Crônica natalina
informal (e irracional)
Pedro
J. Bondaczuk
O Natal, por se tratar
do assunto mais batido para quem lida com textos – mais especificamente,
escritores e jornalistas – é tremendo desafio para quem queira escrever algo
original. Por mais que você se esforce, acaba se limitando, sempre, a uma
espécie de “variação em torno de um mesmo tema”. As várias crônicas e os
diversos poemas que já li (e olhem que li, sem exagero, milhares deles)
diferem, uns dos outros, somente na forma. Quanto ao conteúdo... não há como
fugir destes clichês: presépio, ceia, espírito natalino, Papai Noel; os
solitários, doentes, encarcerados ou carentes impedidos pelas circunstâncias de
festejar; presentes; árvores enfeitadas, compras; reconciliações; excessos;
missa do galo etc.etc.etc. É isso ou nada. E não importa o gênero a que você
recorra. Varia a forma de exposição, mas o assunto é sempre o mesmo. E isso há
mais de dois mil anos. Como exigir, pois, originalidade?
Não são todos os
escritores que se arriscam a enveredar por esse tema, que exige o máximo de
criatividade para se redigir com mínimo de originalidade. É certo que tenho em
meus arquivos e na minha caótica biblioteca crônicas, contos e poemas de alguns
dos expoentes das letras nacionais (e mundiais, como Eça de Queiroz, Charles
Dickens e até o cético socialista Anatole France). Raros deles, todavia,
escreveram mais do que uma única peça literária sobre o assunto. Certamente não
quiseram se arriscar a cair no lugar comum, quando não descambar para o que há
de mais chato para um escritor consagrado que se preze: a pieguice. Queiram ou
não, o tema é perigosa armadilha desse tipo. Raros conseguem escapar dela. E os
que não escapam, repudiam, anos depois, essas esporádicas produções, tentando
impedir que voltem a público. Pelo sim, pelo não, a maioria nem tenta escrever a
respeito. E os que se arriscam, e tentam, se limitam a um ou outro texto e
olhem lá.
Tenho em meus arquivos,
que me lembre, crônicas de Rubem Braga (este, mestre de todos nós, conseguia
escapar da pieguice e do lugar comum fosse qual fosse o assunto abordado), de
Lygia Fagundes Telles, de Cecília Meirelles (que mesmo sendo poetisa, se
aventurou a redigir pelo menos uma crônica natalina), de Vinícius de Moraes, de
Mário Quintana, de Carlos Drummond de Andrade (sobretudo, poema), de Sérgio
Porto (o inigualavelmente bem-humorado Stanislaw Ponte Preta) de Cyro dos Anjos e de Luís Fernando
Veríssimo, dos que me lembro. Porém, embora sejam raros os escritores que
empreenderam esse tipo de “aventura”, tenho, em meus arquivos, em torno de um
milhar de textos natalinos deles. Está claro que não me lembraria de todos. Nem
haveria como! Embora tenha boa memória, ela não é tão precisa assim como
gostaria que fosse. Perde, por exemplo, até para a de qualquer elefante, ora
pois... Bem, aí é covardia.
Por estranho que pareça,
meu até aqui único e inacabado romance, que há uns nove anos luto para acabar,
acrescentando, cortando, tornando a acrescentar, voltando a cortar, em um
processo insano e sem fim, é justamente sobre esse tema. Bem, não é
propriamente sobre o Natal, pelo menos da forma como a maioria dos povos o
entende e o celebra. O título desse “parto da montanha” (provavelmente
provisório, ainda não decidi) é “O Sinterklaas de Roterdã”. Trata-se, ao final
e ao cabo, do verdadeiro Papai Noel (e não desse made in USA, criado, na década
de 20 do século passado, para fazer propaganda da Coca-Cola) no caso São
Nicolau, cultuado em boa parte da Europa. Reza a lenda que esse bispo de tempo
remotíssimo era useiro e vezeiro em presentear pessoas. “Sinterrklaass” é o
nome que lhe dão nos países baixos, ou seja, na Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
Fosse essa a nossa
tradição, o Natal já teria passado há vinte dias. A festa dedicada a essa
tradicional figura é comemorada em 5 de dezembro. Não vou sequer resumir, aqui,
o enredo do meu romance (que num esforço hercúleo juro que vou concluir, só não
sei se no ano que vem). Garanto, todavia, que é complexo (sou maluco por
desafios que nem sei se tenho capacidade de vencer). Contudo, holandeses,
belgas e luxemburgueses têm dois Natais. Um, é o festejo do desembarque do
Sinterklaas em suas principais cidades, que vem de navio, da Turquia,
distribuindo balas e doces às crianças, acompanhado de seu indefectível e fiel
servo mouro, Piet. E outro é este nosso, com ceia, peru e tudo o mais, e com o
mesmo Papai Noel made in USA nosso. Quem sai bem com isso é a gurizada.
Bem, enrolei, enrolei,
mas consegui redigir um texto natalino que foge do convencional, do clichê, do
lugar comum. Só não sei se vai interessar a alguém. Espero que sim. Quem sabe
se, com algumas taças de vinho na cabeça, o leitor, imbuído do tal espírito de
Natal, o leia com complacência e o considere, até, “genial”. Admito: isso já é
querer demais, mesmo que quem o vier a ler esteja, digamos, bêbado. Mas... quem
sabe? Vale a tentativa.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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