Friday, December 12, 2014

O alimento da esperança

Pedro J. Bondaczuk

As ilusões, embora muitos discordem, são necessárias e até indispensáveis para nosso equilíbrio mental e emocional. É verdade que nem todas. Já escrevi, e por várias vezes, a propósito, sem obter consenso dos que me lêem assiduamente. Nunca me iludi a esse propósito. Não faz mal. Não me considero dono da verdade que, ademais, não tem proprietários. As polêmicas, desde que em alto nível, são benéficas para a circulação e depuração de idéias. O poeta T. S. Eliot (que também citei, e neste mesmo contexto, um punhado de vezes), escreveu que “o ser humano não suporta a realidade, que é como o sol: não podemos olhar diretamente para ela sem que fiquemos cegos”. Para que não se caia em desespero, face  determinadas realidades, é fundamental que as temperemos com boa dose de ilusões.

Claro que não se pode descambar para extremos. Até a virtude, quando em demasia, tende a se transformar num mal: no da soberba. Afinal, o que vem a ser uma ilusão? No meu modo de entender, é uma visão falsa, ou distorcida, de alguém, de alguma coisa, de um conceito, de um acontecimento etc. Também se inclui, aí, a superestimação de nossas forças e de nossa capacidade para encarar determinado empreendimento. Quando descobrimos (se descobrirmos) o equívoco, surge um sentimento que não raro nos marca pelo resto da vida: a desilusão. Trata-se de um misto de raiva, de amargura, de frustração, de desgosto e, sobretudo, de decepção.

Mesmo dolorosa, porém, muitas vezes ela é preferível ao permanente engano. Mas nem sempre. Depende da natureza e da profundidade do “engano”. Na vida, nem tudo o que nos acontece pode ser levado na base do “pão, pão, queijo, queijo”. Seria tão errado nutrirmos ilusões, como tenho lido por aí? Bem, há ilusões e ilusões. Insisto, todavia, em afirmar: não, se as mantivermos intactas durante toda nossa vida, até o último suspiro. A realidade absoluta, nua e crua, é por demais feroz e não raro até escabrosa para a suportarmos integralmente. Não há um único ser humano que a resista do jeito que é. É, reitero, como a luz do sol. Se olharmos, fixamente, por cerca de um minuto ou menos, diretamente para a estrela que nos ilumina e dá vida, certamente ficaremos cegos. Sua luz é intensa demais para nossa retina.

São as ilusões que impulsionam as pessoas e as levam a trabalhar, de sol a sol, não raro em condições adversas, na doce certeza de que dias melhores virão, principalmente quando tudo indique que não virão jamais. E mesmo que tardem a chegar, ou não cheguem nunca, elas nos mantêm ativos e confiantes. Nesse aspecto, é oportuna e verdadeira a metáfora que as classificam como “o alimento essencial das esperanças”, que permite que elas não “morram de inanição”.  Não há quem não se iluda alguma vez com pessoas ou coisas. Victor Hugo observou, com sua costumeira competência, a respeito: “A alma tem ilusões, como o pássaro, asas. Isso é que a sustém”.Concordo sem restrições com o magnífico poeta.

Raciocinem comigo. Nossos sentidos, notadamente o da visão, nos iludem e, com muita freqüência (praticamente o tempo todo), nos induzem ao erro. Nem tudo o que vemos é, de fato, o que aparenta ser. E, não raro, cometemos enormes injustiças ao julgar uma pessoa apenas pela aparência, sem atentar para sua essência. Aliás, entendo que o mais correto é não julgarmos ninguém e nunca. Antes de apontarmos o dedo acusador para erros e vulnerabilidades alheios, temos que observar os nossos, que talvez sejam até maiores. Afinal, em sendo humanos, somos, basicamente, imperfeitos. Temos nossas vulnerabilidades, nossas fraquezas e nossos “calcanhares de Aquiles”.

Antoine Saint’Éxupery garante que “só se vê bem com o coração”. Não com o órgão físico em si, é evidente, mas com sentimento, com compreensão, com interesse e, quando for o caso, com compaixão.. O essencial para nossa vida – como a fé, a esperança, a bondade e a solidariedade entre outros – é invisível ao olhar. Só identificamos esses valores, que nos caracterizam como pessoas inteligentes, com o nobre instrumento da razão.

A juventude, particularmente, é o período da vida caracterizado, entre outras tantas coisas, por sonhos e  fantasias. Ou seja, por ilusões. É nessa fase que cultivamos os mais grandiosos ideais que, com o tempo, na maioria das vezes, se revelam não ser o que imaginávamos que fossem. O jovem julga-se (e sente-se) forte, invulnerável e indestrutível. Tudo lhe parece possível, quando na verdade muito pouco do que pensa fazer é realizável. Não nos compete, todavia, trazê-lo para a dura realidade. A vida se encarregará disso.

Ademais, são essas ilusões, não concretizadas em fatos, que irão compor o acervo das suas melhores lembranças no futuro. Elas são as molas-propulsoras para motivá-lo a estudar, a se preparar e a tentar realizar tudo o que sonha. Sem elas, o jovem simplesmente se entregaria à inércia, achando inútil qualquer ação por ela não o conduzir a lugar algum.

O leitor mais experiente – refiro-me ao maduro, ou que esteja ingressando (ou já tenha ingressado) no que é eufemisticamente tratado como “terceira idade” – sabe do que estou falando. Talvez pensando nisso (é o que presumo) é que o filósofo René Descartes tenha chegado a esta metafórica conclusão: “O alimento da juventude é a ilusão”. É ela, reitero, que alimenta a esperança e que impede que venhamos a desanimar face insucessos e obstáculos que nos pareçam intransponíveis, mas que raramente são.


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