Raízes do apartheid
Pedro J.
Bondaczuk
O resultado das eleições parlamentares sul-africanas,
destinadas apenas para os brancos, veio confirmar tudo o que sempre se disse, e
sempre se soube, acerca do regime racista desse país. O “apartheid” jamais será
abolido por meios pacíficos, já que a minoria racial da África do Sul tem uma
convicção profundamente arraigada da sua pretensa superioridade (mental e
religiosa) sobre os nativos. Interpreta o seu domínio sobre os quase 25 milhões
de negros do país como sendo uma “missão divina”, algo que não pode, e não
deve, ser alterado por ninguém.
Não é o crítico que diz isto ou
que tira ilações precipitadas de uma conjuntura, que conhece apenas à
distância. Essa idéia está na base de todo o sistema discriminatório, implantado
há 39 anos (em 1948), quando o Partido Nacional, que acaba de vencer mais uma
eleição, elegendo 122 dos 166 integrantes do novo Parlamento, ascendeu ao
poder, liderado por Daniel François Malan.
Mas os conflitos entre os brancos
sul-africanos, descendentes dos holandeses (que são chamados de “affrikaners”)
e os nativos negros, não vêm dessa época, apesar de que foi a partir daí que a
segregação racial foi estabelecida por lei. Esses choques remontam ao século
XVII, quando os primitivos europeus estabeleceram uma colônia na Província do
Cabo.
O “apartheid” fundamenta-se em
três princípios: 1º) A cultura ocidental (embora com o avanço dos meios de
comunicação ela já não sirva mais de distintivo para ninguém, tamanha tem sido
a sua difusão); 2º) A moralidade cristã (que os negros também têm, já que um
expressivo número deles professa a fé anglicana) e 3º) A identidade racial
específica, ou seja, a cor da pele.
Mas o próprio Daniel Malan, que
implementou a segregação racial, mantendo a parte majoritária da população com
a função única de servir de mão-de-obra barata e abundante, explicou o
seguinte, acerca deste último item: “A diferença de cor é meramente a
manifestação física de dois modos de vida irreconciliáveis”.
O resultado eleitoral divulgado
ontem mostra que não era apenas esse líder do Partido Nacional, nem foram
outros que o sucederam no correr do tempo (com grau maior ou menor de
radicalismo) que pensavam assim. Os quatro milhões de brancos sul-africanos
também entendem, em sua grande maioria, a questão dessa forma.
Caso não entendessem, não teriam
outorgado tamanha soma de votos aos segregacionistas, chegando o requinte de
desbancar os liberais de sua condição de segunda maior bancada no Parlamento.
Doravante, tal primazia será dos ultradireitistas, que acham que o atual
presidente, Pieter Wilhelm Botha, faz “concessões em demasia aos negros”.
Em 1985, quando foi criada uma
câmara para os mestiços e asiáticos, o ex-primeiro-ministro, Hendrick Verwoerd,
tentando explicar a razão de não se agir da mesma forma em relação à maioria
esmagadora da população (aliás, os donos legítimos desse território, pois seus
antepassados residiam lá antes que sequer se cogitasse no nascimento da Holanda
no concerto europeu) disse: “O bantu (negro) deve ser orientado para servir sua
própria comunidade.. Não há lugar para ele na comunidade européia (branca),
além de certos tipos de trabalho braçal”.
Observe-se que a proporção de um
para seis, em termos populacionais, em favor dos dominados, não quer dizer
muita coisa. Os “affrikaners”, embora em número menor, dispõem, hoje, de um dos
aparatos bélicos e repressivos mais formidáveis do mundo em termos de
eficiência.
O que deverá ocorrer, mais cedo
ou mais tarde, será uma conflagração racial sem precedentes na história, envolvendo
não somente os negros da África do Sul, mas os de praticamente todo o
continente, solidários com a humilhação de seus irmãos. Por isso, não houve
exagero algum de Desmond Tutu quando previu que a noite, sem lua e sem
estrelas, estava descendo sobre o seu país. Oxalá estivesse errado...
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 8
de maio de 1987).
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