Tuesday, September 15, 2015

Retrocesso da civilização


Pedro J. Bondaczuk


A corrida armamentista, ao contrário do que muitos pensam, não é, apenas, a busca desesperada das superpotências pela supremacia dos respectivos arsenais nucleares. E nem é um fenômeno restrito somente à União Soviética e aos Estados Unidos. Ou, quando muito, aos restantes países que integram o que se convencionou chamar de “Clube Atômico” (os detentores de bombas H operacionais): Grã-Bretanha, França e China.

Ela se dá mais ostensivamente em relação às armas ditas convencionais que, conforme foi assinalado num simpósio sobre armamentismo, que se realiza na Cidade do México, já mataram muito mais pessoas, após a Segunda Guerra Mundial, do que as bombas atômicas que arrasaram Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto de 1945.

Seu uso não se restringe, igualmente, a países. Organizações terroristas e até quadrilhas de marginais comuns, têm arsenais da fazer inveja a muita republiqueta africana, ou latino-americana. Essa disseminação só tem trazido, como doloroso resultado, brutal aumento da insegurança, especialmente nas grandes metrópoles e deflagrando, em conseqüência, vertiginosas ondas de violência.

Não é exagerada, portanto, a constatação dos legisladores do mundo todo, reunidos nesse encontro do México, quando afirmam que a humanidade está conhecendo “um retrocesso social” a uma época sem civilização.

Não é necessário que o cronista chegue a essa conclusão, ou que mencione especialistas da matéria, para uma constatação tão óbvia. O leitor, arguto e bem informado, através da leitura dos jornais diários ou do acompanhamento do noticiário por outros veículos de comunicação, tem, cotidianamente, diante dos olhos, um desfile interminável de aberrações e de absurdos, de tirar o sono de qualquer um.  

E nem precisa de tanto para conhecer a violência. Raros são aqueles que não tiveram, ainda, o dissabor de serem vítimas de assalto ou que não tenham algum parente que não haja passado por essa experiência amarga e traumatizante.

Alguns, mais alienados, acusam a imprensa de sensacionalismo, ao divulgar fatos tão desagradáveis. Esta, todavia, não faz mais do que cumprir sua árdua missão, de refletir, como poderoso espelho, diariamente, o lado pior do homem, como a falta de solidariedade, a cobiça e a insensibilidade, entre outros males.

Se numa edição diária, o jornal estampa cinco ou dez casos de atentados, ou de batalhas, ou de seqüestros, ou de homicídios, ou de qualquer outra atrocidade, o leitor pode estar certo de que esses casos são apenas ínfima amostragem de milhares de outras ocorrências do tipo, não reportadas por ocorrerem em países muito distantes e por falta de espaço dos editores para tantas notícias.

E não tenham dúvidas que a fabricação de instrumentos cada vez mais letais e precisos, destinados única e tão somente a matar pessoas, contribui grandemente para que o instinto “tânico”, de destruição, que todos trazemos latente em nós, se manifeste. Que os condicionamentos sociais e os freios morais, que inibem nossa agressividade natural, não sirvam mais para conter explosões de irracionalidade.

Ao mesmo tempo em que as pessoas precisam de um profundo “re-armamento espiritual”, no seu sentido mais amplo, que é o da valorização daquilo que as distingue dos outros animais, a razão, necessitam, também, promover um radical desarmamento. Cabe aos legisladores, e aos governantes, coibir a fabricação e venda dessas engenhocas, que só têm uma, e única serventia: extinguir vidas!

E, sobretudo, compete aos educadores (pais, escolas, igrejas, imprensa, etc.) desarmar os espíritos, mediante campanhas permanentes e bem conduzidas de conscientização, para que a espécie, se sobreviver a um possível holocausto nuclear, não venha a cair em uma barbárie maior do que a dos nossos primitivos ancestrais da caverna, que há dez milênios, tiveram a clarividência de deflagrar um processo civilizatório que hoje, de forma insensata e até inconsciente, tentamos reverter com os nossos atos.


(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 29 de maio de 1985)

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