Falsos “combatentes da liberdade”
Pedro J. Bondaczuk
A Casa Branca, nos últimos
dias, vem desenvolvendo uma febril atividade propagandística, através,
principalmente, do presidente Ronald Reagan e do secretário de Estado, George
Shultz, para demonstrar que os anti-sandinistas da Nicarágua “são combatentes
da liberdade” e que o atual regime de Manágua “é indecente e por isso tem que
ser removido”.
E
todo esse corre-corre tem uma explicação muito simples: nesta semana expira uma
proibição do Congresso de ajuda aos rebeldes nicaragüenses, que já receberam
US$ 80 milhões de recursos da CIA desde 1981 e não conseguiram ainda conquistar
um único milímetro de território do seu país.
E
se não o fizeram (é evidente até para a pessoa mais bronca do mundo), é porque
não contam com o mínimo respaldo da população, que não quer ver nem pintados de
ouro os ex-guardas somozistas, qualificados de “irmãos” por Ronald Reagan.
O
que choca o observador é o cinismo com que se joga com vidas alheias. O
presidente norte-americano justifica (ou tenta justificar) a sua ira contra os
sandinistas, dizendo que eles não respeitam os direitos humanos, não realizam
eleições (ignorando, deliberadamente, o pleito de 4 de novembro passado,
considerado “limpo” até pelos mais exigentes fiscais internacionais) e que
perseguem a oposição.
No
entanto, na Sexta-feira passada, o secretário de Estado assistente dos EUA,
Langhorne Motley, deu apoio formal ao regime chileno do general Augusto
Pinochet, numa atitude que causou muito mal-estar entre a própria opinião
pública norte-americana ao declara que o “Chile está em boas mãos”.
Uma
dedução óbvia que se faz é que a Casa Branca deseja para a Nicarágua um destino
semelhante aos dos nossos desditosos irmãos sul-americanos. Um governo que
efetue prisões em massa, governe com rígida censura na imprensa, faça
deportações descabidas e mantenha o país em permanente estado de sítio, com
raros hiatos entre uma e outra onda de exacerbação repressiva. É nessas “boas
mãos” que se encontra o Chile.
Aliás,
as contradições de Reagan são inúmeras e saltam aos olhos que qualquer leitor
mediano das páginas de noticiário internacional. Por exemplo, mostra-se um
inimigo acérrimo dos guerrilheiros salvadorenhos, aos quais não mede esforços
para destruir, mas aprova um movimento semelhante ao que reprova em El Salvador
na Nicarágua.
Faz
seguidas invectivas pela imprensa contra o terrorismo (no que recebe o apoio e
os elogios das pessoas de bom senso), mas, contraditoriamente, permite a
impressão e distribuição, por parte da CIA, de um manual em que se ensinam
métodos de seqüestro e de atemorização de civis nicaragüenses. E poderíamos
desfiar um rosário interminável de outras gafes presidenciais, cometidas desde
20 de janeiro de 1981, data da sua primeira posse na Casa Branca.
O
que é trágico, em tudo isso, é o sacrifício de vidas inocentes, apenas para que
um governante de superpotência faça “laboratório” político. E a crescente
desorganização social, num continente que ficou miserável após o contato dos
seus habitantes originais, os outrora orgulhosos e prósperos indígenas
centro-americanos, com os primeiros europeus, após a descoberta da América por
Colombo.
Segundo
concluíram os bispos da América Central, no Sábado passado, após a reunião de
cinco dias realizada em Tegucigalpa para debater os problemas continentais,
existem, na região, mais de um milhão de refugiados, em conseqüência da
instabilidade política reinante na área.
No
final, a conclusão a que se chega é que, diante de tanto descaso com que
aqueles povos são há quase cinco séculos tratados, melhor seria se as caravelas
do navegador genovês jamais tivessem tocado o continente, deixando de revelar,
assim, a existência desse Novo Mundo...
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 26 de fevereiro
de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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