Inocentes pagam pelos pecadores
Pedro J.
Bondaczuk
A crise dos reféns do jato norte-americano da TWA, retido
há 14 dias no Aeroporto de Beirute, com 39 passageiros do aparelho espalhados
por vários esconderijos na capital libanesa, tem diversas facetas. Por envolver
um país bastante peculiar, onde grupos religiosos mantiveram uma frágil (e até
milagrosa) convivência durante décadas, mas que agora lutam, ferrenhamente,
entre si, qualquer espécie de represália contra o Líbano tem que ser ponderada
cuidadosamente, para que uma maioria de inocentes não pague por uma minoria
pecadora.
O primeiro aspecto a ser
considerado nessa crise é o motivo dos xiitas terem praticado o seqüestro. E a
causa do avião escolhido ser norte-americano, e não israelense, como a princípio
seria de se esperar. Quando em março passado, na seqüência da retirada das
tropas de Israel do Sul do Líbano, 766 prisioneiros libaneses foram
transferidos do campo de concentração de Answer para o Estado judeu, estava
lançada a semente dessa nova crise.
Na oportunidade, apenas a Cruz
Vermelha Internacional emitiu seu protesto, afirmando que a operação violava a
Convenção de Genebra para prisioneiros de guerra. O Departamento de Estado dos
EUA, a bem da verdade, condenou a atitude, mas de uma maneira muito mais branda
do que a infração estava a merecer.
É fácil até de se especular a
causa dessa manifestação tão débil. É que Washington não queria comprometer o
processo de retirada israelense do Líbano e provavelmente entendeu que esse
pequeno pecado de Israel seria fartamente compensado pelos benefícios do fim da
ocupação do território libanês.
A maioria dos prisioneiros do
campo de Answer foi libertada. Apenas os considerados potencialmente perigosos
para a paz na fronteira judia é que foram transferidos para Atlit, próximo ao
porto de Haifa.
Acontece que exatamente entre
esses, nos quais era vista eventual ameaça à estabilidade fronteiriça, estavam
diversos xiitas pertencentes (ou simpatizantes) a diversos grupos radicais
dessa seita muçulmana, seguidores das idéias e pregações do aiatolá Khomeini,
do Irã. Como o Partido de Deus, ou Hezbollah, por exemplo. Ou como a Jihad
Islâmica, ou Guerra Santa. Apenas esses grupos tinham condições de praticar
algum ato terrorista para chamar a atenção do mundo sobre os prisioneiros em
Atlit. Ou para exigir (como de fato estão fazendo) a libertação de seus
companheiros detidos.
“E por que o seqüestro de um
avião norte-americano, e não israelense?”, perguntará, certamente, o leitor.
Por vários motivos, entre os quais, sabendo o quanto o povo dos EUA é sensível
a questões dessa natureza, os seqüestradores calcularam que, certamente, faria
(como está fazendo) pressão para a libertação de seus prisioneiros para reaver
os reféns.
Nada foi casual nesse seqüestro.
Outro ponto a considerar é a importância da superpotência, a mais poderosa do
mundo. É claro que o impacto de uma ação terrorista contra os EUA na opinião
pública teria que ser maior. Como, de fato, está sendo. E os xiitas não
seqüestraram um avião israelense, provavelmente, por receio do retorno das
tropas de Israel ao Líbano, para novo e prolongado período de ocupação.
Antes que Reagan tome qualquer
atitude contra os libaneses, contudo, é necessário que pondere que essa seita
muçulmana, responsável pelo seqüestro, a despeito de ser maioria no país, em
termos relativos (33%), em termos absolutos não é.
Afinal, 67% da população do
Líbano não teve qualquer participação na pirataria aérea e nem manifestou
qualquer espécie de apoio a essa ação delituosa. Não é justo, portanto, que
neste momento em que os libaneses vivem um instante dramático em seu país, que
está completamente à deriva, praticamente sem governo, tenham, para agravar
seus sofrimentos, um duro embargo econômico norte-americano. Ou, até, alguma
eventual, e sangrenta, ação militar.
A solução para o impasse, como se
vê, para ser sábia, humana e duradoura, só pode ter um único caminho: o
diplomático. Afinal, os libaneses são tão importantes quanto os
norte-americanos, na condição de seres humanos.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 27
de junho de 1985).
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