Wednesday, December 03, 2014

Quando o Estado age como terrorista


Pedro J. Bondaczuk

O massacre de cem prisioneiros políticos peruanos, que aguardavam julgamento, acusados por atos de terrorismo, verificado na Penitenciária de Lurigancho, em Lima, no dia 18 do mês passado, ainda está repercutindo naquele país. O ato levou o governo a viver uma séria crise e dizem até que o presidente Alan Garcia Perez corre rico de ser deposto pelos militares. O fato é que no sábado passado, o dirigente esteve no local da chacina e constatou, por uma série de evidências e pelo próprio laudo da autópsia, que os prisioneiros amotinados foram, realmente, mortos após a rendição. Ou seja, desarmados e indefesos.

Por pior que sejam os seus atos, eles não mereceram morrer assim. Afinal, embora em defesa de uma causa errada, demonstraram imensa bravura na luta contra as forças governamentais. A um adversário tão valente, não se dá um fim tão inglório. Isso, olhando o caso apenas pelo aspecto militar, sem levar em consideração pontos mais fundamentais, de maior relevância, como o Direito, a moral e a própria democracia.

Por sinal, foi este último ângulo que o presidente peruano ressaltou, quando esteve no sábado, em Lurigancho. O de que não se combate o extremismo com as mesmas armas usadas pelas guerrilhas. Acima de qualquer aspecto político, deve ser encarado o de respeito, sobretudo, à Justiça. É fato de que há tempos vários ministros vêm defendendo a pena de morte nesse país, para crimes cometidos pelo terror.

Na semana passada, ainda com os acontecimentos verificados nos presídios de Lurigancho, El Frontón e Santa Bárbara frescos na memória de todos, um atentado covarde roubou a vida de sete pessoas inocentes, num vagão de trem que estava parado na estação ferroviária de Cuzco e que deveria levar turistas para conhecer a célebre cidadezinha inca de Machu Pichu, em plena Cordilheira dos Andes. Entre as vítimas dessa violência cega e despropositada, estava uma geóloga brasileira, que prestava serviços no Peru. Os guerrilheiros, portanto, não são primores de virtude.

Acontece que a pena capital não existe nesse país. E mesmo que existisse, teria todo um trâmite legal, iniciado com um julgamento (com amplo direito de defesa ao acusado), com a condenação e com a posterior execução. Mas cumprindo todo um ritual de Justiça, pois afinal, nenhum castigo legal tem a característica (ou pelo menos não deveria ter) de "vingança". Pessoalmente, nem somos favoráveis à pena capital, por entendermos que o fato das autoridades tirarem a vida de uma pessoa é tão reprovável (ou mais) quanto o crime que o condenado possa ter cometido.

O fato é que a atitude atrabiliária, para não classificar de outra forma, de 15 oficiais e 80 guardas de Lurigancho, deflagrou uma profunda crise no governo de Alan Garcia, cujo saldo, até aqui, foi a demissão de dois ministros e que pode redundar em redobrada violência por parte das guerrilhas. O regime concedeu aos rebeldes algo que certamente eles não esperavam, mas que vão explorar bem. Deu-lhes uma "bandeira", erigiu-lhes "mártires", justificou, através da força, os métodos que os extremistas adotam para contestar o regime.

Enfim, todo esse doloroso e lamentável caso, que deve esconder muito mais coisas do que aquilo que foi revelado (como suborno, corrupção, etc.), foi um duro revés para uma democracia que ainda está muito distante de se consolidar, mesmo com cinco anos de existência. E pode ter um preço bem mais elevado do que somente o desprestígio internacional do atual governo e até do que as rebeldias manifestadas em seu próprio ministério. Pode ter custado, inclusive, o arremedo de paz que havia no Peru.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 2 de julho de 1986)


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