Tuesday, December 02, 2014

Falsos “combatentes da liberdade”


Pedro J. Bondaczuk


A Casa Branca, nos últimos dias, vem desenvolvendo uma febril atividade propagandística, através, principalmente, do presidente Ronald Reagan e do secretário de Estado, George Shultz, para demonstrar que os anti-sandinistas da Nicarágua “são combatentes da liberdade” e que o atual regime de Manágua “é indecente e por isso tem que ser removido”.

E todo esse corre-corre tem uma explicação muito simples: nesta semana expira uma proibição do Congresso de ajuda aos rebeldes nicaragüenses, que já receberam US$ 80 milhões de recursos da CIA desde 1981 e não conseguiram ainda conquistar um único milímetro de território do seu país.

E se não o fizeram (é evidente até para a pessoa mais bronca do mundo), é porque não contam com o mínimo respaldo da população, que não quer ver nem pintados de ouro os ex-guardas somozistas, qualificados de “irmãos” por Ronald Reagan.

O que choca o observador é o cinismo com que se joga com vidas alheias. O presidente norte-americano justifica (ou tenta justificar) a sua ira contra os sandinistas, dizendo que eles não respeitam os direitos humanos, não realizam eleições (ignorando, deliberadamente, o pleito de 4 de novembro passado, considerado “limpo” até pelos mais exigentes fiscais internacionais) e que perseguem a oposição.

No entanto, na Sexta-feira passada, o secretário de Estado assistente dos EUA, Langhorne Motley, deu apoio formal ao regime chileno do general Augusto Pinochet, numa atitude que causou muito mal-estar entre a própria opinião pública norte-americana ao declara que o “Chile está em boas mãos”.

Uma dedução óbvia que se faz é que a Casa Branca deseja para a Nicarágua um destino semelhante aos dos nossos desditosos irmãos sul-americanos. Um governo que efetue prisões em massa, governe com rígida censura na imprensa, faça deportações descabidas e mantenha o país em permanente estado de sítio, com raros hiatos entre uma e outra onda de exacerbação repressiva. É nessas “boas mãos” que se encontra o Chile.

Aliás, as contradições de Reagan são inúmeras e saltam aos olhos que qualquer leitor mediano das páginas de noticiário internacional. Por exemplo, mostra-se um inimigo acérrimo dos guerrilheiros salvadorenhos, aos quais não mede esforços para destruir, mas aprova um movimento semelhante ao que reprova em El Salvador na Nicarágua.

Faz seguidas invectivas pela imprensa contra o terrorismo (no que recebe o apoio e os elogios das pessoas de bom senso), mas, contraditoriamente, permite a impressão e distribuição, por parte da CIA, de um manual em que se ensinam métodos de seqüestro e de atemorização de civis nicaragüenses. E poderíamos desfiar um rosário interminável de outras gafes presidenciais, cometidas desde 20 de janeiro de 1981, data da sua primeira posse na Casa Branca.

O que é trágico, em tudo isso, é o sacrifício de vidas inocentes, apenas para que um governante de superpotência faça “laboratório” político. E a crescente desorganização social, num continente que ficou miserável após o contato dos seus habitantes originais, os outrora orgulhosos e prósperos indígenas centro-americanos, com os primeiros europeus, após a descoberta da América por Colombo.

Segundo concluíram os bispos da América Central, no Sábado passado, após a reunião de cinco dias realizada em Tegucigalpa para debater os problemas continentais, existem, na região, mais de um milhão de refugiados, em conseqüência da instabilidade política reinante na área.

No final, a conclusão a que se chega é que, diante de tanto descaso com que aqueles povos são há quase cinco séculos tratados, melhor seria se as caravelas do navegador genovês jamais tivessem tocado o continente, deixando de revelar, assim, a existência desse Novo Mundo...

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 26 de fevereiro de 1985).


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