Tuesday, December 23, 2014

Povo iraquiano é maior perdedor


Pedro J. Bondaczuk


As várias análises feitas acerca da guerra no Golfo Pérsico têm se concentrado nos aspectos estratégico-militar, econômico e político da questão, deixando de lado o fator mais importante a ser debatido: o humano. Qualquer que seja o desfecho do conflito, ele já é uma tragédia irreparável para o povo iraquiano, que teve várias gerações duramente penalizadas no correr deste século pela violência, interna ou externa.

Hoje, a população desse país, situado onde um dia floresceu a primeira superpotência mundial, a Babilônia, na região da Mesopotâmia, cortada pelos rios Tigre e Eufrates, se vê abandonada por todos e é punida duplamente: interna e externamente.

No plano doméstico, é castigada por um ditador megalomaníaco, que em quase 12 anos de poder, arrastou o país para a sua Segunda guerra. Mo âmbito internacional, o iraquiano se vê segregado pelos que ainda ontem se diziam seus melhores amigos.

Seu antigo tutor e hoje vizinho, a Turquia, já que no século passado o Iraque fazia parte do poderoso Império Otomano, não somente lhe virou as costas, como cedeu bases a seus inimigos para que ataquem suas cidades.

A Grã-Bretanha, que por sinal foi a criadora indireta do motivo desta guerra, quando desmembrou o Kuwait do território iraquiano durante a ocupação do país de Saddam Hussein, há cerca de 60 anos, hoje participa mais ativamente do que nunca da tarefa de destruição, metódica e persistente, do futuro dessa nação.

As duas superpotências, que há ainda dois anos armavam freneticamente seu oponente de hoje, agora estão unidas para o arrasar. Seus irmãos árabes – os governos, evidentemente, não as populações – pegaram em armas contra o povo iraquiano. Afinal, é ele que irá pagar as conseqüências da rixa pessoal entre os presidentes George Bush e Saddam Hussein. As lealdades mostraram-se fragílimas diante dos lucros com o petróleo.

O truculento ditador tem, a esta altura, pouco que perder. Basta somente que não seja capturado vivo, para não ser levado a um tribunal de crimes de guerra. Seu objetivo de passar para a história como um mito das populações pobres árabes, a esta altura está garantido.

Provavelmente, ele não irá sobreviver para ver as conseqüências da sua intransigência para a população do seu país. Os iraquianos, que mal se recuperaram da guerra de oito anos contra o Irã, terão muitos mortos ainda para chorar, muitos estropiados para cuidar, muitos órfãos para amparar.

O Iraque deverá sair tão enfraquecido, em todos os sentidos, dessa aventura, que nem todo o seu petróleo será suficiente para financiar sua reconstrução nas duas ou três próximas gerações. Os iraquianos, portanto, são por antecedência os grandes perdedores disparados desta estúpida e inoportuna demonstração mundial de irracionalidade.

(Artigo publicado na página 14, A Guerra no Golfo, do Correio Popular, em 25 de janeiro de 1991).


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