Thursday, September 10, 2015

Dúvidas, lacunas e interrogações


Pedro J. Bondaczuk

A verdadeira biografia de William Shakespeare, a definitiva, a que é, ou que venha a ser aceita consensualmente, sem nenhuma contestação, nunca foi escrita e jamais o será. Por que afirmo isso com tamanha convicção? Pela escassez, quando não ausência, de documentos e de referências minimamente confiáveis a seu respeito. Na escassíssima e esparsa documentação que há, sequer a grafia do seu nome e sobrenome é uniforme. Ora se refere a ele como “William Shakspere”, ora como “William Shaksper”, ora, ainda, como “Willm Shake-speare”. Há documentos com três outras versões: “Willm Shakp”, “Wm Shakspe” e  com a forma conhecida por nós, “William Shakespeare”. Supõe-se que se trate da mesma pessoa. Seria irônico se não fosse. Porém, convenhamos, não se pode descartar essa possibilidade, mesmo que remota.

A explicação para essa diversidade de grafia (plausível, por sinal), é que na época em que a Rainha Elizabeth I reinava na Inglaterra, a ortografia da língua inglesa não era fixa e nem definitiva. Ela veio a se uniformizar, apenas, muitos anos depois. É preciso levar em conta que Shakespeare viveu há mais de 450 anos. É muito tempo na vida de um país. Muita água rolou por baixo da ponte nestes quatro séculos e meio. Biografias do dramaturgo há em profusão, qualquer coisa que ascende aos milhares. Todavia, cada biógrafo preencheu os muitos hiatos existentes entre os anos documentados e os que não têm a mais remota documentação de acordo com o que a fantasia lhe ditou. A maior parte do que se escreveu sobre ele, portanto, não passa de um conjunto de conjecturas, de chutes, de suposições, algumas verossímeis e outras tantas raiando o absurdo.

O que se sabe, com certeza, é que Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon e que retornou à terra natal para morrer. Mas como saiu dali para desenvolver carreira teatral em Londres? Quando isso ocorreu? Por que regressou à cidadezinha de seu nascimento (que ainda hoje, em pleno século XXI, tem população estimada em ínfimos 23 mil habitantes e é uma espécie de subúrbio de Birmingham, a segunda metrópole mais populosa da Inglaterra)? Como e quando começou a carreira no teatro, inicialmente como ator (provavelmente como figurante) e posteriormente como autor de peças? Destaque-se que essa duplicidade de funções não era nada comum no seu tempo (e nem mesmo é hoje). Quem escrevia peças limitava-se a escrevê-las. E quem as representava, era apenas ator. Até nisso Shakespeare inovou.

Uma possibilidade de como o então sonhador adolescente deixou sua cidadezinha natal, praticamente uma aldeia ou um vilarejo, para se aventurar em Londres, que já era uma das grandes metrópoles européias, é a dele haver sido recrutado por alguma companhia itinerante que passara por onde morava. Deduz-se, por exclusão, que isso teria ocorrido em meados da década de 1580. Para isso, teria que contar com um mínimo de conhecimento de arte dramática. Como o obteve e quem foi seu mentor? Sobre isso há imenso ponto de interrogação. Um de seus biógrafos mais acatados, o britânico Peter Ackroyd, cita, em seu livro “Shakespeare: the biography”, que entre os anos de 1583 e 1586, Stratford-upon-Avon foi visitada por nada menos do que oito grupos teatrais. Entre eles estavam o “Lord Strange’s Men” e o “The Queen’s Men”. Ambos, porém, são apontados como os primeiros a receber Shakespeare. A lógica diz que um deles não recebeu. Mas qual? Outra enorme interrogação.

De sua atuação em Londres, sabe-se uma quantidade considerável de fatos. Por exemplo, quando os teatros foram reabertos na cidade, em junho de 1594, Shakespeare atuava como um dos diretores do grupo teatral “Lord Chamberlain’s Men”, que mudaria seu nome quatro anos depois, em 1603 para “King’s Men”, em homenagem ao rei James I, grande entusiasta da arte dramática, que havia sido coroado na ocasião. Essas casas de espetáculo haviam sido fechadas em 1592, por causa de uma epidemia de peste que assolava a Inglaterra (e por conseqüência, Londres também). Como se vê, o bardo inglês não se limitou à atuação como ator e nem à função de autor de peças teatrais. Foi, também, diretor e, a partir de 1599, sócio no então recém-construído “Globe Theatre”.

Outra grande interrogação a seu respeito (talvez a maior de todas) é: por que ele retornou à sua minúscula cidadezinha depois de fazer sucesso, e em várias funções, e de ganhar um bom dinheiro, em Londres? Quando ocorreu esse regresso definitivo? Que ele contava com excelente situação financeira creio ser incontestável, se levarmos em conta que, em 1597, adquiriu uma das maiores, mais luxuosas e mais caras residências de Stratford-upon-Avon, próxima à capela e à escola que frequentara quando criança, conforme provam escrituras que existem até hoje, entre os raros documentos de sua vida,.

Antes de voltar para valer, Shakespeare deve ter visitado a cidadezinha natal inúmeras vezes. Mesmo sem provas disso, é o que a lógica indica. Afinal, quando foi para Londres, não levou consigo nem a mulher e nem as filhas. Por pior marido e pai que fosse (embora duvido que tenha sido) não se concebe que tenha passado décadas sem ver a família que, aliás, conforme consta, vivia com conforto e segurança nessa localidade do interior da Inglaterra.

Consta que os elefantes têm tão boa memória que, quando livres na natureza, ao pressentirem a morte próxima, por mais distantes que estejam, retornam ao local em que nasceram para morrer. Ainda que mal compare, será foi o que aconteceu com Shakespeare? Isso, como tudo o mais que se refere á sua vida, está cercado de indevassável mistério. Quando ele retornou? Por que? Do que morreu? Só há perguntas, muitas perguntas, recorrentes e intermináveis, com uma série de versões como respostas, sem que nenhuma seja comprovável e nem comprovada.


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