Quando o Estado age como
terrorista
Pedro J. Bondaczuk
O
massacre de cem prisioneiros políticos peruanos, que aguardavam julgamento,
acusados por atos de terrorismo, verificado na Penitenciária de Lurigancho, em
Lima, no dia 18 do mês passado, ainda está repercutindo naquele país. O ato
levou o governo a viver uma séria crise e dizem até que o presidente Alan
Garcia Perez corre rico de ser deposto pelos militares. O fato é que no sábado
passado, o dirigente esteve no local da chacina e constatou, por uma série de
evidências e pelo próprio laudo da autópsia, que os prisioneiros amotinados
foram, realmente, mortos após a rendição. Ou seja, desarmados e indefesos.
Por
pior que sejam os seus atos, eles não mereceram morrer assim. Afinal, embora em
defesa de uma causa errada, demonstraram imensa bravura na luta contra as
forças governamentais. A um adversário tão valente, não se dá um fim tão
inglório. Isso, olhando o caso apenas pelo aspecto militar, sem levar em
consideração pontos mais fundamentais, de maior relevância, como o Direito, a
moral e a própria democracia.
Por
sinal, foi este último ângulo que o presidente peruano ressaltou, quando esteve
no sábado, em Lurigancho. O de que não se combate o extremismo com as mesmas
armas usadas pelas guerrilhas. Acima de qualquer aspecto político, deve ser
encarado o de respeito, sobretudo, à Justiça. É fato de que há tempos vários
ministros vêm defendendo a pena de morte nesse país, para crimes cometidos pelo
terror.
Na
semana passada, ainda com os acontecimentos verificados nos presídios de
Lurigancho, El Frontón e Santa Bárbara frescos na memória de todos, um atentado
covarde roubou a vida de sete pessoas inocentes, num vagão de trem que estava
parado na estação ferroviária de Cuzco e que deveria levar turistas para
conhecer a célebre cidadezinha inca de Machu Pichu, em plena Cordilheira dos
Andes. Entre as vítimas dessa violência cega e despropositada, estava uma
geóloga brasileira, que prestava serviços no Peru. Os guerrilheiros, portanto,
não são primores de virtude.
Acontece
que a pena capital não existe nesse país. E mesmo que existisse, teria todo um
trâmite legal, iniciado com um julgamento (com amplo direito de defesa ao
acusado), com a condenação e com a posterior execução. Mas cumprindo todo um
ritual de Justiça, pois afinal, nenhum castigo legal tem a característica (ou
pelo menos não deveria ter) de "vingança". Pessoalmente, nem somos
favoráveis à pena capital, por entendermos que o fato das autoridades tirarem a
vida de uma pessoa é tão reprovável (ou mais) quanto o crime que o condenado
possa ter cometido.
O
fato é que a atitude atrabiliária, para não classificar de outra forma, de 15
oficiais e 80 guardas de Lurigancho, deflagrou uma profunda crise no governo de
Alan Garcia, cujo saldo, até aqui, foi a demissão de dois ministros e que pode
redundar em redobrada violência por parte das guerrilhas. O regime concedeu aos
rebeldes algo que certamente eles não esperavam, mas que vão explorar bem.
Deu-lhes uma "bandeira", erigiu-lhes "mártires",
justificou, através da força, os métodos que os extremistas adotam para
contestar o regime.
Enfim,
todo esse doloroso e lamentável caso, que deve esconder muito mais coisas do
que aquilo que foi revelado (como suborno, corrupção, etc.), foi um duro revés
para uma democracia que ainda está muito distante de se consolidar, mesmo com
cinco anos de existência. E pode ter um preço bem mais elevado do que somente o
desprestígio internacional do atual governo e até do que as rebeldias
manifestadas em seu próprio ministério. Pode ter custado, inclusive, o arremedo
de paz que havia no Peru.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 2 de julho de
1986)
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