O que documentos
revelam sobre Shakespeare
Pedro
J. Bondaczuk
O resgate da vida
amorosa de William Shakespeare, com base em documentos minimamente confiáveis,
é impossível. Por que? Porque estes não existem. Portanto, tudo o que escrevem
a esse respeito – e escrevem demais – não passa de um conjunto de especulações,
de chutes, de palpites, de conjecturas, de fantasias e de tentativas de
conseguir notoriedade às custas alheias inventando escandalosas peripécias. A
maior parte dos artigos, ensaios e mesmo livros a esse propósito baseia-se em
interpretações equivocadas e distorcidas da obra do poeta e dramaturgo.
Fundamentados, tão somente, em bases tão instáveis, voláteis e nada esclarecedoras,
saem propalando por aí que Shakespeare teve relação homossexual com um nobre,
que foi amante de sicrana, fulana e beltrana, que traiu “x”, “y” e “z” e que
foi traído por Johns, Harrys e Smiths. Detesto esse tipo de especulação que
nada constrói ou acrescenta de positivo.
Sobre a vida afetiva de
Shakespeare se pode afirmar, com certeza, que ele casou, com 18 anos de idade,
em 1582, com Anne Hathaway, mulher oito anos mais velha do que ele e grávida de
três meses. Certamente, foi obrigado a casar, dado o costume da época, quando
não se admitia sexo fora do casamento. Claro que havia muita hipocrisia a esse
propósito, mas... Só não se sabe se o “errado” nessa questão foi o adolescente,
com a testosterona fervilhando em seu corpo ou se a mulher, fogosa e
experiente, foi quem viu a oportunidade de entrar para a família de um
empresário local, relativamente próspero, já que o pai de Shakespeare era
fabricante de luvas em Stratford-upon-Avon, o que naquela cidadezinha
interiorana não era pouca coisa.
A criança concebida, ao
que tudo indica, de maneira “acidental”, e que precipitou a união conjugal dos
pais, foi uma menina, que recebeu o nome de Suzanne e que nasceu no início de
1583. Isso se pode afirmar com segurança, porquanto está documentado. Outro episódio
de sua vida afetiva que pode ser comprovado foi o nascimento, em janeiro de
1585, de gêmeos, batizados como Hammet e Judith. Não há, todavia, nenhum
registro que indique se Shakespeare e Anne viviam um casamento harmonioso e
feliz ou se apenas se toleravam e mantinham as aparências. Não descarto a
possibilidade do dramaturgo “pular a cerca” um montão de vezes, sobretudo após
sua chegada a Londres. Todavia... prova disso, que seja minimamente confiável,
não há nenhuma.
Pode-se conjeturar a
respeito, dado o ambiente em que o dramaturgo atuava. Ele deve ter tido lá um
punhado de casos com atrizes, colegas de palco, ou com prostituas londrinas.
Isso, no entanto, é mera presunção, embora muitos (e põe muitos nisso) dêem
essa possibilidade (a que qualquer homem saudável está sujeito) como “favas
contadas”. Alguns mencionam até nomes, provavelmente saídos de suas maliciosas
cabeças. Um último fato comprovado por documentos, referente à família de
Shakespeare, é o da morte de Hammet, seu único filho homem, ocorrida em agosto
de 1596, aos onze anos de idade, de causas desconhecidas. A afirmação de que a
“causa mortis” teria sido a peste bubônica pode até ter base lógica, porquanto
a Inglaterra enfrentava epidemia da doença na ocasião, mas isso não consta em nenhum
documento. É, portanto, mero chute. Pode ter morrido, realmente, dessa causa,
como pode não. Vá se saber! A vida das pessoas corriam toda a espécie de riscos
naqueles tempos em que a medicina mal merecia esse nome e as noções de higiene
eram pífias, se não inexistentes.
Sabe-se que, quando o
filho morreu, Shakespeare não estava ao lado de Anne. Enquanto esta permanecia
em Stratford-upon-Avon, ele estava em Londres, atuando como ator. Já gozava,
inclusive, de algum prestígio no mundo teatral. Contudo, há alguma prova disso?
Nesse caso, há. Sobreviveu, ao tempo e ao esquecimento, um panfleto, assinado
por um certo Robert Greene, sobre a atuação de Shakespeare nos palcos. Aliás,
esse crítico não simpatizava nem um pouco com o dramaturgo, a julgar por uma crítica
específica que escreveu no leito de morte e que também sobreviveu intacta até
os dias de hoje. No texto, Greene chama, em certo trecho, o ator de “corvo
arrogante”, o que nos leva a deduzir o óbvio. Que não simpatizava nana, nada
com Shakespeare, embora não revelasse os motivos de tal antipatia. Deveria ter,
certamente, suas razões. Mas quais?
Shakespeare tomou
conhecimento dessa crítica apenas após a morte de Greene. Ficou furioso com
ela. Tanto, que exigiu, da parte do editor desse texto, Henry Chettle, a devida
retratação, e com o devido pedido de desculpas, o que conseguiu. Isso também
pode ser comprovado por documentos. Só não se sabe, pois Greene não escreveu em
lugar nenhum, o motivo dele detestar tanto o dramaturgo e de considerá-lo
“corvo arrogante”. Não faltam, porém, especulações de que essa ojeriza se
deveria à suposta vida dissoluta e desregrada de Shakespeare, que colecionaria
uma penca de amantes, sem se importar de que sexo fossem. Isso, eu não
escreveria jamais, mesmo que fosse verdade. É um conjunto de escandalosas
conjecturas de que um sujeito responsável e sério jamais lançaria mão.
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