Friday, December 05, 2014

Reuniões de cúpula têm pouca valia


Pedro J. Bondaczuk

A reunião de cúpula, prevista para ser realizada neste ano, em Washington, entre o presidente norte-americano Ronald Reagan e o líder soviético Mikhail Gorbachev, ao que tudo indica, dificilmente irá acontecer. Mesmo a anterior, desenvolvida a partir de 19 de novembro de 1985, em Genebra, por pouco não foi por água abaixo.

O leitor certamente está lembrado que, às vésperas daquele encontro, coisas muito estranhas começaram a acontecer. Entre elas, apenas para citar um exemplo concreto, podemos mencionar o estranho caso de deserção de um marinheiro soviético em determinado porto dos Estados Unidos. Até hoje ninguém conhece com exatidão o que de fato aconteceu nesse incidente. Se esse cidadão realmente se arrependeu de seu ato de defecção ou se foi coagido a agir da maneira que agiu.

A rigor, por outro lado, a reunião de Genebra não acrescentou coisa alguma para a solução do principal problema entre as superpotências, ou seja, a maluca, insensata e surrealista corrida armamentista nuclear. Como de nada valeram, também, as reuniões, que já têm mais de um ano, entre as equipes negociadoras soviéticas e norte-americanas sobre a mesma questão. Até hoje não se chegou a um mínimo consenso acerca desse tema.

A única diferença que se notou, após a cúpula do ano passado, no relacionamento entre as superpotências, foi uma certa moderação no tom das mútuas ameaças e acusações. Hoje, Reagan e Gorbachev já não se xingam mais abertamente, como anteriormente. Fazem-no polidamente, embora a essência do que dizem seja rigorosamente idêntica ao que diziam antes.

Esse tratamento mais cortês, envolvendo, inclusive, algumas gentilezas periféricas (como a mútua permissão para que um líder fale pela televisão do país do outro) pode, até, nem ser conseqüência direta da reunião de Genebra e se prender à própria personalidade do novo governante russo. Qualquer pessoa que acompanhe política internacional certamente já deve ter percebido que o "estilo Gorbachev" de fazer política não lembra em nada nenhum de seus antecessores. Quando muito, talvez seja ligeiramente semelhante ao de Lenin. Seus modos, geralmente, primam pela sobriedade, embora sua determinação na busca dos objetivos a que se propôs possivelmente seja muito maior do que a de Stalin, de Kruschev, de Brezhnev, de Andropov e de Chernenko.

Outro aspecto a considerar é o motivo do encontro de cúpula, previsto para acontecer em Washington, estar quase condenado à não-realização. Ele decorre da quase ruptura de um acordo, conseguido a duríssimas penas, e que embora não ratificado, vinha sendo respeitado até aqui. É o que limita as armas nucleares estratégicas em ambos os arsenais conhecido como Salt-2 e que o presidente Ronald Reagan já avisou que vai desrespeitar nos próximos meses com o lançamento de uma nova geração de mísseis, sem que a anterior seja desmobilizada.

Certamente, sobre esse assunto, é muito mais fácil se condenar o armamentismo do que se fazer algo prático que o detenha. Estamos seguros, por exemplo, que o mais renitente dos pacifistas, se ocupasse o cargo de Reagan ou de Gorbachev, não conseguiria erradicar uma única arma. Não reduziria um só dos inúmeros mísseis dos vastos arsenais atômicos. Não interromperia programa algum, por menos importante que fosse, de produção acelerada de ogivas e de vetores. As pressões são insuportáveis.

Os interesses econômicos envolvidos na questão são grandes demais para deixarem de ser levados em conta. A indústria armamentista, por exemplo, emprega na atualidade milhões de pessoas, direta ou indiretamente. A cifra é impossível até de se estimar. Sua desmobilização acarretaria um desemprego de tamanhas proporções, que o caos social daí decorrente seria arrasador e de conseqüências imprevisíveis.

Portanto, não serão duas, três, dez ou cinqüenta reuniões de cúpula que irão deter a louca corrida mundial para a morte. Só mesmo um fortuito golpe de sorte ou quem sabe algum milagre conseguirá deter o processo. E Reagan e Gorbachev sabem disso, daí não estarem se empenhando com vigor para tal encontro.


(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 5 de junho de 1986)

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: