Banalização da violência
Pedro J. Bondaczuk
A
violência, seja qual for sua forma de manifestação, sempre esteve (e certamente
sempre vai estar) entre as principais preocupações do ser humano, viva onde
viver e em que tempo for. Ela é mais intensa e mais freqüente, logicamente, nas
grandes cidades. A própria vida é evento essencialmente violento. Exagero?
Atentem, pois, para o fato de que todos os seres vivos que não sejam vegetais
alimentam-se outros que também sejam dotados de vida. Ou vocês conhecem algum
animal que se alimente de minerais, de pedras, por exemplo? Não conheço nenhum.
Eles não existem! Esta é uma das tantas coisas que nunca consegui entender e
que duvido que algum dia consiga.
A
violência, a mesma que repudiamos e que tanto desejamos debelar, é, também,
“matéria-prima” de nossas obras literárias, sobretudo as de ficção. São
raríssimos, por exemplo, romances, contos, novelas, peças teatrais etc. em que
ela não se faça presente, em alguma de suas formas de manifestação. Não há como
fugir disso, a menos que desejemos produzir obras do tipo “água com açúcar” que
dificilmente atrairão leitores, por serem absurdamente inverossímeis.
Não
estou condenando este procedimento, que igualmente adoto. O que me incomoda,
porém, é o fato de determinados escritores, consciente ou inconsciente, fazerem
sua apologia, dando a entender (quando não explicitam isso), que ela se
justifique e seja até uma espécie de “virtude” em determinadas circunstâncias.
Todavia, ela não se justifica jamais. Não há como negar que a violência sempre
se constituiu em realidade onipresente em nosso cotidiano. Afinal, como
destaquei, toda vida se alimenta de outra vida. Ou seja, é um evento de
violência. Isso não quer dizer que, no meu íntimo, me conforme com tal
realidade. Não me conformo e jamais me conformarei, embora se trate de algo que
estou seguro de que jamais conseguirei mudar.
Aliás,
a mínima lógica indica que o mundo tende a se tornar crescentemente mais
violento, a despeito disso que entendemos por “civilização”. E por que chego a
essa aparentemente pessimista conclusão? Simples. Em decorrência da própria (e
talvez incontrolável) multiplicação de pessoas neste planeta relativamente
pequeno. Havendo mais gente, aumenta, lógico, pelo menos na mesma proporção, o
potencial de violência na Terra, por uma série de motivos (e até mesmo sem
nenhum). Foram necessários 13 mil anos (ou mais) para que chegássemos ao
primeiro bilhão de habitantes. Todavia, para que essa cifra se multiplicasse
por sete, bastaram menos de cem anos. E é impossível projetar quantos seremos
em dez, vinte ou cinqüenta anos.
As
pessoas têm a tendência de achar que sua época é a pior de todas, seja em que
aspecto for, principalmente no que se refere à violência. Isso é natural e
facilmente observável. No ponto de vista quantitativo, dependendo em que tempo
viveram (ou vivem), têm razão. O ser
humano, no entanto, na sua condição de animal, é, e sempre foi, violento por
natureza e instinto (aliás, trata-se do espécime mais brutal e destrutivo de
todos os seres viventes), tenha o grau cultural, a condição econômica ou a
formação moral e intelectual que tiver. Quem se der o trabalho de consultar
arquivos de jornais, irá constatar que exigências por maior segurança em nossas
cidades, por exemplo, sempre figuraram entre as
reivindicações prioritárias dos cidadãos, desde que surgiu a imprensa,
para registrar queixas, anseios e preocupações. E antes, os moradores viviam
seguros? Ora, ora, ora...
Claro
que os motivos de cobranças do início do século passado, por exemplo, eram
muito diferentes dos atuais. Naquela época, homicídios eram ocorrências de
extrema raridade. Quando aconteciam, não passavam de um ou dois por ano e, por
isso, causavam choque maior quando se verificavam, pois ganhavam repercussão
até exagerada. Hoje, as mortes violentas foram banalizadas. Não ocorrem, como
até há pouco, esporadicamente, à razão de uma por ano ou mesmo por semestre. O
cômputo nem é mais mensal ou mesmo semanal, mas diário, e ameaça se tornar
horário (se é que já não se chegou a este patamar). As mortes violentas
parecem, por conseguinte, não chocar mais ninguém, a não ser os parentes das
vítimas, óbvio, ou o restante da população apenas pelo acúmulo delas.
Não
há, portanto, nenhum exagero nas exigências crescentes (e justíssimas) das
pessoas por um pouquinho que seja de segurança. Os homicídios já são a maior
causa de mortes, sobretudo de homens, dos 15 aos 39 anos de idade, conforme
demonstram meticulosos e confiáveis estudos, que existem até em profusão. Não é
preciso ser nenhuma "cassandra de mau agouro", ou sequer pessimista,
e nem mesmo ser adivinho ou ter bola de
cristal, para prever que essas trágicas marcas tendem a ser crescentemente
superadas, multiplicadas por dois, por três, por cinco por dez ou sabe-se lá
por quanto de vítimas. Lamentável...
Entendo
que a questão não é sequer quantitativa. Uma única pessoa que perca,
prematuramente, a vida já se constitui em irremediável tragédia, tanto para sua
família (o que é mais do que natural), quanto para toda a sociedade e, por que
não dizer, até para a humanidade. Pior quando isso acontece de forma violenta.
A vítima, caso sobrevivesse, tanto poderia ser agente de tragédias, quanto a
salvadora de milhares de vidas. O herói e o carrasco, quase sempre, são frutos
das circunstâncias. Eliminada essa
pessoa, nunca se poderá saber o que ela faria se permanecesse viva: se o bem ou
se o mal.
É
necessária ampla, consistente e contínua campanha de valorização da vida.
Faz-se indispensável, e urgente, um desarmamento coletivo, tanto das armas de
quaisquer tipos ou natureza (cuja única utilidade é a de ferir e não raro de
matar), mas também dos espíritos. Essa maciça conscientização é uma das tarefas
(se não a principal) dos meios de comunicação, cujo papel social não se esgota,
somente, como muitos imaginam, no mero ato de informar (embora se trate de
função das mais nobres, relevantes e necessárias).
É
missão da imprensa, mas também de escritores, "formar" opiniões (e
impedir que estas sejam deformadas) para que se cristalizem convicções nobres e
construtivas de respeito, solidariedade e cooperação no espírito da população.
Combater a violência, em todas suas formas e manifestações (tanto a nossa
quanto a de nossos semelhantes) é, portanto, obrigação de todos, sem qualquer
exceção, sob pena de amanhã, por motivos banais (em geral são), qualquer um de
nós se tornar ou um homicida ou (o que é mais provável), vítima. Mesmo que seja
tarefa inglória e até inútil (temo que seja) é nosso dever tentar acabar com a
banalização da violência, que em vez de diminuir, cresce em progressão
geométrica. E olhem que nem mesmo mencionei as guerras!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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