A centenária matrona de
“Cem anos de solidão”
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor colombiano
Gabriel Garcia Marquez teve, em sua vitoriosa carreira literária – que lhe
valeu, entre outros tipos de reconhecimento, o Prêmio Nobel de Literatura –
como uma de suas principais e melhores características (entre tantas), a
criação de personagens fortes, um tanto exóticos, todavia inesquecíveis. Seu
romance “Cem anos de solidão” foi catalogado, pelo jornal francês “Le Monde”
como um dos cem melhores livros do século XX. Sua vasta obra, de mais de trinta
volumes, entre ficção e não-ficção, é originalíssima e única. Nunca pecou pela
mesmice, como ocorre com tantos excelentes escritores que, em algum momento da
carreira, se tornam repetitivos, posto não reconheçam.
Por tudo isso, não
estranho que a décima quarta mulher citada na série “Catorze personagens
femininas inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com),
seja criação dele. Trata-se de Ursula Iguarán, protagonista do premiadíssimo
romance “Cem anos de solidão”. Ficaria surpreso se não fosse essa centenária
matrona, pitoresca e original. Ela é a feliz escolha de Ygor Speranza que,
apesar de ser formado em Matemática Aplicada pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro, ama Literatura (além de filosofia, várias outras artes, lógica e
linguagem), e é aspirante a escritor. E muito bom, se levarmos em conta que foi
selecionado pelo Prêmio OFF Flip 2013, na categoria contos.
Como a regra da
pesquisa do site Homo Literatus – que reúne catorze especialistas em Literatura
que têm que escolher apenas uma única personagem feminina que considere
inesquecível – impõe que os convidados justifiquem a opção, Ygor explicou assim
por que fez tal escolha: “Úrsula Iguarán é a chefe da casa dos Buendía em ‘Cem
anos de solidão’, romance de quinhentas páginas e sete gerações de Gabriel
García Márquez. É a viga mestra de sua família e sua cidade. É (e sempre será)
a ‘multimulher’”..
Ygor enfatiza as
principais características dessa personagem, que o levaram a escolhê-la como a
sua protagonista literária inesquecível: “Úrsula é forte, pragmática,
inseparável de suas convicções. É descrita como ‘ativa, pequena, severa, mulher
de nervos inquebráveis, a quem em nenhum momento de sua vida ouviu cantar,
parecendo estar em todas as partes desde o amanhecer até muito adiantada a
noite’. Ela cuidou de todos mesmo além da sepultura. E até o leitor mais
distraído ao terminar o romance percebe que foi Úrsula quem manteve Macondo de
pé. Se ‘Cem anos de solidão’ pode ser lido como metáfora para a história da
América Latina, Úrsula é então a mãe metafórica, a mãe de todos, a mãe
sul-americana platônica, a mãe de todas as mães”.
O curioso é que o
escritor preferido de Ygor Speranza nem é Gabriel Garcia Marquez – embora o
tenha entre seus prediletos – mas o argentino Jorge Luís Borges (que considero
meu “guru” literário). Isso valoriza ainda mais a escolha de Ursula Iguarán
como uma das personagens femininas inesquecíveis da literatura mundial. Ela não
poderia faltar nesse tipo de pesquisa. E... de fato, não faltou (felizmente).
Destaque-se que Gabo criou outras mulheres notáveis, que mereceriam figurar
nessa pesquisa. Poderia citar várias, mas cito duas, a título de exemplo. Uma é
Nena Daconte, protagonista do conto “O rastro do teu sangue na neve”, do livro
“Doze contos peregrinos”. Trata-se de uma mulher que comanda seu destino e que
seria capaz, até, de governar o planeta, com sua inteligência e doçura.
O conto, com sua
característica de brevidade, torna essa figura feminina ainda mais poderosa.
Nena Daconte não sobrevive sequer até a metade da história. Contudo vive sua
agonia com rara dignidade e classe. É, pois, sem sombra de dúvida, personagem
inesquecível na “multidão” das figuras de ambos os sexos e de várias idades e
diversas condições sociais que Gabo criou e que deixou para a posteridade como
seu tão precioso legado literário. A outra mulher de que leitor algum se
esquece é Firmina Dazza, de “O amor nos tempos do cólera”. Separada pelo pai da
sua paixão de adolescência, Florentino Arriza, obrigada a se submeter a um
casamento arranjado com o Dr. Juvenal Urbino, ela retoma, já cinquentona, após
a morte do marido, o romance interrompido por décadas, como se não tivesse
sofrido interrupção.
Mas nenhuma das
personagens femininas de Gabriel Garcia Marquez é tão completa, e tão complexa,
como Úrsula, que viveu entre 115 e 122 anos e que influenciou, decisivamente,
na criação e na educação de várias gerações da família, como filhos, netos,
bisnetos e trinetos e é figura onipresente em todo o desenrolar do romance.
Portanto, não poderia ficar ausente de uma pesquisa dessa natureza, como a
feita pelo site Homo Literatus, excelente pretexto para tratar de livros
consagrados e de escritores que já são ou estão a caminho de ser “clássicos”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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