Por que 1984?
Pedro
J. Bondaczuk
O título de um livro,
por estranho que possa parecer, é tema polêmico entre escritores, editores e
todos os que orbitam pelo mundo editorial. Uns consideram-no mera formalidade,
uma espécie de “embrulho” de determinada mercadoria a que não damos a mínima importância.
O que importa, para estes, é o produto que foi embrulhado e não o que o
embrulhou. Outros, no entanto, consideram-no essencial, como irresistível
chamariz para induzir o potencial leitor do livro a comprá-lo nas livrarias.
Estou neste caso. Talvez isso se deva, admito, à profissão que exerço, a de
jornalista, mais especificamente, a de editor de jornal, que sabe da
importância do título das matérias que edite para torná-las atrativas.
A esse propósito,
lembro-me de uma anedota, envolvendo Samuel Clemens – nome verdadeiro de Mark
Twain – tido e havido como um sujeito bem-humorado e brincalhão, sempre com uma
piada engatilhada para cada situação. Diz-se que o veterano escritor, certa
feita, foi abordado por um jovem que havia concluído seu primeiro livro e não
sabia que título lhe dar. O velho escriba, imediatamente, se propôs a ajudar o
trêmulo “aprendiz de feiticeiro”. Diz-se que nunca se recusou a prestar esse
tipo de ajuda a quem lhe solicitasse. Twain indagou ao moço: “Seu livro tem
tambores?”. Este respondeu: “Não”. Voltou a carga e inquiriu; “Tem bandeira?”.
“Também não”, respondeu o rapaz. “Pois aí está o título: ‘Sem tambores e sem
bandeira’”. Só não se sabe se o jovem escritor acatou a sugestão. Suponho que
sim.
Bem, tudo isso vem a
propósito do título que George Orwell deu ao seu livro “1984”. Em texto
anterior, especulei, embora sem ter nenhuma certeza, que ele se limitou a
inverter o ano da conclusão da obra, que foi 1948. Na sequência, pesquisando em
várias fontes, notei que diversas pessoas tiveram a mesma convicção. A
enciclopédia eletrônica Wikipédia informa a respeito: “Um dos títulos originais
do romance era ‘O Último Homem da Europa’ (The Last Man in Europe), mas em uma
carta para o editor Frederic Warburg, datada de 22 de outubro de 1948 (oito
meses antes do livro ser publicado), Orwell declarou que estava ‘hesitando’
entre este título e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, apesar de Bernard Crick,
biógrafo de Orwell, afirmar que foi Warburg quem sugeriu que o título fosse
mudado para algo mais vendável”.
O verdadeiro motivo do
escritor haver decidido intitular sua obra da maneira que intitulou é tema de
interminável discussão. Entendo que pode, apenas, ser especulado, mas não
definido com exatidão. Orwell nunca explicitou a razão. Para alguns, ele
poderia, por exemplo, simplesmente estar pensando no centenário da Sociedade
Fabiana, organização socialista fundada em 1884. Faz sentido. Mas... Outros
especulam que Orwell teria se inspirado no romance distópico “Iron Heel”, de
Jack London, em que um movimento político chega ao poder exatamente em 1984.
Coincidência? Pode ser que sim, pode ser que não. Há outras possibilidades,
mencionadas pela Wikipédia, e nenhuma delas pode ser liminarmente descartada. E
nem confirmada.
Uma é a que diz que
Orwell tinha em mente o livro “O Napoleão de Nothing Hill”, de G. K.
Chesterton, cuja história se passa em 1984. Outra, é a de que quis homenagear
sua primeira esposa, Eileen O’Shaughnessy. Ela era poetisa e um de seus poemas
mais expressivos tinha o título, justamente, de “End of the century, 1984” ou,
traduzindo, “Fim do século, 1984”. Eu, se estivesse no lugar de Orwell, optaria
por fazer esse tipo de homenagem a uma pessoa tão importante para ele, com quem
partilhou boa parte da vida. Se foi ou não este o motivo, não sei dizer e creio
que ninguém saiba. O escritor nunca confirmou (e nem desmentiu) esta e nenhuma
outra versão.
Peço licença para
transcrever uma informação da Wikipédia, que nada tem a ver com o título do
livro, mas que considero importante, por desfazer uma avaliação equivocada que
tanto defensores quanto adversários do escritor frequentemente fazem. Diz: “Um
dos maiores equívocos em relação à obra de Orwell é de que se trata de uma
desilusão com as ideias socialistas. Em uma carta a Francis A. Henson, membro
do sindicato estadunidense United Auto Workers, datada de 16 de junho de 1949
(sete meses antes de sua morte), que foi reproduzida na revista Life (edição de
25 de julho de 1949) e no The New York Times Book Review (31 de julho de 1949),
Orwell declarou o seguinte:
‘Meu romance recente
[Nineteen Eighty-Four] NÃO foi concebido como um ataque ao socialismo ou ao
Partido Trabalhista Britânico (do qual sou um entusiasta), mas como uma mostra
das perversões… que já foram parcialmente realizadas pelo comunismo e fascismo.
O cenário do livro é definido na Grã-Bretanha, a fim de enfatizar que as raças
que falam inglês não são, intrinsecamente, melhores do que nenhuma outra, e que
o totalitarismo, se não for combatido, pode triunfar em qualquer lugar’”. E não
pode? Infelizmente, sim. Pelo menos, volta e meia triunfa: na África, na Ásia e
na nossa sofrida América Latina.
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