Lucrativa reverência de
uma cidade a seu filho ilustre
Pedro
J. Bondaczuk
A cidadezinha inglesa
de Stratford-upon-Avon é, hoje, mundialmente conhecida por ser o lugar de
nascimento (e de morte) de um gênio das letras e da arte dramática: William
Shakespeare. Nem sempre foi assim. Ela teve certa importância mais de oito
séculos antes do nascimento de seu filho mais ilustre – foi fundada por volta
de 700 depois de Cristo, enquanto o genial bardo nasceu somente em 1564 – e
sobreviveu razoavelmente bem nos últimos quase 400 anos após sua morte,
“esquecendo-o” na maior parte desse tempo. Todavia, alguém (não se sabe quem e
nem quando) teve a inteligência de resgatar sua memória. E hoje essa ilustre
figura é sua principal fonte de renda e de prestígio.
A cidade, atualmente,
está vinculada ao teatro (e nem poderia ser diferente) e ao turismo. Recebe
cerca de três milhões de visitantes ao ano, procedentes de todo o mundo, que
gastam quantias exorbitantes de dinheiro, alimentando seu comércio e gerando
muitos recursos em termos de impostos para a municipalidade. E o que os
turistas vão ver lá? Suas belezas naturais? Ora, ora, ora, obviamente não! Seus
monumentos históricos? Até poderiam, mas não é isso o que os atrai. Essa
multidão de pessoas, dos quatro cantos do mundo, aflui, anualmente, a
Stratford-upon-Avon exclusivamente por causa de Shakespeare, cujos restos
mortais estão sepultados ali há quase 400 anos, na igreja da Santíssima
Trindade, onde o bardo foi batizado, conforme comprovam documentos (nos dois
casos).
Os visitantes querem
ver as casas ligadas à vida do autor de “Romeu e Julieta”. Tanto aquela em que
ele nasceu, quanto a em que deu adeus ao mundo, ambas devidamente restauradas e
preservadas. Pudera! Eu, se tivesse recursos financeiros para tal, também
gostaria de visitá-las. Tudo o que se refira à vida do ilustre cidadão de
Stratford-Upon-Avon, que pôde ser resgatado e preservado, é, hoje, objeto de
interesse e da curiosidade de turistas e de pesquisadores de todas as partes do
mundo. Sabe-se que Shakespeare adquiriu várias propriedades em sua terra natal,
quando regressou a ela, e que as deixou como herança à sua filha mais velha,
Suzanna. Desconhece-se, porém, a razão de não ter deixado nada para a mais
nova. Deve ter tido lá seus motivos. Mas quais?
Surpreende o fato de
uma cidade de mais de 1.300 anos não haver se desenvolvido, como a quase
vizinha Birmingham, por exemplo – que é a segunda mais populosa da Inglaterra –
se desenvolveu. Passados tantos séculos, mais de um milênio,
Strattford-upon-Avon conta com população incipiente, que não chega sequer a 25
mil habitantes, de acordo com estimativas atuais. Já foi muito mais habitada no
passado, posto que não tão recente. É certo que em várias ocasiões correu o
risco de ser até mesmo riscada do mapa, em decorrência de fulminantes e
devastadoras epidemias, de cólera, de febre tifóide e de outras tantas doenças.
Inclusive suspeita-se que seu filho mais ilustre foi vitimado por uma delas,
embora não se tenha certeza se o foi e por qual.
Por pouco, muito pouco
a cidade ficou privada do túmulo de Shakespeare, um dos pontos turísticos que
mais atraem multidões e provê a cidadezinha, quase aldeia, quase vila, de
tantos e indispensáveis recursos. Explico. Havia um costume, na época da morte
do bardo inglês de se esvaziar as sepulturas mais antigas, para abrir espaço de
sepultamento aos mortos mais recentes. Os parentes do dramaturgo, porém,
prevendo que isso pudesse ocorrer com ele, fizeram inscrever na lápide sobre
sua sepultura o seguinte epitáfio, que soava como uma espécie de praga, ou de
maldição:
“Bom
amigo, por Jesus, abstém-te
de
profanar o corpo aqui enterrado.
Bendito
seja o homem que respeite estas pedras,
e
maldito o que remover meus ossos”.
Não se sabe se por
causa disso ou se por mera coincidência o túmulo de Shakespeare não foi tocado,
mesmo no longuíssimo período em que ele foi completamente esquecido pelo mundo
e por seus concidadãos. Graças a isso, Stratford-upon-Avon fatura tão alto,
anualmente, com o turismo. A sepultura do dramaturgo, na milenar igreja da
Santíssima Trindade, é, reitero, um dos locais mais visitados dessa bucólica
cidade inglesa, famosíssima no mundo todo, a despeito de sua pequenez. Seu
túmulo é identificado por uma estátua dele, que parece até estar viva de tão
perfeita, cujo escultor ninguém identificou, junto à qual, há muito tempo, se
estabeleceu uma espécie de tradição. A cada ano, na data da morte de
Shakespeare (que a maioria considera, também, como sendo, coincidentemente, a
de seu nascimento, 23 de abril) é colocada uma nova pena de ave na mão direita
da escultura. Esse objeto, recorde-se, era a “caneta” da época.
Que bom seria se todas
as cidades do mundo, não importa seu tamanho ou sua população, fizessem como
Stratford-Upon-Avon faz com seu filho mais ilustre, e reverenciassem a memória
de suas personalidades locais que merecessem ser reverenciadas. E mais, se
investissem pesado em marketing, para atrair as atenções gerais para tal
reverência. Certamente não se trataria de despesa, como muitos poderiam
argumentar, mas de inteligente investimento, com alta probabilidade de
compensador retorno financeiro, ditado pela atração turística. Baltimore, no
Estado de Maryland, nos Estados Unidos, faz isso em relação a Edgar Alan Poe.
Taubaté também, embora sem tanta divulgação, com a memória de Monteiro Lobato.
Mas... deixa pra lá!!!
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