Tuesday, December 30, 2014

Sandinistas na berlinda


Pedro J. Bondaczuk


A derrubada de um avião particular norte-americano, do tipo C-123, em território nicaragüense, ocorrida no início deste mês, começa a produzir os esperados e naturais desdobramentos políticos nos Estados Unidos, quando falta menos de um mês para as importantes eleições legislativas nesse país.

Hábeis parlamentares democratas procuram explorar a questão em seu favor e a demonstrar que o governo do presidente Ronald Reagan, através da Agência Central de Inteligência (CIA), de funcionários governamentais e de entidades particulares está violando uma determinação legal, que proíbe a Casa Branca de prestar assistência direta aos anti-sandinistas.

Os dois mais conceituados jornais norte-americanos, o “The New York Times” e o “The Washington Post”, publicaram, ontem, extensas matérias a propósito, fundamentando as acusações do senador John Kerry a esse respeito. Essa aventura, precipitada e até mesmo desastrada, pode, portanto, ter um preço muito alto para os republicanos, nas urnas, no próximo mês e tornar bem mais difíceis os dois derradeiros anos de gestão de Reagan.

Da próxima eleição, com certeza, irão emergir os prováveis postulantes à Casa Branca em 1988. Os democratas, há tempos afastados do poder, sabem que terão que fazer, doravante, uma campanha muito mais agressiva e prematura do que a desenvolvida pelo seu candidato presidencial em 1984, Walter Mondale, que além de tudo tinha, contra ele, o ônus da participação na desastrada administração de Jimmy Carter.

A partir de agora, tudo o que eles acharem de errado, ou de irregular, no atual governo, certamente vão explorar até as últimas conseqüências. E nenhum tema, hoje em dia, presta-se melhor para exploração contra Reagan do que a maneira com que ele vem conduzindo a crise centro-americana. 

A oposição está batendo, há tempos, na tecla de que, a prosseguir na atual marcha, mais dia menos dia vão colocar os Estados Unidos numa outra guerra, a exemplo da do Vietnã, só que desta feita bem no fundo do seu quintal. Insiste em afirmar que a intervenção direta de tropas norte-americanas na Nicarágua é apenas uma questão de tempo, principalmente em virtude da manifesta incompetência dos mercenários somozistas, financiados pela Casa Branca, em exercerem pressão efetiva sobre os sandinistas. 

O que o observador estranha é que, mesmo se dizendo contrários a essa escalada militar na América Central, os democratas tenham cedido, em duas oportunidades neste ano, sobre a questão e aprovado a ajuda militar solicitada por Reagan aos rebeldes nicaragüenses, no valor de US$ 100 milhões. Houve, aí, no mínimo, uma dissintonia entre o discurso e a prática.

De qualquer maneira, não tenham dúvidas, essa será a principal temática a ser explorada, já a partir de julho de 1987. A tese não-intervencionista conta com relativo respaldo entre o eleitorado norte-americano. A prova disso foi o sucesso da turnê do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, no primeiro semestre deste ano, por várias cidades dos Estados Unidos. E, a menos que ele cometa outra imperdoável gafe, como a inoportuna visita que fez ao Cremlin, em maio de 1984, certamente terá a pressão sobre o seu regime diminuída já a partir do próximo ano.

Basta, somente, que saiba ganhar tempo, com muita astúcia e cautela, para conseguir sobreviver politicamente e até servir de cabo eleitoral para eleger um próximo presidente norte-americano. Do Partido Democrata, naturalmente.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 16 de outubro de 1986).


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