Do prelo às telas
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “1984”, de
George Orwell, ganhou novo impulso, e voltou a ser fartamente comentado, a
partir do filme do mesmo nome, lançado, exatamente, quando o ano do título do
romance (há quem o classifique como novela) chegou. Ou seja, exatamente 1984. É
verdade que antes dele ser filmado, já em finais de 1982, começaram a “pipocar”
artigos, ensaios e outras tantas análises a propósito da mais conhecida das
obras orwellianas, notadamente na imprensa inglesa e na dos Estados Unidos. O
enfoque da maioria nem era, propriamente, “1984”. Era a ideologia do autor,
considerada ambígua por muitos, dúbia por outros tantos e equivocada por
alguns. Houve, até, quem dissesse que, caso Orwell não morresse tão
prematuramente – faleceu aos 46 anos – fatalmente se “converteria” ao
pensamento e aos postulados da direita. Será? Quem pode afirmar com certeza? Eu
não ousaria.
Foram rodadas várias
versões cinematográficas de “1984”, algumas bastante recentes, mas a que é
considerada a mais fiel ao livro é uma produção inglesa, dirigida por Michael
Radford, com roteiro do próprio diretor em parceria com Jonathan Gems, que
tinha, no elenco, atores consagrados, como Richard Burton, John Hurt, Cyril
Cusack e Suzanna Hamilton. Para refrescar a memória do leitor, nada como
resumir, em poucas palavras, o enredo criado por Orwell e reproduzido, com
grande fidelidade, pelos roteiristas.
O mundo havia emergido
de uma guerra nuclear, que resultou numa divisão territorial do Planeta em
apenas três Estados, substituindo as mais de uma centena de países que existiam
antes do conflito bélico. Um deles era Oceania, cuja capital era Londres,
dominado por um partido único, com controle absoluto sobre a vida de todos os
cidadãos. Nele, era proibido, até mesmo, se apaixonar. Ali as emoções eram
ilegais. A libido foi banida. Havia, em
todo lugar, câmeras (e telas) de televisão, que eram uma espécie de olho do
governo para monitorar o que a população dizia, fazia ou até mesmo pensava.
Havia uma espécie de lavagem cerebral em massa. Eram exibidas, o tempo todo,
imagens mostrando as batalhas que Oceania travava em outros continentes. Mas as
notícias a respeito eram todas positivas. O Estado comandado pelo “Grande
Irmão” nunca perdia. Óbvio que as notícias eram manipuladas. Winston Smith
(papel interpretado por John Hurt) trabalhava em um departamento cuja função
era exatamente a de distorcer as informações, de sorte a que essas sempre
fossem positivas. Ou seja, favoráveis ao ditador, pintado como justo,
onisciente e invencível.
Tudo ia bem até que o
diligente funcionário, que vivia sozinho e dedicava-se de corpo e alma ao
“trabalho”, e exclusivamente a ele, interessou-se por uma colega, Julia (papel
interpretado por Suzanna Hamilton). Do simples interesse inicial, nasceu uma
amizade recíproca. E esta não tardou em transformar-se em paixão. O casal
passou a ter um relacionamento, desafiando o regime, pois isso era
expressamente proibido na ditadura de Big Brother. O mais... eu não digo.
Deixo, ao paciente leitor, a (deliciosa) tarefa de ler o livro ou assistir a
alguma das versões cinematográficas de “1984”.
Cito, a título de
curiosidade, um filme anterior baseado no livro de George Orwell, datado de
1956. Trata-se de uma produção da Columbia Pictures, com Edmond O’Brien e Jan
Sterling nos principais papéis. Todavia, para os críticos, a versão de Michael
Radford é muito mais fiel ao livro. Para o norte-americano Roger Ebert, por
exemplo, o filme inglês “penetra mais profundamente no coração das trevas da
obra”.
Pesquisando na
enciclopédia eletrônica Wikipédia, descobri algumas curiosidades sobre essa
produção cinematográfica. Uma delas, por exemplo, é que o filme começou a ser
rodado exatamente no dia em que começava o diário do principal personagem,
Winston Smith, ou seja, 4 de abril de 1984. Seria, apenas, coincidência ou foi
algo proposital, de caso ponsado? Não sei dizer! Outra coisa que merece menção
é que o ator Richard Burton (que foi casado com Elizabeth Taylor), faleceu, na
Suíça, apenas dois meses após a conclusão das filmagens. Por essa razão, o filme
de Michael Radford lhe foi dedicado.
Um aspecto, que
considero essencial – e que me proponho a abordar com mais vagar, oportunamente
– é o desencanto, na verdade repúdio, de George Orwell pelo comunismo
soviético. O escritor sempre deixou isso claro, quer nos artigos e ensaios que
escreveu, quer nas entrevistas que concedeu. Esse repúdio, essa verdadeira
ojeriza, remonta ao período da guerra civil espanhola, de 1936 a 1938, quando
pegou em armas e chegou a ser ferido em combate. Ele nunca perdoou o fato de
Josep Stalin não dar o devido apoio material e logístico, que dele se esperava,
aos republicanos. E muito menos a aliança dele, a seguir, com Adolf Hitler.
Orwell descreveu suas
experiências no front espanhol em um livro, praticamente desconhecido no
Brasil, considerado por muitos críticos como sua melhor obra. Muitos
consideram-no, até, uma das obras-primas da literatura de guerra de todos os
tempos, perdendo, talvez, apenas para “Adeus às armas” e “Por quem os sinos
dobram”, de Ernest Hemmingway. Ou, quem sabe, para “Guerra e Paz”, de Leon
Tolstoi ou para “Fui recruta de Napoleão!, de Victor Hugo. Trata-se de “Homenagem à Catalunha”. Nele,
Orwell expressa toda sua indignação com o Partido Comunista Espanhol, por
retirar o espaço dos demais grupos de esquerda que combatiam o general
Francisco Franco, respaldado por Adolf Hitler e por Benito Mussolini. Isso, na
sua avaliação, fortaleceu ainda mais o franquismo e levou os republicanos
espanhóis à derrocada.
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