Probabilidade
e possibilidade
Pedro J. Bondaczuk
O poeta T. S. Eliot – sujeito um
tanto estranho, digamos, “excêntrico”, pois, entre outras excentricidades,
abriu mão da cidadania norte-americana para assumir a inglesa (com todo
respeito à Inglaterra, normalmente, ocorre o contrário) – ganhador do Prêmio
Nobel de Literatura de 1948, em um de seus versos mais notáveis, constatou, com
elegância e precisão, que “o gênero humano não suporta a realidade”. E não
suporta mesmo! Não a nua e crua, como se apresenta, o tempo todo, diante dos
nossos olhos.
Gosto da poesia de Eliot, com a
qual me identifico. Só lamento o fato de relativamente poucas pessoas
conhecerem, hoje em dia, sua obra literária. Quem a desconhece, porém, não tem
noção do que está perdendo. Trata-se de poeta excepcional. Aliás, chega a ser
redundante destacar esse fato. Por que? Ora, ora, ora.. Se não fosse
excepcional, no sentido mais positivo que existe de excepcionalidade, não teria
sido premiado com um Nobel, superando tantos e tantos e tantos ilustres
competidores. Fico imaginando, cá com meus botões: “Se um escritor, como Eliot,
vem sendo esquecido, e com menos de meio século após a consagração, o que posso
esperar em relação à minha tosca e quase obscura obra, embora tenha tantos
sonhos relacionados a ela”?
Bem, aí há duas condições
principais a serem consideradas: a da probabilidade e a da possibilidade. O
mais provável é que tudo o que escrevi e que eventualmente ainda venha a
escrever, caia no absoluto esquecimento. Que ninguém, mas ninguém mesmo sequer
saiba, em um intervalo desconhecido de tempo (que pode ser, inclusive,
curtíssimo) que esses textos tão trabalhosos e ingentemente pesquisados,
escritos com tanto entusiasmo e paixão, um dia existiram. E isso importa?
A mim sim! Por que? Por vaidade?
Não! Por senso prático. Porque se trata do sonho que acalentei desde menino e
em cuja concretização empenhei minha vida. Como todo ser humano, porém, também
“não suporto a realidade”. Não, pelo menos, a nua e crua, indicando que a
existência (minha e dos demais seres viventes) talvez não tenha o mínimo
sentido, senão o de viver por viver. Daí criar fantasias de todos os tipos,
para os outros (através do que escrevo), mas, principalmente, para mim mesmo
(mediante meus mais secretos desejos).
É sumamente improvável que a
minha obra – cuja mera qualidade sou incapaz de aferir com objetividade e
isenção – me sobreviva. A probabilidade maior, quase absoluta, é que pereça até
mesmo antes de mim. Afinal, admito, sou polêmico. Nem sempre respeito os cânones
literários estatuídos, no que diz respeito a estilo. Uso e abuso do expediente
de tratar de todo assunto que abordo na primeira pessoa, incomodando a muitos
dos meus alegados leitores (quantos destes o são, de fato, jamais poderei
saber, mas apenas especular). Volta e meia sou contraditório, embora a
contradição seja característica universal do ser humano.. Sou pouquíssimo
divulgado – pelo menos nos meios de difusão tradicionais e de maior penetração
junto ao público. Mas... Ainda assim,
tenho uma possibilidade, posto que remotíssima, de contrariar todas
expectativas, ou mais, probabilidades (mas jamais certezas) e da minha tosca,
polêmica e não raro contestada obra sobreviver ao tempo e ao esquecimento.
Isso vai acontecer?
Provavelmente, não! Mas como saber? Não dá para saber nem isso e sequer se
nossa espécie irá sobreviver a este século, ou mesmo a esta década, ou, quem
sabe, a esta semana, a este dia, a esta hora, tantos e tamanhos são os perigos
que nos ameaçam, sem que atentemos a eles, por não “suportarmos a realidade”.
Como jornalista, até que tento suportá-la, depois de compreendê-la. Todavia,
não a compreendo. Aliás, não compreendo nada. Embora tenha dedicado os últimos
cinquenta anos da minha vida a tentar compreender o que sou, onde estou, qual o
motivo da minha presença neste lugar, e vai por aí afora, continuo
rigorosamente no escuro. Não entendo, sobretudo, a dor, a maldade, a violência
etc.etc.etc. e... a morte.
O homem é o único animal que tem
consciência que vai morrer. E, ainda assim, não enlouquece. Por que? Por
“dourar a pílula” da realidade. Por criar fantasias mil a propósito de outra
vida, incorpórea e imaterial, que acredita, piamente, que exista, tendo por
fundamento apenas a fé. Isto é, o acreditar, sem restrições, no improvável (e
talvez impossível), no inacreditável e provavelmente no meramente fantasioso.
Para contextualizar a citação de T. S. Eliot, partilho com você, paciente
leitor, o trecho do poema “Os Homens Ocos”, de onde a pincei:
“Entre a concepção e a criação,
entre a emoção e a resposta,
desce a sombra.
A vida é muito longa.
Entre o desejo
e o espasmo,
entre a força
e a existência,
desce a sombra.
Pois o reino é teu,
pois tua é a vida,
pois tua é...
É assim que acaba o mundo.
É assim que acaba o mundo.
É assim que acaba o mundo.
Não com um estrondo, mas com um gemido”.
Como se vê, trata-se de magna
verdade, posto que expressada com elegância e sensibilidade por quem não merece
ser esquecido. Mas que, provavelmente, o será.
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