Wednesday, September 30, 2015

Ouço, volta e meia, que a carência afetiva é maior na atualidade e quem afirma isso justifica dizendo que nós, desta geração e desta estação do tempo, somos mais egoístas, egocêntricos e indiferentes ao próximo do que nossos antepassados. Discordo. Ouso dizer, até mesmo, que estamos em vantagem em relação às pessoas que viveram em séculos anteriores, quer dos mais próximos, quer dos remotíssimos. Aqueles não contavam, por exemplo, com os espetaculares recursos de comunicação (computador, internet, celular etc.etc.etc.) que contamos. A possibilidade de contatarmos pessoas que estão, não raro, um continente inteiro distantes de nós, que provavelmente jamais iremos encontrar algum dia, supre, em boa parte, nossas carências afetivas. Vejam o caso das redes sociais, como o Facebook e outras tantas menos conhecidas, em que formamos vastos círculos de “amigos”. Há quem conteste este tipo de amizade, entendendo que sequer mereça tal caracterização. Discordo. Há, de fato, muitos desclassificados, desajustados e mentecaptos que buscam se valer da carência dos incautos para aplicarem golpes de todos os tipos usando esse recurso. Esses idiotas e tarados sempre existiram, com e sem a internet. Vai daí...


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Todos somos tripulantes


Pedro J. Bondaczuk


A assinatura de um acordo entre as superpotências, ocorrida em 8 de dezembro de 1987, em Washington, tão festejada por todos, mas que somente diminuiu em 3% os fabulosos arsenais dos Estados Unidos e União Soviética, não devem servir de motivo para que aqueles que lutam pela paz mundial e pela sobrevivência do homem sobre a face da Terra, baixem a sua guarda.

Afinal, um estudo feito a pedido do secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar, em 1982, revelou que naquele ano o poderio total dos armamentos atômicos então existentes correspondia a cerca de um milhão de bombas equivalentes àquela lançada sobre Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, ao cabo da Segunda Guerra Mundial. E desse ano até 1987, nunca a corrida armamentista foi tão grande quanto no período. Hoje, tal potencial pode estar até triplicado, a despeito do tratado recém-firmado.

Nesta semana, quando se recorda o 43º ano da maior tragédia já provocada pelo ser humano desde o surgimento do “homo sapiens” neste planeta, nada é mais prudente do que os amantes da paz não se desmobilizarem.

Cerimônias alusivas à data serão realizadas pelo mundo afora. E Campinas também terá uma, promovida pela Associação Campineira de Ação Ecológica. Aliás, serão dois eventos. O primeiro ocorre hoje, às 20 horas, no Salão Vermelho da Prefeitura Municipal. Será um debate enfocando o tema “A Ameaça Nuclear e a Paz”, tendo como expositores o repórter especial do jornal “O Estado de São Paulo”, Roberto Godoy, e os físicos Laércio Fonseca e Amílcar Herrera.

É importante que muitas pessoas, especialmente os jovens, que terão a seu encargo as condução do mundo de amanhã (se os políticos de hoje deixarem, é óbvio) compareçam. Amanhã, por outro lado, dia em que o mundo relembra, com pesar e com horror, as mais de 140 mil vítimas do holocausto de Hiroshima, vai acontecer uma caminhada pela paz.

Ela irá sair do Largo das Andorinhas, em frente à Escola Normal Carlos Gomes. Muitos podem pensar: “O que eu tenho a ver com a corrida armamentista das superpotências? Como o meu protesto isolado poderá contribuir para o desarmamento nuclear?”.

Mas não tenham dúvidas que se não fossem atos como os que vão ocorrer hoje a amanhã em Campinas, as superpotências jamais teriam assinado o acordo de Washington. É a força da pressão popular. Nós somos seres humanos e temos que agir como tal. Não podemos nos submeter estupidamente à morte, sem qualquer reação, como bois num matadouro.

E, como observou um dia o cientista que conseguiu colocar o primeiro astronauta na Lua, Werner von Braun: “Na espaçonave Terra, não há lugar para passageiros. Todos somos tripulantes”. É como tal  que devemos agir.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 5 de agosto de 1988).


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Quem será o sucessor de Patrick Modiano?

Pedro J. Bondaczuk

Os primeiros dias de outubro, há já 113 anos – desde 1901 – é um período de grande expectativa no mundo literário. É a época anual em que se conhece um novo ganhador do Prêmio Nobel de Literatura. Por coincidência, o primeiro e o último consagraram dois escritores franceses. A primeira conquista dessa polêmica, mas cobiçadíssima, premiação, em 1901, foi do poeta Sully Prudhomme (cujo nome verdadeiro era René Armand François Prudhomme). O último a ser premiado, em 2014, foi o romancista Patrick Modiano, cujos livros lançados ultimamente no Brasil tive o privilégio de ler e de comentar.

O Prêmio Nobel de Literatura é dos mais criticados, mundo afora. Eu mesmo (para usar uma linguagem característica de torcedor de futebol) sou dos que mais têm “cornetado” as decisões da Academia Sueca, responsável por escolher os ganhadores. As críticas (minhas e de tantos outros), ressalte-se, são mais (posto que não exclusivamente) pelos que nunca foram premiados, posto que com reconhecidos méritos literários, do que sobre os que ganharam o prêmio. Neste último caso, as contestações envolvem, quando muito, 10% ou até menos dos escolhidos. Convenhamos, a escolha é complicadíssima e duvido que algum dia seja consensual e minimamente justa, por sua própria abrangência. Ou seja, envolvendo escritores supostamente do mundo todo e não apenas de parte dele.

Raciocinemos. Há, no planeta Terra, 246 países de fato, embora nem todos reconhecidos pela comunidade internacional. Destes, apenas 192 contam com assento na Organização das Nações Unidas. Estranhamente, a Fifa, entidade que rege o futebol mundial, tem 20 membros a mais do que a ONU. Admitam ou não, todos esses países (no caso os 246), têm sua cultura. Contam com artistas de todas as artes, entre as quais a Literatura. Ou seja, têm, também, seus escritores, conhecidos, contudo (salvo uma ou outra exceção) somente em âmbito interno. A probabilidade é que muitos deles (quem sabe, a maioria) sejam excelentes. Mas quantos deles têm a mais remota possibilidade de sequer serem cogitados para o Prêmio Nobel? Óbvio, um percentual ínfimo, virtualmente próximo de zero.

Para haver, posto que remotíssima, justiça, os “candidatos” teriam que ser (e muito por baixo) pelo menos qualquer coisa em torno de um milhão. Todavia, como julgar livros de tanta gente? Claro que não há como! Justo ou injusto, a Academia Sueca adota um critério que torna pelo menos viável certo julgamento (que, ademais, depende quase que exclusivamente do gosto dos julgadores). Em setembro de cada ano, a entidade envia centenas de cartas a pessoas e instituições qualificadas para que indiquem candidatos ao prêmio. Fica, porém, a pergunta: será que algum leitor, ou crítico literário ou qualquer organização que lide com Literatura de Tonga, da República Malgaxe, de Kosovo ou de Timor Leste, por exemplo, recebem esses convites? Afinal ali há leitores. E, por conseqüência, há escritores. Mas... A resposta é óbvia e dispensa qualquer comprovação. É um sonoro e enfático NÃO!!!!

E olhem que, os que podem indicar candidatos, são os mais diversos. São os membros da Academia Sueca e de outras organizações similares, professores de literatura e linguística de universidades, antigos vencedores e presidentes de sociedades de autores em seus países. Mas de quantos estamos falando? Certamente que não dos 246 que existem. E nem dos 192 que integram a ONU. São, quando muito, de uns 50, se tanto. E não creio que o número chegue a tanto. Sabem quantos estão habilitados, cumprindo todas as regras de candidatura da Academia Sueca, neste ano, para se tornarem sucessores de Patrick Modiano? Não ascendem a centenas de milhar, nem a dezenas de milhar e nem mesmo a um milhar. Eram, até maio passado, 198. Isso mesmo, menos de 200!!! Nesse mês de cada ano, porém, conforme o regulamento prevê, é feita rigorosa triagem. E o número de postulantes é reduzido a apenas CINCO. Cinco entre 7,2 bilhões de habitantes. Quem são eles? É um segredo de Estado. Só se pode especular a respeito.

Especulações a propósito, aliás, abundam, embora raramente alguém acerte, com base não nos cinco indicados finais, mas nos 198 originalmente inscritos. Nas casas de apostas européias – sobretudo nas inglesas onde se aposta sobre praticamente tudo – apostadores contumazes fazem sua “fezinha”. Uma vez ou outra, alguém acerta e fica rico caso o premiado seja o que apostadores brasileiros costumam chamar de “zebra”. Até, provavelmente, a próxima semana, ou no início da seguinte, portanto, ficará no ar a pergunta que poucos (ou que ninguém) conseguirão acertar. Quem será o sucessor de Patrick Modiano? Sim, quem será?


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Tuesday, September 29, 2015

Não sabemos, e nem podemos saber nada das carências afetivas alheias; Conhecemos (e isso quando conhecemos) apenas o que se passa em nossa própria mente e até isso se constitui em conhecimento apenas parcial. Muita coisa que nos aflige e incomoda está restrita ao inconsciente e subconsciente, sem que, portanto, sequer saibamos, embora não deixemos de sentir. Claro que o tema é vastíssimo e complexo. Esclareço que não é minha intenção me aprofundar nele. Até porque, não sou psicólogo e muito menos psiquiatra. A minha visão do problema é a do escritor, atento a tudo e a todos, para fazer farta colheita da matéria-prima virgem das minhas produções. Só posso tratar do que testemunho sob as lentes aguçadas da observação; do que tomo conhecimento mediante a leitura e  do que ouço nos desabafos dos carentes que alugam, amiúde, o meu ouvido.


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A vida em perigo


Pedro J. Bondaczuk


A sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no coletivo, sofre, constantemente, ameaças de toda a sorte. Estas vão desde os aspectos orgânicos da mãe, para reter o óvulo fertilizado, até sua vontade de gerar o novo ser que traz no ventre. Vão desde as decisões dos líderes políticos no que se refere à guerra ou à paz, até a possibilidade (sempre presente) de que uma catástrofe cósmica venha a destruir este pequeno e insólito planeta azul do Sistema Solar.

O historiador britânico, Arnold Toynbee, fez uma previsão extremamente pessimista em relação ao nosso futuro. Disse: “Se tivermos uma guerra nuclear, sobreviverão tão poucos, que a civilização não se poderá manter. Se não tivermos uma guerra nuclear, haverá tantos habitantes sobre a Terra que a vida se fará intolerável”.

Qual, então, é a opção para as gerações futuras, para aquelas crianças, por exemplo, que estão nascendo hoje, agora, neste presente instante, nos Estados Unidos, na União Soviética, no Brasil, na China, na Índia, em Bangladesh ou em Burkina Faso, entre outros lugares?

Depende, em primeiro lugar, de em qual desses países está nascendo. Se em uma sociedade desenvolvida, suas chances ainda são razoáveis, embora nem assim consigam escapar de uma infinidade de perigos, que vão desde a violência urbana, ao terrorismo e ao vício de drogas. Se vierem ao mundo em um dos tantos Estados carentes e economicamente inviáveis (a maioria dos que há no mundo), seu futuro será uma roleta russa.

Tanto esse bebê pode vir a conseguir chances de sobreviver aos críticos quatro anos iniciais de vida, obter recursos para se instruir e chegar (quem sabe) à liderança do seu povo, quanto ser aniquilado nos primeiros instantes de existência pelas implacáveis (e dolorosas) seqüelas da miséria, como a fome e as doenças decorrentes da ignorância dos pais acerca de práticas elementares de higiene.

Nada disso, entretanto, justifica os verdadeiros assassinatos em massa que se promovem diariamente (com o consentimento do Estado ou sem ele) em todo o mundo, mediante essa prática hedionda, denominada de aborto. E muito menos justifica a adoção dessa outra, mais abjeta e covarde ainda, chamada eutanásia, que muitos entendem como sendo a “morte piedosa”, como se houvesse piedade em extirpar a vida de seres indefesos que, mesmo doentes, se apegam, teimosamente, a essa experiência ao mesmo tempo traumatizante e fascinante, a essa aventura ímpar que temos a oportunidade de gozar.

A superpopulação é apenas um dos tantos desafios que este ser inteligente tem que encarar com coragem e com determinação. Caminhos, certamente, existem, desde que se elaborem políticas sérias, responsáveis e coerentes voltadas para a preservação (e nunca para a destruição) do homem.

Desde que  enfoque da destinação de recursos seja o correto, diferente do atual, quando apenas os Estados Unidos pretendem despender US$ 3,1 trilhões para o mero estudo da viabilidade de um fantasioso escudo espacial, que o seu presidente, Ronald Reagan, chama de Iniciativa de Defesa Estratégica, mas que a imprensa já se acostumou a tratar de “guerra nas estrelas”. Como se nota, o atual enfoque internacional é mórbido, e não vital.

Como a criatura pode se rebelar contra seu Criador e pretender modificar a sua obra? Ela foi dotada de inteligência exatamente para se defender, em circunstâncias como esta, representada pela superpopulação mundial.

É evidente que um problema de tamanha magnitude não pode ter uma solução tão simplista (e absurda) como o morticínio em massa de crianças, de adultos, de velhos ou de meros embriões, não importa! É isso o que se está fazendo hoje. Repete-se o mesmo procedimento criminoso de Adolf Hitler em relação a judeus e a deficientes. Ou seja, eliminam-se essas pessoas, pura e simplesmente, como se fosse a providência mais natural e mais lógica. Claro que não é!

O processo (monstruoso) de decidir quem deve viver e quem não é uma das maiores aberrações já praticadas pelo homem desde a sua criação. A ninguém cabe, e nem pode caber, essa prerrogativa, que fere todas as normas do bom-senso e os princípios morais e legais existentes.

Há caminhos e mais caminhos, que não este, para conciliar disponibilidade de espaço e de recursos do Planeta com a quantidade de pessoas que nele há. São alternativas lógicas, humanas e coerentes, de promoção do bem-estar geral, sem discriminações de quaisquer espécies. Requerem, somente, vontade política para que sejam seguidos e nada mais.

Um deles é a educação, mas no sentido amplo, permitindo que todos conhecessem, por exemplo, a real função sexual, como opção procriadora, de perpetuação da espécie, e jamais (como agora) de mero objeto de diversão e de perversão.

Outra alternativa é a adaptação do ser humano a outros planetas ou seus satélites, o que não é tão impossível quanto muitos imaginam. Há, claro, várias outras saídas, arrojadas, mas teoricamente factíveis para pessoas inteligentes e dotadas de iniciativa. Afinal, não foi para nada que fomos dotados pela natureza desta capacidade ímpar de pensar e de entender o que se passa ao nosso redor.

O que é inconcebível é essa “solução final”, ao estilo nazista, que nada soluciona, praticada, hoje em dia, no mundo todo e que suprime, anualmente, em torno de 76 milhões de vidas, de pessoas indefesas, de seres que, se corretamente educados e devidamente apoiados, poderiam redimir a Terra com a força da sua inteligência.

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 3 de maio de 1987).


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Espaçonave em perigo



Pedro J. Bondaczuk


A Terra é uma espaçonave, que abriga 7,2 bilhões de tripulantes, seguindo rumo a um destino ignorado. O universo é dinâmico. Nada nele é estático, embora às vezes haja essa impressão para um observador desavisado ou que tenha um ângulo de visão desfavorável.

Tudo é agitado, está em constante movimento. Não há astro, estrela ou corpo celeste que estejam parados. O conjunto move-se numa determinada direção, para certo rumo, que o homem pode apenas especular, jamais saber com certeza, qual de fato é. Atualmente, a espaçonave "Terra-1" está em perigo. Acha-se superlotada, por exemplo, mas seus tripulantes continuam aumentando.

O lixo acumula-se por toda parte. Os suprimentos de água potável estão se exaurindo. Acerca dessa exaustão, a revista "Times" publicou, há mais de uma década, completa e detalhada matéria. Pedaços da nossa nave cósmica são queimados para a geração de energia. O calor aumenta, a fumaça sufoca e a tripulação está mais ameaçada do que nunca, embora a maioria sequer se dê conta.

Todavia, se destruirmos a espaçonave, não teremos outra! A vida desaparecerá simplesmente desta parte do universo. Não teremos outra Terra onde viver. Os planetas vizinhos são inóspitos. Para onde os tripulantes conduzirão esta bela astronave azul? À destruição? Ao paraíso feito pelo homem? Mas como esse animal contraditório poderá estabelecer a tão sonhada Idade de Ouro se mais de um bilhão de pessoas passam fome, enquanto o mundo bate recordes e mais recordes de colheita e em alguns países os agricultores são até pagos para não plantar?

Por outro lado, é estranho, e sobretudo contraditório, que neste momento, em que a espaçonave Terra conta com 7,2 bilhões de tripulantes, as pessoas se sintam tão solitárias. Nunca o ser humano sentiu-se tão só quanto agora. E principalmente no meio de multidões.

Os indivíduos fogem do diálogo, daquele profundo e com substância, escondidos em redomas de desconfiança e medo. Isto vai a tal ponto, que o escritor D. H. Lawrence chegou a desabafar: "Falar com o homem de hoje é tentar ter relações humanas com a letra 'x' em álgebra". E é mesmo.

Essa falta de diálogo estimula preconceitos. Favorece injustiças. Fomenta ódios que explodem no hediondo exercício de matar. De extinguir esse dom, essa chama, esse mistério, esse milagre, que é a vida. Como se vê, a espaçonave Terra está em perigo, muito mais do que já esteve em qualquer outra era, mas as soluções para reduzir seus riscos são adiadas “sine die”, como se nada de ruim estivesse acontecendo. Mas... está, infelizmente.


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Monday, September 28, 2015

Relacionamentos sadios e bem-sucedidos não fornecem base para boa literatura. Há, até, uma letra do cancioneiro popular brasileiro, consagrada pelo cantor Nelson Gonçalves, que diz, em determinado trecho, que o poeta “só é grande se sofrer”. E esse sofrimento a que se refere é o da tal carência afetiva. Em romances, contos, novelas, peças teatrais e enredos de filmes, é essa condição, mesmo quando não explicitada pelo autor, que está subjacente da primeira à última linha dessas produções e que está por trás dos dramas, comédias, tragédias e circunstâncias que compõem a aventura humana narrada pelo escritor. Não há quem nunca não tenha se sentido carente de afeto, mesmo que não admita ou sequer identifique essa sensação. São raras as pessoas, por exemplo, que em alguma fase da vida, em geral na adolescência, nunca tiveram alguma paixão “impossível” (ou que caracterizaram dessa forma) e não se frustraram por não lograr a conquista do objeto desse amor (quase sempre platônico). Há exceções? Talvez sim! Não posso assegurar. É impossível de saber.

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Máfia na mira



Pedro J. Bondaczuk


O juiz italiano, Giovanni Falcone, é possivelmente um dos homens que corre o maior perigo hoje em dia no mundo. Até mais, inclusive, do que muitos chefes de Estado de países que têm que conviver com o terror. Ele é o magistrado que ousou desafiar o poder de uma das mais antigas e bem estruturadas organizações criminosas mundiais, com ramificações em todos os continentes e que explora toda a sorte de atividades ilegais, indo desde o jogo à prostituição, passando pelo tráfico de entorpecentes, assassinatos sob encomenda e fraudes no mercado financeiro. Trata-se da Máfia, que curiosamente surgiu no século XIV, com uma finalidade nobre, na Sicília. Então ela lutava por ideais de liberdade, pela independência daquela ilha italiana.

O juiz Falcone, nos últimos dois meses, causou mais estragos à Máfia como jamais autoridade alguma fez, possivelmente desde a década de 30, nos EUA, quando as autoridades de Chicago resolveram conter o atrevimento da organização criminosa, após ela envolver-se em guerra com outros grupos congêneres rivais norte-americanos. Ou até superou os resultados de então. Com a deportação do mafioso Tommaso Buschetta para a Itália (a segunda expulsão do nosso País que as autoridades brasileiras promovem do mesmo contraventor desde 1973) e com a decisão de quebrar a "omertá", a rígida lei do silêncio que sempre protegeu esses bandidos, o magistrado conseguiu chegar aos "capi", aos que comandam, e não aos testas-de-ferro, prendendo mais de uma centena de "cidadãos respeitáveis, a salvo de qualquer suspeita".

Entretanto, Giovanni Falcone resolveu não se limitar apenas ao território da Itália para golpear essa terrível organização criminosa, que tanta desgraça e corrupção tem espalhado pelo mundo afora, por quase seis séculos. Como um Dom Quixote dos tempos modernos, decidiu ferir ainda mais a fundo a Máfia e passou a fornecer as preciosas e indispensáveis informações que obteve providencialmente de Buschetta às polícias de todas as partes do mundo onde os criminosos pudessem ser atingidos. Foi com esse objetivo que iniciou pelo Brasil as investigações da atuação dos mafiosos na América Latina, onde eles detêm um poderoso império. E agora passa a fechar o seu cerco.

Apenas na Venezuela, país onde, sabidamente, o grupo não é tão forte como no resto do continente, a Máfia possui investimentos estimados em US$ 1 bilhão. Essa importância, só para dar uma idéia aproximada ao leitor, equivale a um terço do Produto Nacional Bruto da Bolívia, ou quase a metade do PNB uruguaio. E como é feito este "investimento"? Podem estar certos que ele não é revertido em escolas, estradas e nem hospitais. E muito menos em qualquer atividade que eleve e promova as pessoas. Antes, essa considerável cifra tem sido, na realidade, usada para perverter, corromper, assassinar, viciar e infelicitar milhões de indivíduos, através de prostíbulos e pontos de venda de drogas e outras atividades, atingindo especialmente os jovens.

Quixotesca ou não, portanto, a atividade do juiz Giovanni Falcone merece o apoio e o respeito de todas as pessoas de bem. E o seu sucesso, por menor que seja, servirá para evitar que um número elevado de pessoas venha a cair nas garras desse flagelo da humanidade, chamado Máfia, Cosa Nostra, Mão Negra, N'Draghetta ou seja lá qual denominação que se queira dar a tais aves de rapina, que apenas prosperam se alimentando de sangue e de podridão.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 5 de dezembro de 1984)


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A centenária matrona de “Cem anos de solidão”


Pedro J. Bondaczuk

O escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez teve, em sua vitoriosa carreira literária – que lhe valeu, entre outros tipos de reconhecimento, o Prêmio Nobel de Literatura – como uma de suas principais e melhores características (entre tantas), a criação de personagens fortes, um tanto exóticos, todavia inesquecíveis. Seu romance “Cem anos de solidão” foi catalogado, pelo jornal francês “Le Monde” como um dos cem melhores livros do século XX. Sua vasta obra, de mais de trinta volumes, entre ficção e não-ficção, é originalíssima e única. Nunca pecou pela mesmice, como ocorre com tantos excelentes escritores que, em algum momento da carreira, se tornam repetitivos, posto não reconheçam.

Por tudo isso, não estranho que a décima quarta mulher citada na série “Catorze personagens femininas inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com), seja criação dele. Trata-se de Ursula Iguarán, protagonista do premiadíssimo romance “Cem anos de solidão”. Ficaria surpreso se não fosse essa centenária matrona, pitoresca e original. Ela é a feliz escolha de Ygor Speranza que, apesar de ser formado em Matemática Aplicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ama Literatura (além de filosofia, várias outras artes, lógica e linguagem), e é aspirante a escritor. E muito bom, se levarmos em conta que foi selecionado pelo Prêmio OFF Flip 2013, na categoria contos.

Como a regra da pesquisa do site Homo Literatus – que reúne catorze especialistas em Literatura que têm que escolher apenas uma única personagem feminina que considere inesquecível – impõe que os convidados justifiquem a opção, Ygor explicou assim por que fez tal escolha: “Úrsula Iguarán é a chefe da casa dos Buendía em ‘Cem anos de solidão’, romance de quinhentas páginas e sete gerações de Gabriel García Márquez. É a viga mestra de sua família e sua cidade. É (e sempre será) a ‘multimulher’”..

Ygor enfatiza as principais características dessa personagem, que o levaram a escolhê-la como a sua protagonista literária inesquecível: “Úrsula é forte, pragmática, inseparável de suas convicções. É descrita como ‘ativa, pequena, severa, mulher de nervos inquebráveis, a quem em nenhum momento de sua vida ouviu cantar, parecendo estar em todas as partes desde o amanhecer até muito adiantada a noite’. Ela cuidou de todos mesmo além da sepultura. E até o leitor mais distraído ao terminar o romance percebe que foi Úrsula quem manteve Macondo de pé. Se ‘Cem anos de solidão’ pode ser lido como metáfora para a história da América Latina, Úrsula é então a mãe metafórica, a mãe de todos, a mãe sul-americana platônica, a mãe de todas as mães”.

O curioso é que o escritor preferido de Ygor Speranza nem é Gabriel Garcia Marquez – embora o tenha entre seus prediletos – mas o argentino Jorge Luís Borges (que considero meu “guru” literário). Isso valoriza ainda mais a escolha de Ursula Iguarán como uma das personagens femininas inesquecíveis da literatura mundial. Ela não poderia faltar nesse tipo de pesquisa. E... de fato, não faltou (felizmente). Destaque-se que Gabo criou outras mulheres notáveis, que mereceriam figurar nessa pesquisa. Poderia citar várias, mas cito duas, a título de exemplo. Uma é Nena Daconte, protagonista do conto “O rastro do teu sangue na neve”, do livro “Doze contos peregrinos”. Trata-se de uma mulher que comanda seu destino e que seria capaz, até, de governar o planeta, com sua inteligência e doçura.

O conto, com sua característica de brevidade, torna essa figura feminina ainda mais poderosa. Nena Daconte não sobrevive sequer até a metade da história. Contudo vive sua agonia com rara dignidade e classe. É, pois, sem sombra de dúvida, personagem inesquecível na “multidão” das figuras de ambos os sexos e de várias idades e diversas condições sociais que Gabo criou e que deixou para a posteridade como seu tão precioso legado literário. A outra mulher de que leitor algum se esquece é Firmina Dazza, de “O amor nos tempos do cólera”. Separada pelo pai da sua paixão de adolescência, Florentino Arriza, obrigada a se submeter a um casamento arranjado com o Dr. Juvenal Urbino, ela retoma, já cinquentona, após a morte do marido, o romance interrompido por décadas, como se não tivesse sofrido interrupção.

Mas nenhuma das personagens femininas de Gabriel Garcia Marquez é tão completa, e tão complexa, como Úrsula, que viveu entre 115 e 122 anos e que influenciou, decisivamente, na criação e na educação de várias gerações da família, como filhos, netos, bisnetos e trinetos e é figura onipresente em todo o desenrolar do romance. Portanto, não poderia ficar ausente de uma pesquisa dessa natureza, como a feita pelo site Homo Literatus, excelente pretexto para tratar de livros consagrados e de escritores que já são ou estão a caminho de ser “clássicos”.


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Sunday, September 27, 2015

A carência afetiva é uma das sensações mais universais que existem, atingindo todas as classes sociais, de todos os lugares, posto que com duração e intensidade variáveis, de acordo com as circunstâncias e as características psicológicas de cada um. Varia desde a desconfiança de se ser menos amado do que gostaríamos, até a percepção de ser mal amado, ou não amado ou, no extremo, ignorado ou, pior, odiado.   Para quem se sente assim, ou seja, para o carente de afeto e de atenção, esse é um sentimento horrível. Para nós, escritores, todavia, é virtualmente o cerne de toda literatura, foco das nossas análises e atenções. Exagero? Nem tanto! Basta ler, por exemplo, um poema com olhar analítico. Via de regra o poeta queixa-se, em versos ora líricos, ora irônicos, ora amargos (mesmo que apenas nas entrelinhas) e ora até chorosos ou lamurientos, de um amor que não prosperou, de alguma traição que sofreu, do menosprezo do objeto amado e vai por aí afora.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.  

O que comprar:

Cronos e Narciso (crônicas, Editora Barauna, 110 páginas) – “Nessa época do eterno presente, em que tudo é reduzido à exaustão dos momentos, este livro de Pedro J. Bondaczuk reaviva a fome de transcendência! (Nei Duclós, escritor e jornalista).Preço: R$ 23,90.

Lance fatal (contos, Editora Barauna, 73 páginas) – Um lance, uma única e solitária jogada, pode decidir uma partida e até um campeonato, uma Copa do Mundo. Assim como no jogo – seja de futebol ou de qualquer outro esporte – uma determinada ação, dependendo das circunstâncias, decide uma vida. Esta é a mensagem implícita nos quatro instigantes contos de Pedro J. Bondaczuk neste pequeno grande livro.Preço: R$ 20,90.

Como comprar:

Pela internet WWW.editorabarauna.com.br – Acessar o link “Como comprar” e seguir as instruções.
Em livrariaEm qualquer loja da rede de livrarias Cultura espalhadas pelo País.        

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Trunfo contra conservadores



Pedro J. Bondaczuk


A reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte, realizada entre anteontem e ontem, em Londres (e principalmente a declaração conjunta emitida ao cabo desse encontro), foi a melhor e mais valiosa ajuda dada pelo presidente norte-americano, George Bush, ao seu colega Mikhail Gorbachev. E bem que este precisava de algo assim em seu confronto com radicais e conservadores no 28º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, que entrou ontem em sua metade, dos 10 dias programados.

Na véspera, os delegados de linha dura haviam concentrado suas baterias na política exterior do Cremlin. Vários oradores, entre os quais o general Ivan Nikulin, chefe do Departamento Político do Exército Sul e membro do poderoso Conselho de Defesa, haviam acusado Gorbachev de se curvar diante do Ocidente.

O oficial citado, inclusive, chegou a ridicularizar o grande sonho do presidente da criação de “um lar comum europeu”. Disse, em determinado trecho do seu discurso, que o atual governo soviético olhava “para o mundo através de óculos cor-de-rosa”.

A declaração da Otan, de ontem, mostrou que a coisa não é bem assim. Que os críticos da Perestroika é que estão muito distantes da nova realidade, insistindo em permanecer em sua “torre de marfim”, cujas bases estão visivelmente carunchadas.

É verdade que não é fácil mudar, da noite para o dia, uma visão estereotipada, principalmente quando se lida com fanáticos ideológicos. O presidente soviético ressaltou isso ontem. Mas o documento da aliança ocidental sela de vez a guerra fria, que há mais de um ano só continuava existindo, de fato, na cabeça dos alienados.

Gorbachev precisava desse reforço extra, depois da saraivada de ataques que recebeu desde maio passado, antes do seu embarque para os Estados Unidos, para a reunião de cúpula de Washington, com George Bush.

Não que objetivamente os conservadores tenham o poder de o derrubar da chefia do Partido Comunista. Pesquisas feitas ao longo do 28º Congresso, entre os delegados participantes, mostraram que, embora a linha dura disponha de maior quantidade de representantes, o atual secretário-geral do PC ainda conta com mais de 50% de apoio.

Se os congressistas tiverem juízo, grandeza e um pouquinho que seja de patriotismo (esquecendo por instantes seus interesses pessoais), chegarão à conclusão que a União Soviética não tem alternativa. Ou aposta no sucesso da Perestroika, ou será instalado o caos no país. O mais não passa de retórica de políticos espertalhões.


(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 7 de julho de 1990)

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Personagem de um Dostoievski romântico e poético

Pedro J. Bondaczuk

O escritor russo Fiodor Dostoievski caracterizou-se pela criação de personagens no mínimo “intensos”. Quase todos os que criou são carregados de paixões extremas. São impulsivos, desses que num repente podem cometer (e cometem) crimes bárbaros (como em “Crime e castigo”), mas que são atormentados pela consciência, como ocorreu com o estudante que trucidou a velhinha nessa história. Outros tantos vivem situações igualmente conflituosas, como em “Irmãos Karamazov” e em vários e vários de outros enredos que criou, mesmo que não cheguem a extremos. Raramente, seus protagonistas são, sequer remotamente, parecidos com os da maioria dos escritores da sua época.

A quase totalidade da sua obra reflete a preocupação social que sempre o moveu, em uma Rússia tensa, miserável e com profunda divisão de classes. Um de seus romances mais belos, todavia, foge dessa linha temática. Nem parece que foi escrito por ele. Refiro-me a “Noites brancas”, que Dostoievski publicou em 1848, antes de ser preso e de enfrentar os horrores dos campos de trabalho forçado da Sibéria. Há consenso entre os especialistas de que é este livro o que mais o aproxima do romantismo. É de uma beleza pungente, posto que envolva também drama e solidão.     

Pois é justamente deste romance que emerge a décima segunda mulher citada na série “Catorze personagens femininas inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com). Ela é a escolha do escritor (autor do livro “Minha querida Aline”, publicado pela Editora Multifoco), fotógrafo e editor da revista “Sisifo”, o baiano Marcelo Vinicius. Como a pesquisa do site (que reúne catorze especialistas em Literatura) exige que os pesquisados escolham apenas uma única personagem feminina que considere inesquecível, e justifiquem a razão da preferência, ele escolheu Nástienka, justamente a protagonista de “Noites brancas”, e explicou assim a razão:

“O Sonhador a conhece e cria um amor platônico por Nástienka. Porém, mais do que isso, ela aponta para as imposições da vida, as quais não podem ser ignoradas, mas, ao mesmo tempo, nos diz que é preciso sonhar. Ela é jovem, ingênua e também sonhadora, que fica à espera de um prometido amor durante quatro noites. Nástienka é o símbolo da discussão sobre até que ponto as pessoas podem se esconder através de seus sonhos, para evitar o sofrimento. Mostra a contradição entre a vida real vazia e as suas paixões. Nástienka é uma mulher, com beleza e imperfeições como a vida, assinalando que todos nós somos o protagonista Sonhador: podemos encarar a vida ou virar o rosto em repúdio, mas nunca podemos negar sua pungente existência”.

Este livro requer pelo menos mais duas explicações da minha parte, até para que o leitor entenda a felicidade da escolha de Marcelo Vinicius. A primeira refere-se ao seu título. "Noite branca" é um fenômeno bastante comum na Europa, notadamente em regiões próximas ao Círculo Ártico (e também em São Petersburgo, claro, onde a história teria se passado). É quando, mesmo com o Sol se pondo no poente, ele permanece brilhando, posto que tenuamente, um pouco abaixo da linha do horizonte. O efeito causado é arrasador, no sentido de admiração, encantamento, diria de arrebatamento para quem não conhece de antemão essa característica e a testemunha pela primeira vez. A noite permanece clara, como num dia levemente nublado, por exemplo. Ou seja, ligeiramente  clara, como se fosse de uma lua cheia bem mais intensa do que a normal, causando uma atmosfera mágica, diria poética, de sonho. É belíssima e inesquecível.

Outro aspecto a se destacar refere-se à história engendrada por Dostoievski – que foi adaptada para o cinema por Luchino Visconti e recebeu diversos prêmios, protagonizada por Marcelo Mastroianni e Maria Schell – de um lirismo surpreendente para um escritor tão ácido e amargo, como o romancista russo. Ao longo de quatro noites, o protagonista conhece a moça, se apaixona por ela e cientifica-se de sua inusitada história. Ele e o leitor, claro.

Nástienka encara uma circunstância de vida das mais dramáticas e complicadas. Seu problema maior é a solidão. Tem que cuidar da avó cega, contando com a ajuda, somente, de uma criada surda. Ou seja, pouco ou nada pode se comunicar com as pessoas que a rodeiam no dia a dia. Numa  bela ocasião, todavia, recebe um novo inquilino em sua casa. Isso faz com que vislumbre a possibilidade de escapar de sua solidão. O misterioso homem, contudo, após algum tempo, vai embora, mas promete voltar depois de um ano, tão logo estivesse em condições de casar-se com ela. Passado exatamente um ano, na data marcada para o reencontro, o protagonista encontra Nástienka na ponte sobre o Rio Nieva. Mas nenhum dos três personagens – a moça, o tal inquilino e o Sonhador, apaixonado por ela – pode prever o que o destino reservou para eles. O que? Não, leitor, não contarei mais nada do enredo, para não estragar sua surpresa ao ler o livro, o que, óbvio, lhe recomendo.

Dostoievski é o único escritor a ter duas personagens diferentes incluídas nesta pesquisa informal do site “Homo Literatus”. Muitos brasileiros conhecem bem pelo menos esse romance, quer por sua leitura, quer através da televisão ou quer do teatro (sem falar do filme de Luchino Visconti).  A adaptação de “Noites Brancas”, por exemplo, foi exibida num Caso Especial da Rede Globo, em 1973, protagonizada por Francisco Cuoco e Dina Sfat, nos papéis principais, sob a direção de Oduvaldo Viana Filho. Não faz muito, essa obra foi levada aos palcos, em teatros de São Paulo e do Rio de Janeiro, estrelada por Débora Falabella e Luís Artur, sob a direção de Yara de Novaes. E quem a viu, se encantou. Pudera! Assim como quem leu esse clássico de Fiodor Dostoievski jamais esquecerá da obra e da sua sonhadora e aolitária personagem central.   


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