Tuesday, September 22, 2015

Rosário de crises


Pedro J. Bondaczuk


A renúncia do primeiro-ministro libanês, Rashid Karami, provavelmente o político muçulmano mais sensato, com maior experiência e maior moderação do país, veio agravar ainda mais o estado caótico do Líbano, ao cabo de 12 anos de uma renitente guerra civil, cujo fim é impossível de se vislumbrar.

À catastrófica situação política, social, militar e econômica decorrente do conflito, veio acrescentar-se, agora, um terrível impasse institucional. É impossível, pelo menos no momento, de se prever quem possa aceitar formar um novo gabinete, com as mesmas características do que agora acaba de ser desfeito. Ou seja, teoricamente, de unidade nacional.

É verdade que o ministério chegou a passar até sete meses sem realizar uma única reunião. Que o Parlamento, quando consegue se reunir, o tem feito sob intensos bombardeios, com os parlamentares mais preocupados (legitimamente) com a sua integridade pessoal, do que com projetos e moções.

Ainda assim, bem ou mal, havia um governo no país. Havia um sentido, embora mínimo, de autoridade. Existia um arremedo de organização. Sem Karami, contudo, é muito questionável que alguém consiga pelo menos isto.

Pela Constituição do Líbano, a chefia do gabinete deve, necessariamente, ser entregue aos sunitas. No entanto, políticos dessa seita tiveram o seu poder visivelmente minado nos últimos três anos. Cederam terreno a uma outra facção muçulmana, esta bem mais radical (em sua maior parte seguidora do líder religioso iraniano, aiatolá Ruhollah Khomeini), os xiitas, que hoje são majoritários nessa heterogênea sociedade, mas sem acesso proporcional aos cargos governamentais e à representatividade.

A indicação óbvia seria de alguém do setor islâmico de Beirute, o Oeste, mas ali ninguém está disposto a encarar essa missão impossível, que é conciliar tantos problemas inconciliáveis, ainda mais contando com total ausência de recursos.

Se o presidente Amin Gemayel, um cristão que está no fulcro desta crise, por ter tentado minar a reduzidíssima parcela de espaço político que Karami possuía, entregar a um sunita da zona cristã da cidade a incumbência de compor o novo governo, será o mesmo que não escolher ninguém.

Certamente o indicado não obterá o voto de confiança no Parlamento. Isso se as bombas e tiroteios ao menos permitirem que o Legislativo possa se reunir. Esse clima de desorganização, de completo caos, é totalmente impróprio à busca das urgentes soluções que essa sociedade requer.

O que se pode esperar, doravante, é um salve-se quem puder generalizado, em todos os planos e aspectos. É algo muito triste de se acontecer a um país que já foi apontado como exemplo de convivência entre grupos étnicos e religiosos diferentes e que há somente 12 anos era, disparadamente, o mais próspero do Oriente Médio. O que fizeram com o Líbano!

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 5 de maio de 1987).


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