Monday, December 08, 2014

Inocentes pagam pelos pecadores



Pedro J. Bondaczuk


A crise dos reféns do jato norte-americano da TWA, retido há 14 dias no Aeroporto de Beirute, com 39 passageiros do aparelho espalhados por vários esconderijos na capital libanesa, tem diversas facetas. Por envolver um país bastante peculiar, onde grupos religiosos mantiveram uma frágil (e até milagrosa) convivência durante décadas, mas que agora lutam, ferrenhamente, entre si, qualquer espécie de represália contra o Líbano tem que ser ponderada cuidadosamente, para que uma maioria de inocentes não pague por uma minoria pecadora.

O primeiro aspecto a ser considerado nessa crise é o motivo dos xiitas terem praticado o seqüestro. E a causa do avião escolhido ser norte-americano, e não israelense, como a princípio seria de se esperar. Quando em março passado, na seqüência da retirada das tropas de Israel do Sul do Líbano, 766 prisioneiros libaneses foram transferidos do campo de concentração de Answer para o Estado judeu, estava lançada a semente dessa nova crise.
Na oportunidade, apenas a Cruz Vermelha Internacional emitiu seu protesto, afirmando que a operação violava a Convenção de Genebra para prisioneiros de guerra. O Departamento de Estado dos EUA, a bem da verdade, condenou a atitude, mas de uma maneira muito mais branda do que a infração estava a merecer.

É fácil até de se especular a causa dessa manifestação tão débil. É que Washington não queria comprometer o processo de retirada israelense do Líbano e provavelmente entendeu que esse pequeno pecado de Israel seria fartamente compensado pelos benefícios do fim da ocupação do território libanês.

A maioria dos prisioneiros do campo de Answer foi libertada. Apenas os considerados potencialmente perigosos para a paz na fronteira judia é que foram transferidos para Atlit, próximo ao porto de Haifa.

Acontece que exatamente entre esses, nos quais era vista eventual ameaça à estabilidade fronteiriça, estavam diversos xiitas pertencentes (ou simpatizantes) a diversos grupos radicais dessa seita muçulmana, seguidores das idéias e pregações do aiatolá Khomeini, do Irã. Como o Partido de Deus, ou Hezbollah, por exemplo. Ou como a Jihad Islâmica, ou Guerra Santa. Apenas esses grupos tinham condições de praticar algum ato terrorista para chamar a atenção do mundo sobre os prisioneiros em Atlit. Ou para exigir (como de fato estão fazendo) a libertação de seus companheiros detidos.

“E por que o seqüestro de um avião norte-americano, e não israelense?”, perguntará, certamente, o leitor. Por vários motivos, entre os quais, sabendo o quanto o povo dos EUA é sensível a questões dessa natureza, os seqüestradores calcularam que, certamente, faria (como está fazendo) pressão para a libertação de seus prisioneiros para reaver os reféns.

Nada foi casual nesse seqüestro. Outro ponto a considerar é a importância da superpotência, a mais poderosa do mundo. É claro que o impacto de uma ação terrorista contra os EUA na opinião pública teria que ser maior. Como, de fato, está sendo. E os xiitas não seqüestraram um avião israelense, provavelmente, por receio do retorno das tropas de Israel ao Líbano, para novo e prolongado período de ocupação.

Antes que Reagan tome qualquer atitude contra os libaneses, contudo, é necessário que pondere que essa seita muçulmana, responsável pelo seqüestro, a despeito de ser maioria no país, em termos relativos (33%), em termos absolutos não é.

Afinal, 67% da população do Líbano não teve qualquer participação na pirataria aérea e nem manifestou qualquer espécie de apoio a essa ação delituosa. Não é justo, portanto, que neste momento em que os libaneses vivem um instante dramático em seu país, que está completamente à deriva, praticamente sem governo, tenham, para agravar seus sofrimentos, um duro embargo econômico norte-americano. Ou, até, alguma eventual, e sangrenta, ação militar.

A solução para o impasse, como se vê, para ser sábia, humana e duradoura, só pode ter um único caminho: o diplomático. Afinal, os libaneses são tão importantes quanto os norte-americanos, na condição de seres humanos.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 27 de junho de 1985).


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