Monday, September 21, 2015

Personagem feminina que beira a unanimidade

Pedro J. Bondaczuk

A oitava mulher citada na série “Catorze personagens femininas inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com) é a mais óbvia e conhecida possível. Só não seria a escolhida por nenhum dos consultados – e não só neste, mas em qualquer levantamento desse tipo – por algum momentâneo esquecimento, por um lapso de memória desses que nos acometem, uma vez ou outra, quando menos esperamos, dos participantes. Ou então (o que acho mais provável) por cada um (perdoem o cacófato) achar que qualquer outro, dos demais treze convidados, com certeza, votaria nela. E... bingo!  Alguém, de fato, votou! Nem poderia ser diferente. O leitor perspicaz já percebeu, certamente, quem é essa personagem que reúne em torno de si a unanimidade, ou quase. Sim, é ela mesmo; É a Maria Capitolina Santiago, mais conhecida como Capitu, protagonista feminina do clássico de Machado de Assis, “Dom Casmurro”.

Quem a mencionou foi a estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a carioca Sofia Alves. Volto a lembrar que a pesquisa do site, objeto da série de comentários que venho fazendo há já alguns dias, reúne catorze especialistas, ou apaixonados por Literatura, que têm que escolher apenas uma única personagem feminina que considere inesquecível, com a devida justificativa. Reitero minha convicção que, se não fosse essa restrição, “todos” os participantes, sem nenhuma exceção, elegeriam Capitu como a protagonista de ficção impossível de se esquecer. Fiz, de novo – já a havia feito quando tratei da vida e da obra de Machado de Assis – consulta, com duas dezenas de amigos, a esse respeito. Perguntei-lhes quem eles achavam que era a personagem inesquecível da literatura mundial, sem restringir, ou seja, sem especificar o sexo. O resultado sequer me surpreendeu. Foi, rigorosamente, o que eu esperava. Todos, absolutamente todos, citaram de imediato, sem vacilar, Capitu.

Destaco que nem todos que consultei são leitores assíduos. Muitos sequer leram algum livro de Machado de Assis, e muito menos “Dom Casmurro”, claro. Todavia, ninguém sequer insinuou outra personagem, que não a mulher “de olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, em torno da qual permanece, há mais de um século, a dúvida se traiu ou não traiu o marido, o senhor Bento Santiago, conhecido na intimidade como Bentinho. Ou, vulgo, “Dom Casmurro”. Creio ser redundante a apresentação do referido romance, de seu autor e dos personagens que criou, sobretudo dessa figura maiúscula, “de olhos de ressaca”, pela qual multidões de várias gerações se apaixonaram.

Sofia Alves justificou assim sua escolha, que é a de nove em cada dez brasileiros, sem nenhum exagero: “Maria Capitolina Santiago, mais conhecida como Capitu, é a personagem feminina que dá o tom ao clássico Dom Casmurro, escrito por Machado de Assis. Nele encontramos a envolvente e dependente história de amor entre a grande mulher e Bentinho, que se conhecem desde a infância e, com o passar do tempo, descobrem o mundo e a si mesmos em uma relação de constante desconfiança e possessividade. A notabilidade de Capitu, enquanto mulher, é observada desde muito cedo na narração, o que mostra quão avassaladora a personagem esculpida por Machado é”.

E a estudante carioca prossegue: “Seus olhos de ressaca, que afogaram Escobar e Bentinho, são marca na história da Literatura e fazem uma perfeita metáfora com seu ser: basta imergir-se naquele mar esverdeado por muito tempo para se esquecer de si, até tornar-se inconsciente, e nada mais ser. Moderna para uma figura surgida em 1899, Machado personificou em Capitu valores absurdos à época, tais como o adultério e a exploração da sensualidade feminina”. Achei oportuníssimo o fato de Maria Capitolina Santiago ser a escolha de uma estudante, e não de algum escritor, jornalista, crítico literário ou sociólogo participantes da pesquisa.

Por que? Por uma razão simples. Porque muitos estudantes pegaram “birra” de Machado de Assis, por terem sido “obrigados” por seus professores a lerem seus livros em aulas de português. Tudo o que é forçado, não raro, produz esse efeito, mesmo que a obrigatoriedade seja de algo tendente a dar prazer, no caso, o estético, e de enriquecer nossa cultura. O leitor duvida que haja pessoas que detestam o Bruxo do Cosme Velho por essa razão? Pois não deveria. Conheço vários e vários ex-estudantes que agem assim. Claro que não têm noção do que estão perdendo. Só que, na consulta informal que fiz, consultei alguns desses refratários á obra machadiana. E mesmo estes citaram Capitu como personagem feminina inesquecível na literatura mundial. Espero tê-los convencido a reverem sua posição de ojeriza pelo nosso maior escritor e tê-los induzido a ler seus tantos livros, mas não mais por “obrigação”, mas para que façam, por si sós, preciosas descobertas pessoais da genialidade literária e da beleza de relatos bem escritos.


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