessa seita tiveram o seu poder visivelmente minado nos últimos três
anos. Cederam terreno a uma outra facção muçulmana, esta bem mais radical (em
sua maior parte seguidora do líder religioso iraniano, aiatolá Ruhollah Khomeini),
os xiitas, que hoje são majoritários nessa heterogênea sociedade, mas sem
acesso proporcional aos cargos governamentais e à representatividade.
A indicação óbvia seria de alguém
do setor islâmico de Beirute, o Oeste, mas ali ninguém está disposto a encarar
essa missão impossível, que é conciliar tantos problemas inconciliáveis, ainda
mais contando com total ausência de recursos.
Se o presidente Amin Gemayel, um
cristão que está no fulcro desta crise, por ter tentado minar a reduzidíssima
parcela de espaço político que Karami possuía, entregar a um sunita da zona
cristã da cidade a incumbência de compor o novo governo, será o mesmo que não
escolher ninguém.
Certamente o indicado não obterá
o voto de confiança no Parlamento. Isso se as bombas e tiroteios ao menos
permitirem que o Legislativo possa se reunir. Esse clima de desorganização, de
completo caos, é totalmente impróprio à busca das urgentes soluções que essa
sociedade requer.
O que se pode esperar, doravante,
é um salve-se quem puder generalizado, em todos os planos e aspectos. É algo
muito triste de se acontecer a um país que já foi apontado como exemplo de
convivência entre grupos étnicos e religiosos diferentes e que há somente 12
anos era, disparadamente, o mais próspero do Oriente Médio. O que fizeram com o
Líbano!
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 5
de maio de 1987).
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