Saturday, December 06, 2014

Questão de credibilidade


Pedro J. Bondaczuk


As vacinas são, na atualidade, um dos maiores instrumentos de saúde pública de que se dispõe. Ao invés de curar determinadas doenças, estas são prevenidas, implicando em menos despesas e na prevenção de muito sofrimento. Os imunizantes fazem com que o próprio organismo humano produza seus anticorpos e dessa forma se defenda contra os agentes patogênicos que o podem destruir. Foi através do seu uso que uma das mais terríveis moléstias --- que dizimou comunidades inteiras em passado não muito remoto --- foi erradicada da face da Terra: a varíola. A vacinação criteriosa e bem-programada permitiu ao País ficar livre para sempre da poliomielite, que mutilou tanta gente no correr do tempo, trazendo uma carga de sofrimento que poderia ter sido evitada se tais pessoas houvessem sido vacinadas.

É certo que em muitos casos de vítimas da paralisia infantil, estas contraíram o mal quando a vacina sequer havia sido desenvolvida. Infelizmente, deram azar. Para que a prevenção de doenças funcione, no entanto, é necessário que haja a confiança da população nos agentes imunizantes. É preciso que os pais se conscientizem da sua importância e se disponham a vacinar seus filhos, sem o mínimo receio de que possa ocorrer algum problema. Só assim as campanhas de vacinação tendem a ser um sucesso. Só dessa maneira doenças letais, ou no mínimo incapacitantes, podem ser detidas e até eliminadas, como no caso da varíola, em âmbito mundial e da poliomielite, no Brasil. Só assim, muito sofrimento será evitado e enormes prejuízos materiais serão prevenidos.

Por essa razão, o incidente acontecido em Campinas e Hortolândia, no último dia 15, com a vacina contra a meningite tipo C, precisa ser analisado com muita cautela e critério pelas autoridades e pela comunidade. Os responsáveis pela área de saúde, sejam eles da esfera municipal, estadual ou federal, têm a obrigação de vir a público, através dos meios de comunicação e, com clareza e sinceridade, esclarecer, sem omitir coisa alguma, o que aconteceu. Se as reações adversas, apresentadas por algumas das pessoas vacinadas, são normais, é preciso que se explique. Mas não em linguagem técnica ou mediante os meios tão comuns aos nossos administradores, que o povão denomina de "enrolação".

Felizmente, parece que nenhuma das mais de três mil pessoas que se sentiram mal após a vacinação teve problemas mais sérios. Mesmo as que tiveram que ser internadas na UTI não correm mais risco de vida. Mas o que de fato ocorreu? Tratou-se apenas de uma reação desagradável, mas passageira, característica desse tipo de vacina e considerada normal? O pânico generalizado que se instalou, fruto do medo, foi, portanto, imotivado? Em caso afirmativo, é preciso que a população seja tranqüilizada.

Mas há outras tantas questões a serem levantadas. Por exemplo, algum lote da vacina estava contaminado com toxinas, conforme se propalou? Em caso afirmativo, qual foi a sua origem? Veio de qual dos laboratórios fornecedores? Quem foi o responsável pela ocorrência, se isso de fato ocorreu? O que irá  acontecer ao funcionário relapso, sempre supondo que tenha havido algum erro, já que expôs a perigo a saúde pública?

Esse é um caso que não pode e nem deve ser encoberto, para que as pessoas não percam a confiança na ciência e nos extraordinários produtos que ela criou para a defesa do homem. As vacinas foram, são e serão importantíssimas na prevenção de doenças. Se não fossem, não haveria o enorme empenho internacional que há para desenvolver uma que imunize o indivíduo contra a Aids, por exemplo.

Se, por outro lado, as reações adversas apresentadas são normais, as autoridades sanitárias têm a absoluta obrigação de vir a público e convencer a comunidade disso. As pessoas estão, com razão, bastante assustadas. Afinal, foi a saúde e a segurança dos filhos que esteve em jogo, coisa que para a maioria é e deve ser sempre sagrada. Quais os argumentos que irão usar, é problema delas. Mas os esclarecimentos devem ser feitos e por todos os meios, principalmente pela imprensa.

Se as pessoas deixarem de confiar, e portanto de participar, de campanhas de vacinação, a população vai correr sérios riscos de epidemia no futuro, o que será uma burrice, pois a lógica diz que o ditado "prevenir é melhor do que remediar" não é somente um surrado chavão.

(Artigo publicado no Correio Popular em 16 de abril de 1996)
  
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