Thursday, December 04, 2014

Com fracassos e sucessos, superamos 1986

Pedro J. Bondaczuk

O ano de 1986, se é verdade que trouxe muitas decepções para a população brasileira, não foi aquela catástrofe que os "profetas do caos" prognosticaram em dezembro de 1985. A inflação não chegou ao assustador patamar de 500%, a recessão não voltou a imperar e na média de sucessos e fracassos, os primeiros prevaleceram sobejamente. É verdade que o Plano Cruzado não conseguiu se sustentar pelo tempo desejável, porque o governo, temeroso de perder as eleições de 15 de novembro passado, não fez os ajustes necessários em tempo hábil. Não deixa de ser também real que o anúncio de medidas impopulares foi feito de maneira inábil e em tempo inoportuno. Mas 1986, ainda assim, não foi o desastre que todos esperavam.

A sociedade brasileira, como um todo, ainda está possuída por uma enorme "sinistrose", um pessimismo imenso, ditado pelos anos de crise econômica que acabamos de atravessar. Veja-se, por exemplo, os boatos que estão circulando por aí, dando conta de um recrudescimento inflacionário, de dificuldades no plano externo com a nossa alentada dívida para o sistema financeiro internacional e com as expectativas de um novo período recessivo. No entanto, tudo isso não passa de bobagem. As autoridades de Brasília estão conscientes que o Brasil só tem um caminho para ser uma Nação viável: crescer!

E crescimento foi o que não faltou nos derradeiros 365 dias. O nosso Produto Interno Bruto pode até mesmo emplacar uma espetacular taxa de crescimento de 12%, que somada aos quase 9% de 1985, nos dará mais de 20% em somente dois anos. Isso, sem "milagres", sem coelhos tirados da cartola e nem investimentos com o dinheiro alheio. É verdade ainda que essa evolução foi suficiente para pelo menos atender o crescimento da demanda. Nos meses em que o Plano Cruzado, embora um tanto cambaleante, se sustentou, o que mais se viu foi escassez de produtos, muitos deles essenciais. Podemos, de imediato, chegar a duas conclusões diferentes: ou o nosso setor produtivo não teve competência para cumprir o seu papel no momento em que mais se fez necessário, ou o processo de sabotagem das medidas estabilizadoras foi mais amplo do que se pensou.

Decepções nós tivemos praticamente em todos os setores. A começar pela nossa seleção de futebol, que pagou duramente pela desorganização existente na CBF, que não se cansou, no correr de 1986 inteiro, de dar mostras de sua inaptidão (que se veja a enorme confusão em que se acabou transformando o nosso principal campeonato). Não houve qualquer critério, nem na escolha do técnico, nem na preparação da equipe e muito menos em sua organização. Todo o mundo quis ser um pouquinho vedete, colher as vantagens do sucesso antes mesmo de ganhar qualquer coisa. O que se viu foi aquela enorme frustração na partida contra a França, onde até penalidades máximas os nossos craques conseguiram errar, demonstrando uma falta de equilíbrio emocional contundente.

Mas a principal decepção do ano foi mesmo no plano político. A campanha eleitoral mais cara da nossa história, que andou girando pelos US$ 200 milhões, foi caracterizada pelas mesmas e surradas táticas politiqueiras dos nossos raros períodos democráticos. Ao invés de programas, de idéias, de soluções, nossos candidatos nos trataram com uma falta de educação cívica assustadora. Xingamentos, acusações acerca de corrupção e de oportunismo e ataques de caráter pessoal de toda a sorte abundaram, em detrimento de um debate sério, ponderado e competente. Por isso (e não somente por causa do voto do analfabeto), os sufrágios brancos e nulos foram tão numerosos em todo o País.

Mas no processo eleitoral houve também um fato saudável e que deve ser destacado: a própria realização do pleito. A oportunidade da população conhecer de perto os políticos que terão a responsabilidade de gerir esta Nação nos seus diferentes níveis de poder. Argumenta-se que mais uma vez o povo errou na escolha (embora as opções que lhe foram apresentadas não fossem muitas). Este erro, entretanto, não invalida a prática democrática. Ela deve ser repetida sempre e sempre. Uma hora a gente acerta. O exercício consciente do voto não deve ser encarado jamais como uma obrigação, dessas chatas, que poucos gostam de fazer. É um direito, um privilégio, uma oportunidade de participação.

Se as perspectivas iniciais para 1987 apresentam-se tão assustadoras quanto as do final do ano passado, elas não são motivos para desespero. Com nosso trabalho, com o exercício de nossa cidadania, com nossa vigilância constante sobre os representantes que escolhemos, conseguiremos alterar a situação. Faremos uma travessia sem maiores turbulências no caminho dos próximos 365 dias. O que não podemos é nos omitir, esperando que outros façam "milagres" por nós. Soluções miraculosas não existem. Problemas só são resolvidos com trabalho sério, persistente, quotidiano e competente. E é isso que certamente todos nós, brasileiros, iremos fazer para construir, não somente um 1987, mas todo um futuro de prosperidade, de paz e de solidariedade em nosso País.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de dezembro de 1986)


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