Sunday, December 07, 2014

Banalização da violência


Pedro J. Bondaczuk

A violência, seja qual for sua forma de manifestação, sempre esteve (e certamente sempre vai estar) entre as principais preocupações do ser humano, viva onde viver e em que tempo for. Ela é mais intensa e mais freqüente, logicamente, nas grandes cidades. A própria vida é evento essencialmente violento. Exagero? Atentem, pois, para o fato de que todos os seres vivos que não sejam vegetais alimentam-se outros que também sejam dotados de vida. Ou vocês conhecem algum animal que se alimente de minerais, de pedras, por exemplo? Não conheço nenhum. Eles não existem! Esta é uma das tantas coisas que nunca consegui entender e que duvido que algum dia consiga.

A violência, a mesma que repudiamos e que tanto desejamos debelar, é, também, “matéria-prima” de nossas obras literárias, sobretudo as de ficção. São raríssimos, por exemplo, romances, contos, novelas, peças teatrais etc. em que ela não se faça presente, em alguma de suas formas de manifestação. Não há como fugir disso, a menos que desejemos produzir obras do tipo “água com açúcar” que dificilmente atrairão leitores, por serem absurdamente inverossímeis.

Não estou condenando este procedimento, que igualmente adoto. O que me incomoda, porém, é o fato de determinados escritores, consciente ou inconsciente, fazerem sua apologia, dando a entender (quando não explicitam isso), que ela se justifique e seja até uma espécie de “virtude” em determinadas circunstâncias. Todavia, ela não se justifica jamais. Não há como negar que a violência sempre se constituiu em realidade onipresente em nosso cotidiano. Afinal, como destaquei, toda vida se alimenta de outra vida. Ou seja, é um evento de violência. Isso não quer dizer que, no meu íntimo, me conforme com tal realidade. Não me conformo e jamais me conformarei, embora se trate de algo que estou seguro de que jamais conseguirei mudar.

Aliás, a mínima lógica indica que o mundo tende a se tornar crescentemente mais violento, a despeito disso que entendemos por “civilização”. E por que chego a essa aparentemente pessimista conclusão? Simples. Em decorrência da própria (e talvez incontrolável) multiplicação de pessoas neste planeta relativamente pequeno. Havendo mais gente, aumenta, lógico, pelo menos na mesma proporção, o potencial de violência na Terra, por uma série de motivos (e até mesmo sem nenhum). Foram necessários 13 mil anos (ou mais) para que chegássemos ao primeiro bilhão de habitantes. Todavia, para que essa cifra se multiplicasse por sete, bastaram menos de cem anos. E é impossível projetar quantos seremos em dez, vinte ou cinqüenta anos.

As pessoas têm a tendência de achar que sua época é a pior de todas, seja em que aspecto for, principalmente no que se refere à violência. Isso é natural e facilmente observável. No ponto de vista quantitativo, dependendo em que tempo viveram (ou vivem), têm razão.  O ser humano, no entanto, na sua condição de animal, é, e sempre foi, violento por natureza e instinto (aliás, trata-se do espécime mais brutal e destrutivo de todos os seres viventes), tenha o grau cultural, a condição econômica ou a formação moral e intelectual que tiver. Quem se der o trabalho de consultar arquivos de jornais, irá constatar que exigências por maior segurança em nossas cidades, por exemplo, sempre figuraram entre as  reivindicações prioritárias dos cidadãos, desde que surgiu a imprensa, para registrar queixas, anseios e preocupações. E antes, os moradores viviam seguros? Ora, ora, ora...

Claro que os motivos de cobranças do início do século passado, por exemplo, eram muito diferentes dos atuais. Naquela época, homicídios eram ocorrências de extrema raridade. Quando aconteciam, não passavam de um ou dois por ano e, por isso, causavam choque maior quando se verificavam, pois ganhavam repercussão até exagerada. Hoje, as mortes violentas foram banalizadas. Não ocorrem, como até há pouco, esporadicamente, à razão de uma por ano ou mesmo por semestre. O cômputo nem é mais mensal ou mesmo semanal, mas diário, e ameaça se tornar horário (se é que já não se chegou a este patamar). As mortes violentas parecem, por conseguinte, não chocar mais ninguém, a não ser os parentes das vítimas, óbvio, ou o restante da população apenas pelo acúmulo delas.

Não há, portanto, nenhum exagero nas exigências crescentes (e justíssimas) das pessoas por um pouquinho que seja de segurança. Os homicídios já são a maior causa de mortes, sobretudo de homens, dos 15 aos 39 anos de idade, conforme demonstram meticulosos e confiáveis estudos, que existem até em profusão. Não é preciso ser nenhuma "cassandra de mau agouro", ou sequer pessimista, e nem mesmo  ser adivinho ou ter bola de cristal, para prever que essas trágicas marcas tendem a ser crescentemente superadas, multiplicadas por dois, por três, por cinco por dez ou sabe-se lá por quanto de vítimas. Lamentável...

Entendo que a questão não é sequer quantitativa. Uma única pessoa que perca, prematuramente, a vida já se constitui em irremediável tragédia, tanto para sua família (o que é mais do que natural), quanto para toda a sociedade e, por que não dizer, até para a humanidade. Pior quando isso acontece de forma violenta. A vítima, caso sobrevivesse, tanto poderia ser agente de tragédias, quanto a salvadora de milhares de vidas. O herói e o carrasco, quase sempre, são frutos das circunstâncias.  Eliminada essa pessoa, nunca se poderá saber o que ela faria se permanecesse viva: se o bem ou se o mal.

É necessária ampla, consistente e contínua campanha de valorização da vida. Faz-se indispensável, e urgente, um desarmamento coletivo, tanto das armas de quaisquer tipos ou natureza (cuja única utilidade é a de ferir e não raro de matar), mas também dos espíritos. Essa maciça conscientização é uma das tarefas (se não a principal) dos meios de comunicação, cujo papel social não se esgota, somente, como muitos imaginam, no mero ato de informar (embora se trate de função das mais nobres, relevantes e necessárias).

É missão da imprensa, mas também de escritores, "formar" opiniões (e impedir que estas sejam deformadas) para que se cristalizem convicções nobres e construtivas de respeito, solidariedade e cooperação no espírito da população. Combater a violência, em todas suas formas e manifestações (tanto a nossa quanto a de nossos semelhantes) é, portanto, obrigação de todos, sem qualquer exceção, sob pena de amanhã, por motivos banais (em geral são), qualquer um de nós se tornar ou um homicida ou (o que é mais provável), vítima. Mesmo que seja tarefa inglória e até inútil (temo que seja) é nosso dever tentar acabar com a banalização da violência, que em vez de diminuir, cresce em progressão geométrica. E olhem que nem mesmo mencionei as guerras!


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: