Personagem feminina que
beira a unanimidade
Pedro
J. Bondaczuk
A oitava mulher citada
na série “Catorze personagens femininas inesquecíveis”, organizada pelo site
“Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com)
é a mais óbvia e conhecida possível. Só não seria a escolhida por nenhum dos
consultados – e não só neste, mas em qualquer levantamento desse tipo – por
algum momentâneo esquecimento, por um lapso de memória desses que nos acometem,
uma vez ou outra, quando menos esperamos, dos participantes. Ou então (o que
acho mais provável) por cada um (perdoem o cacófato) achar que qualquer outro,
dos demais treze convidados, com certeza, votaria nela. E... bingo! Alguém, de fato, votou! Nem poderia ser
diferente. O leitor perspicaz já percebeu, certamente, quem é essa personagem
que reúne em torno de si a unanimidade, ou quase. Sim, é ela mesmo; É a Maria
Capitolina Santiago, mais conhecida como Capitu, protagonista feminina do
clássico de Machado de Assis, “Dom Casmurro”.
Quem a mencionou foi a
estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a
carioca Sofia Alves. Volto a lembrar que a pesquisa do site, objeto da série de
comentários que venho fazendo há já alguns dias, reúne catorze especialistas,
ou apaixonados por Literatura, que têm que escolher apenas uma única personagem
feminina que considere inesquecível, com a devida justificativa. Reitero minha
convicção que, se não fosse essa restrição, “todos” os participantes, sem
nenhuma exceção, elegeriam Capitu como a protagonista de ficção impossível de
se esquecer. Fiz, de novo – já a havia feito quando tratei da vida e da obra de
Machado de Assis – consulta, com duas dezenas de amigos, a esse respeito.
Perguntei-lhes quem eles achavam que era a personagem inesquecível da
literatura mundial, sem restringir, ou seja, sem especificar o sexo. O
resultado sequer me surpreendeu. Foi, rigorosamente, o que eu esperava. Todos,
absolutamente todos, citaram de imediato, sem vacilar, Capitu.
Destaco que nem todos
que consultei são leitores assíduos. Muitos sequer leram algum livro de Machado
de Assis, e muito menos “Dom Casmurro”, claro. Todavia, ninguém sequer insinuou
outra personagem, que não a mulher “de olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, em
torno da qual permanece, há mais de um século, a dúvida se traiu ou não traiu o
marido, o senhor Bento Santiago, conhecido na intimidade como Bentinho. Ou,
vulgo, “Dom Casmurro”. Creio ser redundante a apresentação do referido romance,
de seu autor e dos personagens que criou, sobretudo dessa figura maiúscula, “de
olhos de ressaca”, pela qual multidões de várias gerações se apaixonaram.
Sofia Alves justificou
assim sua escolha, que é a de nove em cada dez brasileiros, sem nenhum exagero:
“Maria Capitolina Santiago, mais conhecida como Capitu, é a personagem feminina
que dá o tom ao clássico Dom Casmurro, escrito por Machado de Assis. Nele
encontramos a envolvente e dependente história de amor entre a grande mulher e
Bentinho, que se conhecem desde a infância e, com o passar do tempo, descobrem
o mundo e a si mesmos em uma relação de constante desconfiança e
possessividade. A notabilidade de Capitu, enquanto mulher, é observada desde
muito cedo na narração, o que mostra quão avassaladora a personagem esculpida
por Machado é”.
E a estudante carioca
prossegue: “Seus olhos de ressaca, que afogaram Escobar e Bentinho, são marca
na história da Literatura e fazem uma perfeita metáfora com seu ser: basta
imergir-se naquele mar esverdeado por muito tempo para se esquecer de si, até
tornar-se inconsciente, e nada mais ser. Moderna para uma figura surgida em
1899, Machado personificou em Capitu valores absurdos à época, tais como o
adultério e a exploração da sensualidade feminina”. Achei oportuníssimo o fato
de Maria Capitolina Santiago ser a escolha de uma estudante, e não de algum
escritor, jornalista, crítico literário ou sociólogo participantes da pesquisa.
Por que? Por uma razão
simples. Porque muitos estudantes pegaram “birra” de Machado de Assis, por
terem sido “obrigados” por seus professores a lerem seus livros em aulas de
português. Tudo o que é forçado, não raro, produz esse efeito, mesmo que a
obrigatoriedade seja de algo tendente a dar prazer, no caso, o estético, e de
enriquecer nossa cultura. O leitor duvida que haja pessoas que detestam o Bruxo
do Cosme Velho por essa razão? Pois não deveria. Conheço vários e vários
ex-estudantes que agem assim. Claro que não têm noção do que estão perdendo. Só
que, na consulta informal que fiz, consultei alguns desses refratários á obra
machadiana. E mesmo estes citaram Capitu como personagem feminina inesquecível
na literatura mundial. Espero tê-los convencido a reverem sua posição de
ojeriza pelo nosso maior escritor e tê-los induzido a ler seus tantos livros,
mas não mais por “obrigação”, mas para que façam, por si sós, preciosas
descobertas pessoais da genialidade literária e da beleza de relatos bem
escritos.
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