Personagem inesquecível
na avaliação feminina
Pedro
J. Bondaczuik
O escritor checo, Milan
Kundera – nascido na cidade de Brno em 1º de abril de 1929 e naturalizado
francês desde 1980, cinco anos após haver se mudado para Paris, onde fixou
residência – é um dos meus autores
preferidos, pela profundidade de suas colocações em seus dez romances
publicados (o mais recente é “A festa da insignificância”, lançado em 2014) e
em outros gêneros pelos quais incursionou. É impossível permanecer indiferente
após a leitura de qualquer de seus livros. Não entendo como ele ainda não foi
agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, do qual é fartamente, de sobejo,
merecedor. Aliás, já pautei uma abordagem mais completa sobre sua trajetória
pessoal e, sobretudo, sobre sua obra, que me proponho a fazer
oportunamente.
Pois é de um dos seus
romances, o mais popular deles (que foi transformado em filme de relativo
sucesso), “A insustentável leveza do ser”, que emerge a segunda mulher citada
na série “Catorze personagens femininas inesquecíveis”, organizada pelo site
“Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com).
Trata-se de Tereza, figura das mais marcantes que, ao mesmo tempo em que
fascina, intriga por seus gostos, opiniões e, principalmente, atitudes. Ela é a
escolha da jornalista Marcela Guther que, entre outras coisas, é colaboradora
onipresente desse espaço da internet que elaborou a polêmica, no entanto
oportuna consulta sobre personagens femininas inesquecíveis.
Lembro – para que não
se perca a perspectiva destes comentários – que a pesquisa do site reúne
catorze especialistas em Literatura, todos, obviamente, leitores compulsivos,
que têm que escolher apenas uma única figura (num universo de milhões ou mais)
que considere inesquecível. E deve justificar a escolha, claro. No caso de
Marcela, é “mulher escolhendo mulher”. É, portanto, visão (suponho) diferente
da masculina. No meu caso é. Por que? Porque entre as personagens femininas
desse romance, a que mais me marcou, e que se tornou, portanto, “inesquecível”,
não foi propriamente Tereza, embora esta não deixe de me impressionar. Foi
Sabina. Todavia...
Marcela Guther
justifica assim sua opção: “Se fossemos definir em uma palavra quem é Tereza,
personagem criada por Milan Kundera para estrelar ‘A insustentável leveza do
ser’, dificilmente escaparíamos de ‘intensidade’. Tereza é uma mulher sensível
e forte ao mesmo tempo. Carrega dores e traumas. Chora e sofre por ciúmes. O
maior defeito de Tereza é amar demais. O amor, em demasia, entra em seu
inconsciente durante a noite e a faz sonhar com todas as traições (ou ‘amizades
eróticas’) de Tomas, seu parceiro”. Não há dúvidas que se trata de mulher
“especial”, dessas que gostaríamos de ter ao nosso lado, (uma espécie de
“Amélia”, ainda que mal comparando) caso fossemos apaixonados por ela.
Todavia, para mim,
Sabina é mais verossímil. Entendo que
personifica a caráter o conceito que Kundera tratou com tanta
habilidade: o de leveza. É um tanto amoral, pelos conceitos vigentes. É capaz
de trair o parceiro sem nenhuma dor de consciência, mas o faz de forma franca
(e, convenhamos, sistemática), Devotada à arte, e extremamente sensível, Sabina
manifesta seus desprezo e profunda insatisfação à "feiura" – que se
alastra pelo mundo, quer da cultura, quer da sociedade e, sobretudo, quer da
política, com seus engodos e corrupções – para a qual a maioria das pessoas se
mostra indiferente. Ela vê em Tomas o arquétipo do anti-herói e é isso nele que
a atrai.
Márcia complementa a
justificativa de haver escolhido Tereza como a figura feminina inesquecível
dessa forma: “É uma personagem que tem o costume de se observar durante um
longo tempo na frente do espelho – não pela vaidade, mas para descobrir-se além
da imagem. Não é possível classificá-la como ‘peso’ ou ‘leveza’, termos que
perpassam por toda a obra de Kundera. Tereza permeia entre os dois estados, num
emaranhado de contradições que a tornam uma mulher fascinante, instigante e,
consequentemente, apaixonante. Tereza é dolorosamente humana”.
Embora se trate de um
romance forte, instigante e original, “A insustentável leveza do ser” não é,
propriamente, meu livro preferido dos tantos que li de Milan Kundera. Minha
preferência recai, e com idêntico peso, num “empate técnico”, sobre dois
outros: “O livro do riso e do esquecimento”, lançado em 1978 e “A
imortalidade”, de 1990. Tive o privilégio e a satisfação de comentar ambos
neste espaço, e em mais de um texto para cada um. É complicado, porém, definir
qual o “melhor” livro do nosso escritor preferido, como é o caso. Até porque,
nenhum dos tantos que li pode ser classificado, nem de longe, como “o pior”.
Como não se encantar, por exemplo, com “A vida está em outro lugar” (1973), “A
valsa dos adeuses” (1976), “A lentidão” (1995), “A identidade” (1997) e “A
ignorância” (2000), além dos dois que elegi como meus prediletos e do não menos
excelente “A insustentável leveza do ser”? Só se meu gosto literário fosse de
medíocre para muito ruim!
Em suma: Tereza é, de
fato, personagem feminina inesquecível, embora, para o meu critério pessoal
(personalíssimo) de avaliação, insisto, Sabina leve ligeira vantagem. A
diferença provavelmente está nos critérios de escolha de um homem (no caso, eu)
e de uma mulher (no caso, minha colega de profissão, a jornalista Marcela
Guther). Fiquemos assim: ambos estamos certos e não se fala mais nisso. Afinal,
nós dois estamos envolvidos pela genialidade de Milan Kundera, capaz de criar
personagens tão fascinantes, como os que citei, e como dezenas de tantos
outros. que têm muito a nos ensinar e nos fazer refletir.
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