Saturday, December 20, 2014

Choque dentro do governo



Pedro J. Bondaczuk


O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, foi brilhante, ao anunciar seu plano de estabilização econômica, o primeiro a aplicar um choque “dentro” do governo, ao invés de subverter as regras vigentes na sociedade.

Expôs com clareza e concisão, de forma incansável – foram incontáveis as entrevistas que concedeu a jornais e emissoras de rádio e televisão – as diretrizes propostas, que do ponto de vista técnico, são rigorosamente corretas. Não se valeu de linguagem cifrada e nem lançou mão daquela arrogância pedante com que seus antecessores se dirigiam à sociedade quando do anúncio dos pacotes anteriores.

Fernando Henrique Cardoso falou, falou e falou, com uma paciência de Jó, respondendo, com respeito e com clareza, a todas as perguntas, mesmo as mais ingênuas e óbvias, feitas pelos repórteres. Se o plano vai ou não dar certo, dependerá do comportamento dos políticos.

Os governadores, os prefeitos e principalmente os congressistas precisam deixar de lado, neste momento, suas ambições eleiçoeiras e pensar no País. Nos 34 milhões de indigentes, que hoje já não são somente descamisados, mas não têm um teto para lhes cobrir a cabeça e, o que é pior, a garantia do próprio alimento que lhes mantenha a vida.

Não se trata de uma questão de governo, de partido ou de ideologia. Caso a economia seja saneada, a inflação contida e o Brasil volte a crescer, com a geração de milhares de novos empregos, o êxito não será de Fernando Henrique, do presidente Itamar Franco ou do partido x ou y. O sucesso será de toda a sociedade. O País estará rompendo o círculo vicioso do subdesenvolvimento e estabelecendo o círculo virtuoso do crescimento econômico, como o deputado José Serra costuma afirmar.

À imprensa cabe, mais uma vez, o papel que os meios de comunicação vêm exercendo tão bem nos últimos tempos: o de investigar falcatruas, denunciar negociatas, trazer a público sabotagens contra a economia popular, atuar como os olhos, ouvidos e a voz da cidadania.

O próprio ministro da Fazenda deixou claro que seu plano não é uma panacéia para todos os nossos males. Trata-se de um primeiro passo, que convém ser seguido de muitos, muitíssimos outros.

Fernando Henrique ressaltou, num dos seus inúmeros pronunciamentos: “Não haverá mágica, não haverá tiro certeiro”. Aliás, não se conhece na história o caso de nenhum país, em qualquer época que seja, que tenha logrado vencer a inflação mediante decreto.

Trata-se de uma tarefa espinhosa, frustrante, cheia de idas e vindas, que demanda tempo e exige empenho de todos os agentes econômicos. O ministro goza de credibilidade que nenhum dos seus antecessores teve e se comprometeu a não esconder nada dos brasileiros, e a falar com franqueza dos obstáculos que certamente irá enfrentar.

Tomara que não venha a frustrar, mais uma vez, as expectativas da população, tão desencantada com tudo o que vem acontecendo desde o início da década de 80. Pressões dos que fazem da vida pública um trampolim para satisfazer interesses pessoais ou de grupos, certamente virão.

Boicote dos dogmáticos e daqueles que fazem das ideologias uma espécie de “mantra” sagrado é também previsível. Oxalá Fernando Henrique supere tudo isso. Pois, como ele próprio assinalou, “pressões representam o gosto da vida”.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 16 de junho de 1993).


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