Monday, September 07, 2015

Como extrair o melhor de Shakespeare

Pedro J. Bondaczuk

As peças de William Shakespeare foram escritas para serem encenadas no palco e não para serem livros. Certo?  Creio que certíssimo!!! A conclusão me parece lógica e, mais do que isso, óbvia. Não fosse assim, as histórias que contou seriam redigidas em forma de romance e não de peças teatrais, concordam? Todavia, há tamanho conteúdo filosófico e comportamental nas falas que criou para seus personagens, que a melhor maneira de aproveitar a genialidade do bardo inglês é a de apreciá-lo duplamente. Ou seja, assistindo a encenação de suas peças e, posteriormente, lendo-as. Contudo, essa leitura não pode ser feita com toda a atenção concentrada exclusivamente no enredo. Para isso, para apreciar apenas a história, o ideal é assistir sua representação no teatro. Porém, para extrair toda a sabedoria e beleza de suas observações, nada como a leitura. E acompanhada de uma caneta ou lápis, para grifar as principais citações. Creiam-me, estas não faltam. Pelo contrário, abundam.

Raramente encontrei em peças de outro autor teatral tanta coisa que me fez refletir, sobretudo sobre amor, ciúmes, traição, vida, morte, e vai por aí adiante. Nesse aspecto, Shakespeare é imbatível. Confesso (e essa confidência não fiz para ninguém, até hoje, pela certeza de ser incompreendido), que pela primeira vez que li um livro do bardo inglês, detestei. Achei-o monótono, empolado, repetitivo e até um tanto piegas. Só que, quando fiz essa primeira leitura, eu nada entendia da vida e muito menos de literatura. Pudera! Tinha, apenas, treze anos de idade. Tudo começou a mudar sete anos depois, quando tive a oportunidade de assistir, pela primeira vez, a uma peça de Shakespeare, encenada em um teatro de São Paulo. E foi, justamente, “Romeu e Julieta”.

Após essa experiência, lembrei-me que tinha esse livro e que o havia detestado quando o tinha lido. O que fiz? Decidi fazer a releitura (hábito que adquiri desde então e que mantenho até hoje). Só que, ao contrário do que havia feito antes, quando todo o foco da minha atenção se concentrara no enredo, passei a analisar o conteúdo das “falas”. Cada uma que eu desconfiava haver uma mensagem de vida, li e reli várias vezes, meditando a respeito. Só então consegui testemunhar a genialidade de Shakespeare. Depois disso, adquiri os livros de várias outras peças, até poder contar com a totalidade de sua obra teatral. Nem todas as peças eu pude ver encenadas no teatro, até porque, muitas delas nunca o foram (pelo menos não em São Paulo, onde eu residia).

Eu andava um tanto envergonhado por haver detestado “Romeu e Julieta” quando a li pela primeira vez, mesmo que isso tenha acontecido quando eu tinha só treze anos de idade. Cheguei a contestar, intimamente, apenas por isso, meu bom gosto literário, mesmo que tivesse me retratado sete anos depois. Esse sentimento íntimo, todavia, mudou em 2012. Foi quando li, no portal da Editora Saraiva, matéria assinada por Andréia Silva, publicada em 6 de julho daquele ano, tratando do lançamento do livro “Quem escreveu Shakespeare?”, do professor norte-americano James Shapiro. Ele estava no Brasil para participar da décima edição do Festival Literário Internacional de Parati e aproveitou a ocasião para fazer esse lançamento editorial. Recorde-se que esse escritor é tido e havido como um dos maiores especialistas no mundo da obra do bardo inglês.

E por que me conformei com o “pecado mortal” literário da minha adolescência ao ler a citada matéria? Porque constatei que aquela primeira impressão que tive há tanto tempo e que tanto me envergonhou, não era exclusivamente minha. O ilustre professor confidenciou à Andreia Silva: “Quando li, eu detestei Shakespeare”. Eureka! Eu não estava sozinho! Estava na companhia de um dos mais ilustres e acatados mestres de literatura. E mais, especialista na obra de Shakespeare. Outra coincidência, foi a idade em que Shapiro leu, pela primeira vez, uma obra do genial dramaturgo (e detestou-a). “Eu tinha 13 anos quando estudei Romeu e Julieta. Eu não entendi, não gostei. Mas resolvi que estudaria Shakespeare de novo”, disse Shapiro. Ou seja, agiu exatamente como eu, sem tirar e nem pôr.

Andreia Silva esclareceu o que foi que fez o ilustre professor mudar de idéia; “O encantamento de Shapiro com as histórias do autor de Otelo, Rei Lear, Hamlet, entre outros, deu-se quando ele assistiu às peças durante uma temporada com o irmão em Londres. ‘Foi quando eu experimentei Shakespeare’”. Na citada matéria do portal da Editora Saraiva, escrita após descontraído bate papo entre a autora e o professor norte-americano, foi levantada a questão da (para mim) estúpida dúvida sobre a autoria das peças e sonetos do bardo inglês, aliás, tema de seu livro. E Shapiro declarou: “Não entendo essa ideia de que as pessoas comuns não possam ser extraordinárias. 99,9% das pessoas extraordinárias são comuns”. E não são?!

O curioso é que esta é a mesmíssima opinião expressada pela doutora Mara Narciso, ao comentar um dos meus textos sobre o genial dramaturgo. E sem ler a matéria de Andréia Silva, o que não me admira e nem me surpreende levando em conta a inteligência e a sensibilidade da nossa colunista do Literário.  Shapiro arrematou, em tom de brincadeira, a conversa: “Meu trabalho é tornar doloroso para essas pessoas pensarem dessa forma”, Tomara que consiga. Burrice também tem limites! Ou deveria ter... Claro que foi Shakespeare quem escreveu Shakespeare!!!!


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