Flagelo
do século
Pedro J. Bondaczuk
A
produção, tráfico e consumo de drogas é considerado, ao lado do terrorismo e da
miséria, um dos maiores flagelos mundiais nesta virada de terceiro milênio. O
número de usuários continua crescendo no mundo todo, por razões diversas,
afetando em especial a juventude. Os grandes cartéis de narcotraficantes
movimentam imensas somas em dinheiro, estimadas ao redor de US$ 500 bilhões
anuais (desconfio que essas cifras sejam muito maiores), nesse comércio da
morte. Esse fenômeno incrementa a violência urbana a patamares intoleráveis e
traz enormes dispêndios aos sistemas de saúde. Isto sem falar na tragédia
pessoal que o vício representa.
Nós,
que vivemos de Literatura, podemos (e devemos) dar nossa contribuição para o combate
deste flagelo que, em vez de dar mínima mostra de estar sendo vencido, pelo
contrário, avança dia após dia, desgraçando a vida de milhões de pessoas mundo
afora. Mas sem cairmos na tentação de fazermos “sermões” a propósito, que só
espantam os potenciais usuários, ou seja, os jovens, como tantas pessoas bem
intencionadas fazem, sem resultado. Apenas boa intenção não basta nesta guerra
sem quartel que a humanidade está perdendo.. Temos, dada nossa experiência com
textos, recursos eficazes suficientes de convencimento que, todavia, por alguma
razão (para mim inexplicável) não utilizamos para este fim.
O
tema é para lá de atual e oportuno e tende a render excelentes dividendos para
todas as partes, desde que tratado com competência e com criatividade. Raros
escritores exploram-no. E os poucos que tratam dele, desgraçadamente, fazem
apologia do vício, como se fosse coisa boa que, obviamente, não é. Entre as
drogas mais letais e de maior consumo, destaca-se, de uns anos para cá, o
crack. O primeiro estudo feito no País sobre o uso dessa substância, há já bom
tempo – a cargo da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade
Federal de São Paulo – revelou que a mortalidade entre seus usuários era quase
13 vezes maior, pelo menos em São Paulo, em comparação com a de dependentes em
geral no mundo. Dos 103 viciados internados em 1993 no Hospital Geral de
Taipas, tomados por base no estudo, 12,3% morreram. Só 30% conseguiram
recuperar-se. A pesquisa mostrou ainda que o uso de crack estava intimamente relacionado
com a violência. Dos 13 mortos, sete tiveram morte violenta. Dados mais
recentes não diferem muito destes, coletados há mais de duas décadas
O
combate desse flagelo, portanto, não pode ficar restrito às autoridades de
segurança (na repressão ao tráfico), de saúde (na recuperação dos viciados) e
da área social (na sua reintegração). É tarefa de todas as pessoas de bom
senso, que amam a vida e que crêem na sua transcendência. E entre estas, claro,
estão (ou estamos) os escritores. O crack, droga formada por resíduos da
cocaína, cada vez mais popular país afora, consumida em larguíssima escala, é
sumamente perversa e letal, terrível veneno. Médicos constataram que esse
tóxico causa efeitos irreversíveis sobre o coração e principalmente o cérebro.
Os consumidores da substância, portanto, têm expectativa de vida curtíssima.
Alguns especialistas chegam a arriscar que a morte sobrevém, no máximo, em um
ano e meio. Isto sem contar óbitos provocados por brigas entre traficantes ou
por tiroteios em que viciados se envolvem, durante assaltos para
"financiar" o vício.
Esse
tóxico vem juntar-se à cola de sapateiro, ainda vastamente consumida por
crianças, algumas de apenas oito anos de idade e se torna uma praga a mais que
precisa ser erradicada. Mas quem o fará? O menor abandonado, a rigor, apenas é
lembrado em épocas de campanha política por candidatos aos vários cargos
públicos. O tema rende votos, dá cartaz, mas poucos têm se preocupado, e mais
do que isso, feito algo de efetivo para tirar essas pessoas das ruas, lhes dar
alguma perspectiva de vida, que não seja a marginalidade e evitar morte
precoce. Além de viciados, muitos desses meninos se transformam em traficantes,
em troca do crack, levando companheiros de infortúnio a compartilhar do vício.
A
despeito de campanhas, palestras, artigos e toda a espécie de alertas feitos
por diversos meios, mais e mais jovens continuam se viciando, cometendo esse
lento e doloroso suicídio, e enriquecendo os grandes cartéis do crime
organizado. Em determinadas cidades, por exemplo, há pontos de venda de crack
em tamanha profusão quanto há de botequins vendendo bebidas alcoólicas. Aliás,
ambas as drogas transformam seres humanos brilhantes, gente útil e produtiva,
em pessoas inúteis para a família, para os amigos, para a sociedade e até (e
principalmente) para si próprias.
Por
maiores que sejam as campanhas para a erradicação das plantações de coca, de
papoula, de maconha e de outras matérias-primas para entorpecentes, estas
prosseguem se multiplicando a uma velocidade estonteante. Para cada pé dessas
plantas arrancado, são plantados, em média, três. E por quê? Porque a procura
pelos tóxicos segue aumentando. E o esquema do vício é sempre o mesmo. Os
futuros “zumbis”, ou mortos-vivos de amanhã, são aliciados em portas de escolas,
de clubes e de outros locais freqüentados em especial por adolescentes. A
princípio, as drogas são oferecidas gratuitamente. Os asquerosos agentes de
corrupção procuram passar a idéia para os garotões de que o uso dos produtos
que querem impingir é “coisa para homem”.
Falam
com um hipócrita entusiasmo dos “efeitos maravilhosos” que tais substâncias vão
lhes causar, mesmo sabendo que não há qualquer maravilha no vício. Indefesos,
muitas vezes precisando se auto-afirmar em virtude do tratamento equivocado que
recebem dos pais (que procuram “comprar” os filhos ao invés de lhes dedicar
genuíno afeto), esses quase meninos findam por ceder aos apelos dos
aliciadores. E com isso, decretam, na maioria das vezes, seu próprio fim.
Autocondenam-se à morte, lenta, sofrida, dolorosa, angustiante, repleta de
medos e de delírios.
E
o que acontece com os bandidos que estão por trás de tudo isso? Não me refiro
aos “mulas”, que transportam a droga. Não aos “bagrinhos”, que as vendem. Não
aos pés de chinelo, que aliciam novos viciados. Mas aos cabeças dessa trama
diabólica, considerados pelas Nações Unidas como “inimigos da humanidade”.
Estes ficam cada vez mais ricos, mandam os filhos estudar na Suíça, são
chamados de “doutor” e podem até acabar fazendo carreira na política!A
humanidade não pode perder esta guerra que, infelizmente, até aqui, está
perdendo. E nós, escritores, não temos o direito de nos omitirmos e ficarmos
alheios a essa situação, como se não tivéssemos nada a ver com ela. Afinal,
como diz o ditado, “quem cala, consente”. E não temos o direito de consentir na
existência e na expansão deste terrível flagelo, desse perverso agente da
morte.
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