Sunday, December 07, 2014

Que racionalidade é esta?



Pedro J. Bondaczuk


As estimativas mais conservadoras dão conta de que há no mundo 150 milhões de crianças no mais absoluto abandono. Nestas cifras não se incluem aquelas que são, apenas, carentes, mas vivem com seus pais; nem as que estão em acampamentos de refugiados; nem as recolhidas em abrigos ou orfanatos e nem as que contam com qualquer tipo de amparo, por mínimo que este seja.

Os números referem-se, apenas, aos meninos e meninas absolutamente indesejados, totalmente enjeitados, que sobrevivem ao Deus dará. Uma cifra, pura e simples, às vezes não sensibiliza. Para que se entenda melhor o que essa estimativa significa, é preciso que se diga que essa quantidade de menores abandonados equivale às populações somadas do Brasil (o sexto país mais populoso do mundo) e do Peru. É muita insensibilidade, das pessoas e dos governos, não é mesmo?!

Com a revelação feita, ontem, em Nova York, pela Madre Teresa de Calcutá, concluímos que esse fenômeno, de desamor, de abandono, de irresponsabilidade, não se restringe a sociedades pobres e nem às capitalistas.

O mal atinge o mundo todo, demonstrando, mais uma vez, e com provas contundentes, que há algo de muito errado nos homens. Os seres humanos ainda não estão sendo medidos, por seus semelhantes, por parâmetros corretos. São considerados, ou rejeitados, por fatores tão fluidos, tão tolos, tão sem sentido, que somente com muita boa vontade podem ser considerados racionais.

Onde está a racionalidade ao se julgar alguém não por aquilo que é, por sua inteligência, espírito de luta, aplicação, mas pela origem familiar ou social? Que sabedoria existe em se avaliar alguém por aquilo que tem (sem ao menos questionar como ele possui esses bens, se foram obtidos por meios legítimos ou ilegítimos), em vez de medir seu valor pelo que é?

Este é o senso de “humanidade”, que deixa no mais completo abandono 150 milhões de semelhantes? Para que o problema pudesse ser ao menos reduzido, e controlado, seriam necessárias milhares de Madres Teresas. Que lição de amor e de desprendimento essa frágil mulher dá ao mundo, repleto de “poderosos de plantão”, tão transitórios como os seus sonhos megalomaníacos!

Que atestado de incompetência essa freira abnegada passa aos sistemas, ideologias e organizações espalhados pelo Planeta! Como considerar competente quem não sabe, sequer, tomar conta da sua descendência?! De que forma é possível que alguém, realmente sério, consiga respeitar os que estão jogando fora o futuro da espécie? Fica, pois, esta indagação no ar, para nossa reflexão.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de junho de 1988).


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