O
alimento da esperança
Pedro J. Bondaczuk
As ilusões, embora muitos
discordem, são necessárias e até indispensáveis para nosso equilíbrio mental e
emocional. É verdade que nem todas. Já escrevi, e por várias vezes, a
propósito, sem obter consenso dos que me lêem assiduamente. Nunca me iludi a
esse propósito. Não faz mal. Não me considero dono da verdade que, ademais, não
tem proprietários. As polêmicas, desde que em alto nível, são benéficas para a
circulação e depuração de idéias. O poeta T. S. Eliot (que também citei, e
neste mesmo contexto, um punhado de vezes), escreveu que “o ser humano não
suporta a realidade, que é como o sol: não podemos olhar diretamente para ela
sem que fiquemos cegos”. Para que não se caia em desespero, face determinadas realidades, é fundamental que as
temperemos com boa dose de ilusões.
Claro que não se pode descambar
para extremos. Até a virtude, quando em demasia, tende a se transformar num
mal: no da soberba. Afinal, o que vem a ser uma ilusão? No meu modo de
entender, é uma visão falsa, ou distorcida, de alguém, de alguma coisa, de um
conceito, de um acontecimento etc. Também se inclui, aí, a superestimação de
nossas forças e de nossa capacidade para encarar determinado empreendimento.
Quando descobrimos (se descobrirmos) o equívoco, surge um sentimento que não
raro nos marca pelo resto da vida: a desilusão. Trata-se de um misto de raiva,
de amargura, de frustração, de desgosto e, sobretudo, de decepção.
Mesmo dolorosa, porém, muitas
vezes ela é preferível ao permanente engano. Mas nem sempre. Depende da
natureza e da profundidade do “engano”. Na vida, nem tudo o que nos acontece
pode ser levado na base do “pão, pão, queijo, queijo”. Seria tão errado
nutrirmos ilusões, como tenho lido por aí? Bem, há ilusões e ilusões. Insisto,
todavia, em afirmar: não, se as mantivermos intactas durante toda nossa vida,
até o último suspiro. A realidade absoluta, nua e crua, é por demais feroz e
não raro até escabrosa para a suportarmos integralmente. Não há um único ser
humano que a resista do jeito que é. É, reitero, como a luz do sol. Se
olharmos, fixamente, por cerca de um minuto ou menos, diretamente para a
estrela que nos ilumina e dá vida, certamente ficaremos cegos. Sua luz é
intensa demais para nossa retina.
São as ilusões que impulsionam as
pessoas e as levam a trabalhar, de sol a sol, não raro em condições adversas,
na doce certeza de que dias melhores virão, principalmente quando tudo indique
que não virão jamais. E mesmo que tardem a chegar, ou não cheguem nunca, elas
nos mantêm ativos e confiantes. Nesse aspecto, é oportuna e verdadeira a
metáfora que as classificam como “o alimento essencial das esperanças”, que
permite que elas não “morram de inanição”.
Não há quem não se iluda alguma vez com pessoas ou coisas. Victor Hugo
observou, com sua costumeira competência, a respeito: “A alma tem ilusões, como
o pássaro, asas. Isso é que a sustém”.Concordo sem restrições com o magnífico
poeta.
Raciocinem comigo. Nossos
sentidos, notadamente o da visão, nos iludem e, com muita freqüência
(praticamente o tempo todo), nos induzem ao erro. Nem tudo o que vemos é, de
fato, o que aparenta ser. E, não raro, cometemos enormes injustiças ao julgar
uma pessoa apenas pela aparência, sem atentar para sua essência. Aliás, entendo
que o mais correto é não julgarmos ninguém e nunca. Antes de apontarmos o dedo
acusador para erros e vulnerabilidades alheios, temos que observar os nossos,
que talvez sejam até maiores. Afinal, em sendo humanos, somos, basicamente,
imperfeitos. Temos nossas vulnerabilidades, nossas fraquezas e nossos
“calcanhares de Aquiles”.
Antoine Saint’Éxupery garante que
“só se vê bem com o coração”. Não com o órgão físico em si, é evidente, mas com
sentimento, com compreensão, com interesse e, quando for o caso, com
compaixão.. O essencial para nossa vida – como a fé, a esperança, a bondade e a
solidariedade entre outros – é invisível ao olhar. Só identificamos esses
valores, que nos caracterizam como pessoas inteligentes, com o nobre
instrumento da razão.
A juventude, particularmente, é o
período da vida caracterizado, entre outras tantas coisas, por sonhos e fantasias. Ou seja, por ilusões. É nessa fase
que cultivamos os mais grandiosos ideais que, com o tempo, na maioria das
vezes, se revelam não ser o que imaginávamos que fossem. O jovem julga-se (e
sente-se) forte, invulnerável e indestrutível. Tudo lhe parece possível, quando
na verdade muito pouco do que pensa fazer é realizável. Não nos compete,
todavia, trazê-lo para a dura realidade. A vida se encarregará disso.
Ademais, são essas ilusões, não
concretizadas em fatos, que irão compor o acervo das suas melhores lembranças
no futuro. Elas são as molas-propulsoras para motivá-lo a estudar, a se
preparar e a tentar realizar tudo o que sonha. Sem elas, o jovem simplesmente
se entregaria à inércia, achando inútil qualquer ação por ela não o conduzir a
lugar algum.
O leitor mais experiente –
refiro-me ao maduro, ou que esteja ingressando (ou já tenha ingressado) no que
é eufemisticamente tratado como “terceira idade” – sabe do que estou falando.
Talvez pensando nisso (é o que presumo) é que o filósofo René Descartes tenha
chegado a esta metafórica conclusão: “O alimento da juventude é a ilusão”. É
ela, reitero, que alimenta a esperança e que impede que venhamos a desanimar
face insucessos e obstáculos que nos pareçam intransponíveis, mas que raramente
são.
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