Tuesday, December 02, 2014

Probabilidade e possibilidade

Pedro J. Bondaczuk

O poeta T. S. Eliot – sujeito um tanto estranho, digamos, “excêntrico”, pois, entre outras excentricidades, abriu mão da cidadania norte-americana para assumir a inglesa (com todo respeito à Inglaterra, normalmente, ocorre o contrário) – ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1948, em um de seus versos mais notáveis, constatou, com elegância e precisão, que “o gênero humano não suporta a realidade”. E não suporta mesmo! Não a nua e crua, como se apresenta, o tempo todo, diante dos nossos olhos.

Gosto da poesia de Eliot, com a qual me identifico. Só lamento o fato de relativamente poucas pessoas conhecerem, hoje em dia, sua obra literária. Quem a desconhece, porém, não tem noção do que está perdendo. Trata-se de poeta excepcional. Aliás, chega a ser redundante destacar esse fato. Por que? Ora, ora, ora.. Se não fosse excepcional, no sentido mais positivo que existe de excepcionalidade, não teria sido premiado com um Nobel, superando tantos e tantos e tantos ilustres competidores. Fico imaginando, cá com meus botões: “Se um escritor, como Eliot, vem sendo esquecido, e com menos de meio século após a consagração, o que posso esperar em relação à minha tosca e quase obscura obra, embora tenha tantos sonhos relacionados a ela”?

Bem, aí há duas condições principais a serem consideradas: a da probabilidade e a da possibilidade. O mais provável é que tudo o que escrevi e que eventualmente ainda venha a escrever, caia no absoluto esquecimento. Que ninguém, mas ninguém mesmo sequer saiba, em um intervalo desconhecido de tempo (que pode ser, inclusive, curtíssimo) que esses textos tão trabalhosos e ingentemente pesquisados, escritos com tanto entusiasmo e paixão, um dia existiram. E isso importa?

A mim sim! Por que? Por vaidade? Não! Por senso prático. Porque se trata do sonho que acalentei desde menino e em cuja concretização empenhei minha vida. Como todo ser humano, porém, também “não suporto a realidade”. Não, pelo menos, a nua e crua, indicando que a existência (minha e dos demais seres viventes) talvez não tenha o mínimo sentido, senão o de viver por viver. Daí criar fantasias de todos os tipos, para os outros (através do que escrevo), mas, principalmente, para mim mesmo (mediante meus mais secretos desejos).

É sumamente improvável que a minha obra – cuja mera qualidade sou incapaz de aferir com objetividade e isenção – me sobreviva. A probabilidade maior, quase absoluta, é que pereça até mesmo antes de mim. Afinal, admito, sou polêmico. Nem sempre respeito os cânones literários estatuídos, no que diz respeito a estilo. Uso e abuso do expediente de tratar de todo assunto que abordo na primeira pessoa, incomodando a muitos dos meus alegados leitores (quantos destes o são, de fato, jamais poderei saber, mas apenas especular). Volta e meia sou contraditório, embora a contradição seja característica universal do ser humano.. Sou pouquíssimo divulgado – pelo menos nos meios de difusão tradicionais e de maior penetração junto ao público.  Mas... Ainda assim, tenho uma possibilidade, posto que remotíssima, de contrariar todas expectativas, ou mais, probabilidades (mas jamais certezas) e da minha tosca, polêmica e não raro contestada obra sobreviver ao tempo e ao esquecimento.

Isso vai acontecer? Provavelmente, não! Mas como saber? Não dá para saber nem isso e sequer se nossa espécie irá sobreviver a este século, ou mesmo a esta década, ou, quem sabe, a esta semana, a este dia, a esta hora, tantos e tamanhos são os perigos que nos ameaçam, sem que atentemos a eles, por não “suportarmos a realidade”. Como jornalista, até que tento suportá-la, depois de compreendê-la. Todavia, não a compreendo. Aliás, não compreendo nada. Embora tenha dedicado os últimos cinquenta anos da minha vida a tentar compreender o que sou, onde estou, qual o motivo da minha presença neste lugar, e vai por aí afora, continuo rigorosamente no escuro. Não entendo, sobretudo, a dor, a maldade, a violência etc.etc.etc. e... a morte.

O homem é o único animal que tem consciência que vai morrer. E, ainda assim, não enlouquece. Por que? Por “dourar a pílula” da realidade. Por criar fantasias mil a propósito de outra vida, incorpórea e imaterial, que acredita, piamente, que exista, tendo por fundamento apenas a fé. Isto é, o acreditar, sem restrições, no improvável (e talvez impossível), no inacreditável e provavelmente no meramente fantasioso. Para contextualizar a citação de T. S. Eliot, partilho com você, paciente leitor, o trecho do poema “Os Homens Ocos”, de onde a pincei:

 “Entre a concepção e a criação,
entre a emoção e a resposta,
desce a sombra.
A vida é muito longa.
Entre o desejo
e o espasmo,
entre a força
e a existência,
desce a sombra.
Pois o reino é teu,
pois tua é a vida,
pois tua é...
É assim que acaba o mundo.
É assim que acaba o mundo.
É assim que acaba o mundo.
Não com um estrondo, mas com um gemido”.

Como se vê, trata-se de magna verdade, posto que expressada com elegância e sensibilidade por quem não merece ser esquecido. Mas que, provavelmente, o será.


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