Dúvidas, lacunas e
interrogações
Pedro
J. Bondaczuk
A verdadeira biografia
de William Shakespeare, a definitiva, a que é, ou que venha a ser aceita
consensualmente, sem nenhuma contestação, nunca foi escrita e jamais o será.
Por que afirmo isso com tamanha convicção? Pela escassez, quando não ausência,
de documentos e de referências minimamente confiáveis a seu respeito. Na
escassíssima e esparsa documentação que há, sequer a grafia do seu nome e
sobrenome é uniforme. Ora se refere a ele como “William Shakspere”, ora como
“William Shaksper”, ora, ainda, como “Willm Shake-speare”. Há documentos com
três outras versões: “Willm Shakp”, “Wm Shakspe” e com a forma conhecida por nós, “William
Shakespeare”. Supõe-se que se trate da mesma pessoa. Seria irônico se não
fosse. Porém, convenhamos, não se pode descartar essa possibilidade, mesmo que
remota.
A explicação para essa
diversidade de grafia (plausível, por sinal), é que na época em que a Rainha
Elizabeth I reinava na Inglaterra, a ortografia da língua inglesa não era fixa
e nem definitiva. Ela veio a se uniformizar, apenas, muitos anos depois. É
preciso levar em conta que Shakespeare viveu há mais de 450 anos. É muito tempo
na vida de um país. Muita água rolou por baixo da ponte nestes quatro séculos e
meio. Biografias do dramaturgo há em profusão, qualquer coisa que ascende aos
milhares. Todavia, cada biógrafo preencheu os muitos hiatos existentes entre os
anos documentados e os que não têm a mais remota documentação de acordo com o
que a fantasia lhe ditou. A maior parte do que se escreveu sobre ele, portanto,
não passa de um conjunto de conjecturas, de chutes, de suposições, algumas
verossímeis e outras tantas raiando o absurdo.
O que se sabe, com
certeza, é que Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon e que retornou à terra
natal para morrer. Mas como saiu dali para desenvolver carreira teatral em
Londres? Quando isso ocorreu? Por que regressou à cidadezinha de seu nascimento
(que ainda hoje, em pleno século XXI, tem população estimada em ínfimos 23 mil
habitantes e é uma espécie de subúrbio de Birmingham, a segunda metrópole mais
populosa da Inglaterra)? Como e quando começou a carreira no teatro,
inicialmente como ator (provavelmente como figurante) e posteriormente como
autor de peças? Destaque-se que essa duplicidade de funções não era nada comum
no seu tempo (e nem mesmo é hoje). Quem escrevia peças limitava-se a
escrevê-las. E quem as representava, era apenas ator. Até nisso Shakespeare
inovou.
Uma possibilidade de
como o então sonhador adolescente deixou sua cidadezinha natal, praticamente
uma aldeia ou um vilarejo, para se aventurar em Londres, que já era uma das
grandes metrópoles européias, é a dele haver sido recrutado por alguma
companhia itinerante que passara por onde morava. Deduz-se, por exclusão, que
isso teria ocorrido em meados da década de 1580. Para isso, teria que contar
com um mínimo de conhecimento de arte dramática. Como o obteve e quem foi seu
mentor? Sobre isso há imenso ponto de interrogação. Um de seus biógrafos mais
acatados, o britânico Peter Ackroyd, cita, em seu livro “Shakespeare: the
biography”, que entre os anos de 1583 e 1586, Stratford-upon-Avon foi visitada
por nada menos do que oito grupos teatrais. Entre eles estavam o “Lord
Strange’s Men” e o “The Queen’s Men”. Ambos, porém, são apontados como os
primeiros a receber Shakespeare. A lógica diz que um deles não recebeu. Mas
qual? Outra enorme interrogação.
De sua atuação em
Londres, sabe-se uma quantidade considerável de fatos. Por exemplo, quando os
teatros foram reabertos na cidade, em junho de 1594, Shakespeare atuava como um
dos diretores do grupo teatral “Lord Chamberlain’s Men”, que mudaria seu nome
quatro anos depois, em 1603 para “King’s Men”, em homenagem ao rei James I,
grande entusiasta da arte dramática, que havia sido coroado na ocasião. Essas
casas de espetáculo haviam sido fechadas em 1592, por causa de uma epidemia de
peste que assolava a Inglaterra (e por conseqüência, Londres também). Como se
vê, o bardo inglês não se limitou à atuação como ator e nem à função de autor
de peças teatrais. Foi, também, diretor e, a partir de 1599, sócio no então
recém-construído “Globe Theatre”.
Outra grande
interrogação a seu respeito (talvez a maior de todas) é: por que ele retornou à
sua minúscula cidadezinha depois de fazer sucesso, e em várias funções, e de
ganhar um bom dinheiro, em Londres? Quando ocorreu esse regresso definitivo?
Que ele contava com excelente situação financeira creio ser incontestável, se
levarmos em conta que, em 1597, adquiriu uma das maiores, mais luxuosas e mais
caras residências de Stratford-upon-Avon, próxima à capela e à escola que
frequentara quando criança, conforme provam escrituras que existem até hoje,
entre os raros documentos de sua vida,.
Antes de voltar para
valer, Shakespeare deve ter visitado a cidadezinha natal inúmeras vezes. Mesmo sem
provas disso, é o que a lógica indica. Afinal, quando foi para Londres, não
levou consigo nem a mulher e nem as filhas. Por pior marido e pai que fosse
(embora duvido que tenha sido) não se concebe que tenha passado décadas sem ver
a família que, aliás, conforme consta, vivia com conforto e segurança nessa
localidade do interior da Inglaterra.
Consta que os elefantes
têm tão boa memória que, quando livres na natureza, ao pressentirem a morte
próxima, por mais distantes que estejam, retornam ao local em que nasceram para
morrer. Ainda que mal compare, será foi o que aconteceu com Shakespeare? Isso,
como tudo o mais que se refere á sua vida, está cercado de indevassável
mistério. Quando ele retornou? Por que? Do que morreu? Só há perguntas, muitas
perguntas, recorrentes e intermináveis, com uma série de versões como
respostas, sem que nenhuma seja comprovável e nem comprovada.
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